Os traficantes detidos no âmbito a operação Alcatraz I pertencem a duas das organizações criminosas mais temidas do mundo: PCC (Brasil) e a máfia sérvia. O facto de estarem todos a cumprir pena na Cadeia de São Martinho, na cidade da Praia, juntamente com reclusos ligados à mafia russa e com organizações criminosas da Holanda, é motivo de grande preocupação.
Em recente reportagem publicada na revista brasileira “Piauí”, o jornalista e investigador, das rotas do tráfico de cocaína na América do Sul, Allan de Abreu realça que traficantes do PCC (Primeiro Comando da Capital), “estão cruzando o Atlântico para levar drogas a Cabo Verde, e de lá para a Europa – tudo com apoio de mafiosos sérvios”. Este facto corrobora com a matéria publicada na edição 840 do A NAÇÃO, de Outubro passado, e que provocou um certo desconforto de Combinação explosiva Membros do PCC do Brasil, das máfias sérvia e russa presos em São Martinho algumas entidades judiciárias cabo-verdianas. Confirma, ainda, a tese de Cabo Verde ser hoje em dia considerado a “autoestrada 10” na rota do tráfico de cocaína, oriunda da América do Sul rumo ao hemisfério norte (Europa, principalmente). Allan de Abreu relata a história relacionada com a operação Alcatraz I, que envolveu a marinha dos Estados Unidos da América, Cabo Verde e o Brasil, onde foram aprendidas 5,5 toneladas de cocaína e ficou-se a saber o que aconteceu com o barco de pesca que transportava a droga. Nessa operação foram detidos cinco brasileiros e dois montenegrinos, que foram condenados e que cumprem as respectivas penas na Cadeia de São Martinho, na cidade da Praia. Segundo o Ministério Público de São Paulo, ao menos um dos brasileiros a bordo do barco tem ligações com o PCC (ver caixa). Uma investigação da Piauí, em parceria com a Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional (Gitoc, na sigla em inglês), mostra que, nesse e em outros casos, in- tegrantes da facção se aliaram a grupos mafiosos da Sérvia para transportar cocaína até Cabo Verde. Os dois montenegrinos presos no Alcatraz I são suspeitos de integrar uma máfia sérvia. Documentos da Judiciária cabo-verdiana afirmam que eles respondem ao Kavač, grupo criminoso ligado ao Šarić, uma máfia ainda maior, controlada por Darko Šarić, um dos narcotraficantes mais procurados da Europa, dono de uma fortuna estimada pela revista Forbes em 27 bilhões de dólares. Embora Šarić esteja preso há nove anos na Sérvia, acusado de traficar ao menos 5,7 toneladas de cocaína, o seu grupo ainda é um dos mais actuantes no mercado europeu. “Não deixa de ser preocupante saber que neste momento na Cadeia de São Martinho temos pessoas presas com ligações as maiores organizações criminosas, da Sérvia, o PCC do Brasil”, realça uma fonte policial destacando ainda o facto de estarem, nesse estabelecimento prisional outros reclusos com ligações a organizações criminosas “muito poderosas”, da Holanda (Lancha Voadora) e da máfia russa, ligados à droga apreendida no navio Esser, no Porto da Praia. Portanto, “é preocupante o número de pessoas de grandes organizações criminosas a cumprir pena em Cabo Verde, num único espaço, que é a cadeia de São Martinho e num pequeno país”. Uma outra novidade é que Cabo Verde passou a ser utilizado pelo denominado “Escobar do Brasil” com ligações a Portugal. As fragilidades de Cabo Verde De acordo com o referido artigo da Piauí, Cabo Verde não foi o único país da costa oeste africana a entrar no radar dos megatraficantes. Diálogos captados num aplicativo de mensagens pela Europol, força policial da União Europeia, mostram que criminosos têm usado diferentes portos da África Ocidental como entreposto para os carregamentos de droga. Isso se deve a dois factores. O primeiro é que, segundo os próprios traficantes, embarcações oriundas de países africanos despertam menos suspeita das polícias europeias do que aquelas saídas de países latino- -americanos. O segundo é a conhecida debilidade das instituições públicas nos países africanos. Documentos do Ministério das Relações Exteriores do Brasil (Itamaraty) apontam deficiências na infraestrutura policial de Cabo Verde. “Além de contar com poucas embarcações para o adequado patrulhamento do mar, a Guarda Costeira não dispõe de recursos humanos suficientes para equipar seus navios e lanchas. Há dificuldade também no custeio da manutenção das embarcações militares”, diz um telegrama obtido pela Piauí. Essa deficiência no patrulhamento marítimo tem sido parcialmente compensada, nos últimos anos, pela Marinha dos EUA e pelo Maoc (N) (Centro de Análise e Operações Marítimas, na sigla em inglês), unidade de inteligência transnacional voltada ao combate ao narcotráfico no Oceano Atlântico.
Antenas da máfia sérvia em Cabo Verde
Consoante o artigo de Allan de Abreu, a Polícia Federal (PF) começou a seguir as pegadas da máfia dos Balcãs em 2014. Em Abril daquele ano, o piloto brasileiro Ronelson Cândido Martins esteve em Cabo Verde para se reunir com o velejador esloveno Milan Rataj, que na época vivia no país, casado com uma cabo-verdiana. A viagem se repetiu em Setembro de 2015. A PF suspeita que Martins e Rataj chefiavam uma quadrilha especializada no transporte de cocaína por meio de veleiros. A droga era levada de Pernambuco a Cabo Verde, um trajecto oceânico de mais de 3 mil quilómetros. Diferentemente de navios comerciais, veleiros não precisam passar pelo controlo de imigração. Rataj foi preso pouco tempo depois, em 2017, em Angra dos Reis (Rio de Janeiro), a bordo de um veleiro que rumava a Cabo Verde carregando 50 kg de cocaína. A Justiça brasileira o condenou a seis anos e meio de prisão por tráfico internacional de drogas. Martins, por sua vez, foi preso em flagrante em 2018, quando transportava meia tonelada de cocaína em Americana, cidade do interior de São Paulo. Foi condenado a quatro anos de prisão por tráfico internacional de drogas. Desde então, a PF monitora a colaboração de traficantes brasileiros com criminosos do Leste Europeu. Trata-se, na maioria dos casos, de grupos paramilitares que atuaram na Guerra Civil da Iugoslávia, entre 1991 e 2001, e que depois se transformaram em organizações criminosas. A mais famosa delas é o Šarić. Maior apreensão de sempre na rota Brasil-Cabo Verde A maior apreensão já feita na rota Brasil- -Cabo Verde foi a do Alcatraz I, em Abril de 2022. Ao investigar quem estava por trás desse carregamento de cocaína, avaliado em 160 milhões de dólares na Europa, a Polícia Federal brasileira chegou ao nome de Aleksandar Nesic, filho de Goran Nesic, o antigo “embaixador” dos traficantes sérvios no Brasil. Segundo o referido artigo, o encontro em alto-mar não foi obra do acaso. Os marinheiros americanos estavam na companhia de cinco policiais de Cabo Verde, que haviam sido avisados pela Polícia Federal brasileira sobre o carregamento de cocaína. O tráfico marítimo entre o Brasil e Cabo Verde tornou-se recorrente nos últimos anos. Este arquipélago é hoje um entreposto importante para traficantes que querem vender drogas na Europa. De acordo com a mesma fonte, a abordagem foi rápida. Os oficiais da marinha se aproximaram, renderam os tripulantes – cinco brasileiros, dois montenegrinos – e revistaram o barco. No porão, encontraram 214 fardos com tabletes de cocaína pura, que juntos pesavam 5,5 toneladas. Os tripulantes foram presos em flagrante e a droga, confiscada. Terminada a operação, os americanos afundaram o Alcatraz I a tiros. Mais tarde, os sete tripulantes foram condenados pela Justiça de Cabo Verde a doze anos de prisão por tráfico de drogas. Aquela foi uma das maiores apreensões de cocaína no mundo, em 2022.
PCC, a maior organização criminosa do Brasil
O PCC, Primeiro Comando da Capital, é tido como a maior organização criminosa do Brasil. Além do narcotráfico, o PCC tem na sua vastíssima folha vários tipos de crime: assalto a bancos, sequestros, extorsões, etc. Mesmo estando presos, os seus principais chefes actuam e controlam parte do sistema penitenciário. Surgido em 1993, com actuação principalmente no estado de São Paulo, o PCC actua também em países vinhos ou próximos do Brasil, isto é, Paraguai, Bolívia, Colômbia e Venezuela. Possui cerca de 30 mil membros, sendo 8 mil apenas em São Paulo. O seu nível de penetração no sistema judiciário e político brasileiro é tido como altamente preocupante dado o nível de penetração que possui entre polícias, advogados, magistrados e, claro está, até políticos.