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Ambiente

Mercado do carbono: Uma “oportunidade” para Cabo Verde?

Foto: Got2Globe

Já há quem fale no mercado de carbono como “o novo petróleo”. Mesmo para um país pequeno como Cabo Verde, os valores em jogo são tentadores, neste novo fenómeno que resulta da forma como a gestão do clima tende a transformar-se num negócio à escala planetária. Como entrar neste mundo milionário sem perder a cabeça é a pergunta que o economista Paulino Dias nos ajuda a compreender.

Num mundo onde tudo se compra e tudo se vende, os negócios em torno do carbono podem ser a grande oportunidade do momento. Esta foi a forma encontrada, pelo sistema mundial que gira à volta do clima, para contornar e atenuar os efeitos da degradação ambiental que vão ocorrendo, um pouco, por todo o planeta Terra.

Para se ter uma ideia do que estamos a falar, um crédito de carbono significa uma quantidade de emissão desse gás venenoso para a atmosfera, que um país não emissor – e que tinha o direito de emitir – e que o poderá “vender” esse direito a um outro país altamente emissor, num mercado internacional, caso queira continuar a produzir e a poluir a atmosfera. É o que já se chama de “mercado de compensação” climática.

De acordo com as regras internacionais – que vêm desde o protocolo de Quioto, de 1997, e o Acordo de Paris, de 2016, para manter o aquecimento global em níveis seguros -, a cada país é-lhe atribuído, anualmente, uma dada quantidade de emissões poluentes, inerentes à sua produção industrial. Tudo isto, determinado pelas autoridades que controlam as emissões de gases de efeito de estufa, na atmosfera, com vista a manter os níveis acordados, para a salvaguarda do planeta.

Paulino Dias

Crédito de carbono

Nesta nova ordem mundial, reforçada estes dias pela Cimeira do Clima no Emirados Árabes Unidos, um “crédito de carbono” corresponde a uma tonelada de dióxido de carbono que um determinado país pode “usar” ou “vender”. Isto é, a quantidade que esse país acabou por não gastar ou produzir, por não ter indústrias poluentes, como Cabo Verde, por exemplo.

No caso de Cabo Verde, de acordo com o especialista nestes assuntos, Paulino Dias, doutorando em economia azul, o potencial de negócios é grande: “Se, por exemplo, cada crédito de carbono, ou seja, cada tonelada, for vendida a 80 dólares no mercado regular, irá criar 20 mil novos empregos e ter cerca de 30 milhões de dólares em receitas”. 

Esta é a perspectiva mais optimista, adianta o nosso entrevistado, porquanto se o preço for apenas de 10 dólares por tonelada, o valor baixa. “Mas, não deixa de haver um potencial”, admite.

Outra fonte possível de negócio, segundo Dias, é a captura de carbono, em que se pode provar tecnicamente que se tirou da atmosfera, por exemplo, uma tonelada de carbono.

“Existem técnicas para retirar esse gás da atmosfera, através da fotossíntese, das plantas, e é possível medir, calcular, a quantidade de dióxido de carbono tirado, por exemplo, da floresta do Monte Tchota. E se conseguirmos obter um certificado, através de entidades reguladoras, dessa quantidade retirada, Cabo Verde pode vender esse crédito no mercado regulado ou no mercado voluntário”.

Mas também se pode gerar crédito sobre o carbono através da chamada compensação – o offsett. Podemos tomar como exemplo uma empresa francesa, que teria direito a emitir apenas 10 toneladas de dióxido de carbono, num ano, mas que ultrapassou em 2 valores, sendo 12 no final.

Nemias Gonçalves

‘Sistema perverso’

A referida empresa francesa, tida como exemplo, ou compra 2 créditos de carbono, para compensar o excesso, ou financia um projecto de florestação fora da França, por exemplo em Cabo Verde, ajudando assim a capturar 2 créditos ou 2 toneladas de dióxido de carbono.

Mas, para Nemias Gonçalves, responsável da Querqus, em Cabo Verde, pelo ambiente e alterações climáticas, a aquisição de créditos de carbono resulta num contrassenso. Isto porque, para a saúde do planeta, chegado ao limite das emissões permitidas, “a empresa em causa ou o país, deveriam, pura e simplesmente, parar de produzir e de poluir o planeta. Retomando a actividade apenas no ano seguinte”.

Com o Protocolo de Quioto, deu-se aos países industrializados a prerrogativa de comprarem créditos aos países não poluidores, como os africanos, sul-americanos ou asiáticos. “A parte industrial está à frente de tudo, ninguém quer perder dinheiro e tratar do ambiente, é um sistema perverso. Porque as emissões continuam. E os países africanos estão endividados, por isso os mais industrializados compram os créditos de carbono com parte dessas dívidas, ou do crédito financeiro que estes têm sobre eles”.

Para Nemias Gonçalves, a industrialização esqueceu-se das questões climáticas, desde o início do processo. E o Protocolo de Quioto, de 1997, nem foi assinado pelos grandes países poluidores, como a China, a Rússia e os EUA, porque não lhes interessava diminuir a sua industrialização. A Rússia só o assinou em 2005.”

Porém, o potencial não está apenas na venda desses créditos. “Para além das florestas, onde há a produção de oxigénio, através do processo da fotossíntese, existe também a captura de carbono pelos oceanos, cuja investigação ainda está em curso e pouco divulgado.” E aqui, diz Paulino Dias, “o potencial de Cabo Verde é ainda maior.” Esta captura também ocorre nos manguezais, como é o caso da Guiné-Bissau, nas ilhas dos Bijagós, o que poderá vir a garantir receitas a este país.

O potencial existente no continente é enorme, quer através da venda de créditos a países industrializados, quer através de soluções baseadas na natureza, como a captura de carbono através da flora. Isto resulta do facto de a África possuir das maiores florestas do mundo, juntamente com a Amazónia e Sudeste Asiático.

Corrida às florestas africanas

No final de Novembro passado, um sheik dos Emirados Árabes Unidos conseguiu negociar os direitos para a retenção do carbono, conhecido por offsetting, de vários países africanos, numa área total de florestas maior do que a do Reino Unido.

O negócio em causa, celebrado por um membro da família real do Dubai, chamou a atenção dos observadores internacionais para a percentagem das terras abrangidas (20%, nalguns casos), para além de colocar em risco o direito de uso pelas populações locais.

Os contratos conseguidos por Ahmaed Dalmook al-Maktoum visam locais que são autênticos santuários de fauna selvagem e biodiversidade, em terras cujo potencial de receitas da captação do carbono, está avaliado em biliões de dólares.

Para Paulino Dias, o que poderá estar em causa é a realização de uma mais-valia colossal de bilhões de dólares, já que o valor no mercado, destes direitos negociados, poderá vir a aumentar nu futuro, de forma substancial. Basta imaginarmos o valor de cada tonelada de carbono, que vai de 5 a 30 dólares. Para além de que a floresta africana tem uma longevidade muito longa.

Caso de Cabo Verde

Em 2009, no governo de Cabo Verde de então falou-se em transacionar os créditos de carbono do país. No entanto, o assunto terá sido arquivado, explica Paulino Dias: “O país precisa desenvolver capacidades internas e know how, mais conhecimentos, porque esta área do ‘climate finance’ ainda é nova no continente, apesar de estar a evoluir muito rapidamente.”

Aliás, o próprio conhecimento científico sobre as mudanças climáticas, directamente ligado, vai ficando cada vez mais profundo e complexo e é preciso produzir conhecimento útil. “Cabo Verde tem vindo a fazer um esforço, juntamente com algumas agências das Nações Unidas, como a FAO, lançando produtos no mercado, fazendo negociações de títulos de crédito voltado para a economia verde e azul, incluindo linhas de crédito de bancos.”

Não sendo detentor de vastas florestas e ainda com a captura de carbono, através do mar, à espera de desenvolvimentos científicos, “o país deve apostar na transição energética”, defende Paulino Dias.  O ‘quadro razoável’ de políticas existentes para esta transição e o enquadramento legal para o investimento em energias renováveis, devem ser a grande aposta de Cabo Verde, defende.

Já que o contributo das ilhas para as mudanças climáticas é ínfimo, e os 23 % da taxa de penetração das energias renováveis, ajudam a diminuir a ‘pegada carbónica’. No entanto, Paulino Dias defende uma maior atenção às políticas públicas para garantir essas metas. O que também passa pela informação da população, porque pouca gente tem consciência dessa realidade.

“As pessoas reclamaram de muito calor, este verão, mas cerca de 70% do calor da Terra é devido a causas humanas. As pessoas reclamam, mas depois entram no carro e ligam o ar condicionado, ou fazem-no quando chegam ao escritório.”

Riscos climáticos sub-avaliados

Outra das áreas sensíveis, para a qual Paulino Dias alerta tem que ver com o nível de sensibilidade e conhecimento sobre os efeitos das mudanças climáticas nos investimentos turísticos.    

“Poucos investimentos incluem na sua avaliação de risco as alterações climáticas, como por exemplo, os bares em cima de rochas. É o caso dos bares existentes na Kebra Kanela. Uma projecção internacional prevê que o mar, nessa praia, até o ano de 2100, avançará cerca de 97 metros pela terra adentro…” Isto, adianta, sem falar nas outras praias do arquipélago, como as do Sal, Boa Vista e Maio.

“Isto é de grande importância, quando pensamos qual o valor que o turismo de praia representa no PIB de Cabo Verde. Nem os bancos, nem os investidores, estão a considerar esses riscos climáticos nos seus investimentos. E isto será inevitável nos próximos tempos. Mas em Cabo Verde, ainda não há essa percepção.”

Estamos a falar de um risco que pode ser directo ou indirecto, explica Paulino Dias: “Uma coisa é construir um hotel em cima de um ‘covoc’, de um buraco, como nós dizemos em Santo Antão. Vem uma chuvada forte e vai tudo por ali a baixo. Fica o investimento perdido”.

Outra coisa, é o impacto, os riscos indirectos, que também afectam profundamente esse investimento, esse hotel. Como o corte de uma estrada de acesso, por exemplo, por via também das chuvas, o que vai impedir a circulação de clientes e hóspedes. Para se ter uma ideia, especialistas internacionais avançaram a soma de 16 milhões de dólares gastos, por hora, no mundo inteiro, em prejuízos, devido a enxurradas, inundações, incêndios, e outros danos causados por fenómenos ligados às mudanças climáticas.

Joaquim Arena

Leia a reportagem na íntegra na edição nº850 do jornal A NAÇÃO

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