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Sociedade

Distribuição do arroz doado pela China: MORABI com 800 sacos e outros sem nada…

A sede da MORABI, na Terra Branca, cidade da Praia, registou nos últimos dias uma grande afluência de pessoas à busca da sua parte das 1.042 toneladas de arroz que a China doou para Cabo Verde. Organizações da mesma natureza dizem que não foram contempladas, entre estas, o Banco Alimentar contra a Fome, que, por mês, precisa de pelo menos duas toneladas desse alimento para responder à demanda dos desfavorecidos que lhes batem à porta.

A sede da Associação de Apoio à Autopromoção da Mulher no Desenvolvimento (MORABI), na Terra Branca, começou por estes dias a distribuir, de forma gratuita, parte das 1.042 toneladas de arroz que a China doou para Cabo Verde, conforme apurou, no terreno, o A NAÇÃO (ver caixa). 

Na verdade, ao que conseguimos saber, esta está a ser a segunda fase de distribuição por parte da MORABI, que todo já recebeu 800 sacos de arroz. 

Diante disso, A NAÇÃO tratou de averiguar se outras organizações e instituições de cariz social receberam também parte do mesmo donativo. Umas receberam, outras não. 

“O Banco Alimentar infelizmente ainda não recebeu a doação do arroz”, afirma a sua responsável, Ana Hopffer Almada. “Isto, apesar de todas as nossas diligências, porque temos estado a contactar quem de direito que está realmente na posse do alimento para fazer chegar até eles a necessidade que nós temos”.

A presidente da Fundação Dona Ana diz que há no país várias ONG’s que fazem doacção de alimentos, mas que nenhuma delas está melhor preparada e vocacionada do que o Banco Alimentar Contra a Fome, que já funciona há 11 anos, com resultados de milhares de toneladas de alimentos recolhidos e distribuídos para milhares de pessoas.

“Por mês, só aqui na Praia, distribuímos 300 cestas básicas. Em toda a ilha de Santiago são 600 cestas básicas. Em cada cesta básica, temos 3 quilos de arroz que multiplicado são quase duas toneladas de arroz entre Praia e interior de Santiago. Só para se ver o quanto temos necessidade deste arroz que ainda não recebemos”, explica a nossa entrevistada, para quem esta conta não inclui as ajudas atribuídas às pessoas que depois das crises, com a inflação, passaram a procurar a fundação com sede na Achada Santo António, Praia.

Como diz também, nos últimos anos, com a crise que provocou o aumento dos preços dos produtos e consequentemente aumentou o custo de vida, os pedidos de ajuda duplicaram. 

“São, pelo menos, duas toneladas de arroz que precisamos mensalmente”, acrescenta. “Há algum tempo quando eu disse que as pessoas diziam que estavam com fome, disseram-me que estava a dizer que havia fome em Cabo Verde. Mas hoje, todo mundo reconhece, realmente há pessoas que passam fome. Uma pessoa que não come há dois ou três dias, não tem outro nome”.

Dificuldade para manter stock  

Conforme avançou ainda, o Banco Alimentar, por ano, realiza duas campanhas de recolha de donativos. Uma em Junho e outra em Dezembro. “Em Junho deste ano, recolhemos cerca de seis mil quilos de alimentos, não só arroz, apesar deste ser um dos mais doados nas campanhas. Estamos agora a preparar a segunda campanha anual entre os dias 2 e 3 de Dezembro”.

Como refere igualmente, o Banco Alimentar Contra a Fome funciona também graças às doações de algumas empresas. “Recebemos muita doação de feijões, temos neste momento muitos sacos com os quais desenrascamos. As pessoas, quando sabem que não temos arroz, no desespero, pedem para levar o feijão, sugerem fazer papas de feijões para as crianças e consideram ‘melhor do que nada’. Por isso, tenho procurado desesperadamente por arroz”, complementa.

Ministro Gilberto Silva e o Embaixador Chiês, Xu Jie

 “Estamos a fazer toda a diligência para conseguir parte deste arroz”

Na tentativa de conseguir parte das 1.042 toneladas de arroz que a China doou para Cabo Verde, através do Governo, a presidente do Banco Alimentar disse que procurou primeiramente pelo Ministério da Agricultura e Ambiente que recebeu oficialmente esta ajuda alimentar.

 “Depois de contactar-lhes, soube que o arroz afinal estava na posse do Ministério da Família, Inclusão e Desenvolvimento Social, o responsável pela distribuição”, explicou referindo que continua a diligenciar para que este possa beneficiar também o banco alimentar.

 “Eu penso que não tenho necessidade de ir pedir arroz, sendo que todos conhecem o Banco Alimentar Contra a Fome de Cabo Verde e o seu trabalho ao longo dos 11 anos de existência. Mesmo assim, como ainda não chegou em mim e já soube da distribuição, e por não ter recebido nem um quilo até agora, eu é que estou a contactar-lhes tendo em conta a necessidade que temos”, afirma.

Delegação de São Vicente conseguiu parte do arroz 

 Ana Hopffer Almada diz ter esperança de que o Banco Alimentar possa vir a ser contemplado, tendo em conta o discurso do Governo de que a ajuda alimentar da China beneficiará as famílias cabo-verdianas mais vulneráveis e será gerida pelas instituições responsáveis com total transparência.

 “O banco está em todos os concelhos da ilha de Santiago, na ilha de São Vicente, Fogo, Sal e Brava. O funcionamento não é tão regular como gostaríamos que fosse sobretudo na Brava e no Fogo. Dentre estes, tendo em conta esta questão da distribuição do arroz, a nossa delegação em São Vicente, felizmente, conseguiu alguma quantia através da Câmara Municipal. Temos esperança que as outras delegações, incluindo aqui na Praia onde o foco é maior, possam também receber”, conclui.

Outras organizações que “não viram a cor do arroz”

Além do Banco Alimentar contra a Fome, outras instituições que também trabalham com grupos vulneráveis, afirmam não ter recebido nenhuma quantidade de arroz para distribuir. 

 “Nós não fomos contemplados e não temos nenhuma informação de como está sendo distribuído. Tendo em conta o trabalho que desenvolvemos na sociedade há mais de 42 anos, achamos que poderíamos estar entre os beneficiários”, afirma a presidente da Organização das Mulheres de Cabo Verde (OMCV), Eloisa Cardoso, para quem “isto faria toda a diferença, mas não nos impedirá de continuar o nosso trabalho em prol daqueles que precisam de nós”.

Também procurada pelo A NAÇÃO, a presidente da Associação das Famílias e dos Amigos das Crianças com Paralisia Cerebral (ACARINHAR), Teresa Mascarenhas, garante que esta instituição não recebeu o arroz que está sendo distribuído, acrescentando que não tem informações de como beneficiar, tendo em vista as suas necessidades.

Teresa Mascarenhas, que é também responsável pela Fundação “Sima Julia” e que trabalha com idosos em São Lourenço dos Órgãos, interior de Santiago, diz que nem por parte deste lar de idosos recebeu tal donativo. Garantiu, entretanto, que vai, a partir de agora, informar-se para saber como beneficiar o grupo com qual trabalha, público alvo desta ajuda alimentar.

Cruz Vermelha de Cabo Verde e a Associação dos Pais e Amigos de Crianças e Jovens com Necessidades Especiais (COLMEIA), Associação de Crianças Desfavorecidas (ACRIDES) estão entre outras organizações da sociedade civil que, procuradas também pelo A NAÇÃO, dizem não ter visto a cor do arroz que, ao que tudo indica, começou a ser distribuído entre Agosto e Setembro do corrente mês.

Maria Aleluia Barbosa

Morabi já vai na segunda distribuição

Mais de três dezenas de pessoas, de toda a cidade da Praia, estiveram esta semana concentradas em frente à sede da MORABI, na Terra Branca, Praia, para receber a sua parte das 1.042 toneladas de arroz que a China doou para Cabo Verde.

No terreno, na sexta-feira, 3, o A NAÇÃO online constatou que o grupo tem vindo a aumentar, com um certo descontentamento pelo meio. A reclamação surgiu à volta da forma como esse alimento está sendo distribuído.

Alice Vaz, de Bela Vista, entre os presentes, contou-nos que soube da distribuição através de uma vizinha que recebeu a sua oferta, um dia anterior, no mesmo lugar onde ela se encontrava para receber também a sua parte do arroz: sede da MORABI, na Terra Branca, Praia.

“Assim que soube, vim três vezes ontem sem conseguir nada. Hoje, acordei bem cedo, fui ao Parque 5 de Julho (a pé), para fazer o cadastro e estou cá desde as 9h30″, relata a idosa de 60 anos que se declara como “doente”.

“Tenho muitos problemas de saúde que são crónicos, não posso estar debaixo deste sol quente. Mas este é um sacrifício para conseguir quilos de arroz, pois é uma grande ajuda na minha casa, onde somos quatro e a única pessoa que trabalha é o meu marido, isto é, biscates de vez em quando”, justificou.

Alice, que não tinha ainda conseguido falar com nenhum responsável da MORABI, avançou que ficou a saber através de outras pessoas que a distribuição estava a ser feita através das associações. “A associação da minha zona não está aqui, está praticamente desestruturada. Mesmo que os responsáveis recebam, não vão distribuir para as pessoas que realmente precisam e nem vão dar a quantidade certa”, afirma.

Sendo assim, Alice garantiu que ia continuar ali, em frente da associação, até conseguir a sua quantia de arroz, uma vez que “foi doado para pessoas carenciadas”, como ela.

Por sua vez, Zuleica, de 30 anos, de Santaninha, relatou que estava a passar por aquela zona quando soube da distribuição. “Por ser uma mãe e chefe de família, com três filhos menores, achei que poderia também receber. Apresentei o cadastro como estava sendo solicitado, mas até agora, nada. É muita injúria para uns quilos de arroz”, lamentou a jovem, funcionária num dos jardins infantis da Praia.

Assim como Alice, Zuleica disse que não faz parte de nenhuma associação da sua comunidade, e que pretendia aguardar a sua quantia de arroz, considerando ser o público-alvo das toneladas de arroz que Cabo Verde recebeu da China em meados de Maio deste ano.

“Estamos aqui porque temos necessidades e porque não confiamos nas associações das nossas zonas. Eu não faço parte de nenhuma associação porque como se sabe, funcionam à base dos seus próprios interesses”, protestou.

Conforme explicou, “em casos como este, mesmo que recebessem sacos de arroz para distribuir na zona, não o fazem como deveria ser. Vão entregar nos seus familiares e amigos e deixam quem realmente precisa de mãos vazias”.

Presidente da Morabi esclarece 

“Distribuição só através das associações com quem trabalhamos”

Contactada pelo A NAÇÃO online, a presidente da MORABI, Maria Aleluia, esclareceu que receberam uma quantia de arroz do Governo para distribuir para os seus beneficiários.

“Os nossos beneficiários são associações com quem trabalhamos, envolvendo pessoas vítimas de VBG, seropositivos, idosos, usuários de drogas, entre outros, que não costumamos identificar por serem de grupos vulneráveis”, explica, referindo que “a Morabi só estava a ajudar o governo na distribuição, assim como outras organizações contactadas”.

Meio saco de arroz para cada família

Maria Aleluia diz que a estratégia da MORABI foi avisar as associações para comparecerem na sede da associação e que as pessoas souberam e foram junto causando dificuldades no momento de distribuição.

“Nós entregamos o arroz aos órgãos da associação e eles é que vão fazer a distribuição, conforme os mais necessitados nas suas comunidades”, esclareceu, referindo que cada associação vai receber uma quantidade de acordo com os seus integrantes, sendo que, para cada família, vai ser atribuído meio saco de arroz.

Maria Aleluia explica que não é possível fazer distribuição de forma individual, dando exemplo de famílias da mesma casa que vão de forma separada para receber duas vezes. “Hoje (até por volta do meio-dia de sexta-feira, 03), fizemos a distribuição para três associações sendo que uma delas recebeu 15 sacos para a sua comunidade no Alto da Glória”, indicou.

“Algumas instituições têm informado, de forma errada, as pessoas, dizendo que MORABI está a distribuir arroz. Nós, assim como outras associações, só estamos a ajudar o Governo na distribuição. Cada família vulnerável, deve informar na sua comunidade, através de que associação vai beneficiar”, reforçou a presidente da MORABI, considerando que as dificuldades não estão na forma como o produto está a ser distribuído, mas sim na desinformação das pessoas, os beneficiários.

 800 sacos de arroz só na MORABI

Maria Aleluia afirmou que a distribuição entre 2 e 3 era a segunda fase de distribuição gratuita de parte das 1.042 toneladas de arroz que a China doou para Cabo Verde. Na primeira fase, segundo avançou, a MORABI recebeu 500 sacos de arroz e, nesta segunda, 300 sacos, o que totaliza 800 sacos.

Recorde-se que no passado mês de Maio, uma resolução aprovada em Conselho de Ministros informou que Cabo Verde iria distribuir gratuitamente por instituições sociais e de saúde 1.042 toneladas de arroz doadas pela China, através de organizações públicas e da sociedade civil de cariz social, lares de idosos, hospitais e centros de saúde do país.

Manuel Brito e Iza Gandira

Doacção ou campanha eleitoral?

No passado 23 de Agosto, o PAICV acusou o Governo de estar a fazer campanha política com os donativos alimentares do governo chinês. A denúncia foi feita, na cidade da Praia, pelo deputado Manuel Brito, ressaltando que o MpD vem, constantemente, utilizando recursos do Estado para campanha eleitoral. 

Para Brito, do total de 1.042 toneladas de arroz, doado pela China, 302 toneladas deveriam ser entregues em lares de idosos, 340 toneladas a hospitais e centros de saúde e 400 às organizações da sociedade civil e instituições de cariz social.

 “O PAICV não é contra que se faça a justa distribuição destes donativos, mas pede uma intervenção imediata das autoridades competentes no sentido da normalização da situação e que se ponha fim a discriminação de pessoas em função a sua cor política como vem fazendo os ativistas do MpD na região política de Santiago Sul”, terminou.

O MpD, por seu turno, em resposta, garantiu que a distribuição está sendo mediante “critérios claros e definidos por lei”. 

A deputada do MpD, Iza Gandira, refutou dessa forma as acusações do PAICV, no dia 24 de Agosto, na Cidade da Praia, garantindo que as acusações do seu rival são “completamente falsas” e que tal atitude da oposição consiste numa tentativa de “desinformar e manchar” este processo, guiado através de “critérios claros e definidos por lei”, impedindo que o apoio chegue de facto aos mais desfavorecidos.

Conforme explicou também, o arroz doado pela China já tinha sido alvo de contagem e que está com a sua distribuição estava a acontecer “de uma forma criteriosa, segura e guiada pela luz da transparência”.

Até o momento, informou Gandira, tinham sido distribuídos a entidades como o ICCA, Centro Educativo Orlando Pantera, às lojas sociais e centros de idosos das autarquias locais, como são os casos da Ribeira Grande de Santiago, Câmara Municipal da Praia, Santa Catarina, Aldeias Infantis SOS, hospitais centrais, aqui com foco nos acamados e internados.

Cáritas entre as beneficiadas

A Cáritas Cabo Verde, organização humanitária ligada à Igreja Católica, foi uma das beneficiadas do arroz doado pela China, em meados de Maio, com cerimónia de entrega oficial em Setembro.

A directora executiva dessa entidade, Ronice Tavares, afirmou ao A NAÇÃO que receberam do Governo, 500 sacos de arroz para distribuir na ilha de Santiago. “A distribuição vai ser feita através das 18 Cáritas Paroquiais, de acordo com a necessidade de cada paróquia onde temos as denominadas antenas que tem a lista das pessoas mais vulneráveis”, avançou.

Segundo a mesma, esta ajuda foi de grande valia para a Cáritas tendo em conta que, apesar de alguma melhoria, a situação de insegurança alimentar ainda é notável. 

500 sacos para CMP e 40 para Santa Cruz

Além da Cáritas (500 sacos) e da Morabi (800 sacos), A NAÇÃO apurou que a distribuição foi feita também nas autarquias, incluindo a Câmara Municipal da Praia (500 sacos) e Santa Cruz (40 sacos).

Este jornal tentou ouvir o Governo, através do Ministério da Família, Inclusão e Desenvolvimento Social, sobre quais as instituições contempladas e os critérios utilizados para que o arroz chinês chegue ao público alvo – pessoas mais desfavorecidas. No entanto, até ao fecho desta edição, não tivemos qualquer resposta, perante o e-mail enviado e contacto via telefone com a assessoria do referido ministério.

 

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 845, de 09 de Novembro de 2023

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