Através do projecto “Brasil em Cabo Verde – Caminhos para a segurança alimentar”, o santiaguense José Luís Romão quer trazer para o seu país natal plantas e árvores comestíveis, desde os frutos, folhas e caules. A ideia inicial começou com o feijão-espada mas já estão listadas, pelo menos, 40 espécies.
E se ao invés de apenas frutos e raízes, apostássemos em plantas e árvores, adaptáveis ao clima árido de Cabo Verde, cujas folhas e caules são também comestíveis, em diversas formas de preparos?
É desta perspectiva que partiu o projecto de José Luís Romão, cabo-verdiano, natural de Fontes Almeida, município de São Domingos, ilha de Santiago, e radicado no Brasil há anos.
Em 2022 José Luís apresentou a ideia de introduzir em Cabo Verde a Canavalia Gladiata, popularmente conhecida no Brasil como feijão-espada. Chegou a assinar um protocolo com o INIDA, através do Ministério da Agricultura e Ambiente, mas, ao tentar trazer as sementes, apercebeu-se que a espécie afinal não tinha a documentação necessária para sair do Brasil, dado ao pouco valor que lá é dado.
Iniciou-se então um processo de pedido de autorização para a sua exportação, para fins investigativos, que foi aprovado. “Passamos o ano inteiro a tratar disso, até que nos últimos tempos o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) liberou a sua exportação, assim como de outras sementes, que queremos levar”, indica ao A NAÇÃO.
Com essa autorização, o projecto aguarda agora a autorização das autoridades cabo- -verdianas para a importação desta e de outras sementes e sua entrada no território nacional.
Entretanto, nesse meio período, o contacto com o INIDA foi interrompido, pelo que José Luís espera conseguir retomar o protocolo. Do contrário, o projecto será avançado de forma independente.
Mais 40 espécies
O feijão-espada é uma planta adaptada ao clima árido típico de Cabo Verde, tal como acontece na região do Nordeste brasileiro. “É uma trepadeira resistente à seca, que cresce cerca de dez a vinte metros e tem uma larga produção. Para além disso, toda a parte dela é comestível, desde a folha, que funciona igual a couve, até os caules e os grãos”, explica José Luís Romão.
Neste compasso de espera, o nosso entrevistado diz já ter identificado e mobilizado cerca de 40 tipos de sementes, entre trepadeiras, árvores de frutas, plantas que filtram as águas residuais e outras espécies que quer trazer a Cabo Verde, por acreditar que poderão ter fácil adaptação aqui.
As sementes, segundo Romão, já foram testadas no Brasil e, chegando a Cabo Verde, devem passar por novo teste de germinação, para, a partir daí, dar início ao cultivo experimental, antes de serem distribuídas aos agricultores para a produção efectiva.
Para além das sementes, algumas das espécies são estacas, o que impede que sejam trazidas em grande quantidade. Estas serão, por isso, cultivadas em Fontes Almeida, onde será montado um mini- -projecto piloto de produção.
Outra espécie a ser trazida é a chamada “mandioca de árvore”, uma trepadeira que cresce apoiada em outras árvores, e que, diferente da nossa mandioca, a produção não é na raiz. Desta planta ingere- -se o próprio tronco, que pode ser cozido ou preparado de formas variadas.
“A mandioca de árvore é uma trepadeira majestosa. Todo o caule dela, cerca de 20 metros, é comestível. Tem 89% de amido, superior ao milho”, indica, acrescentando que a planta é capaz de suportar condições adversas.
Outras espécies são as “bebedeiras”, plantas capazes de filtrar as águas cinzas/residuais. “Uma delas chama-se Taioba, utilizada para purificar águas cinzas. É parecida com o inhame que temos em Cabo Verde, mas a folha é que é comestível, enquanto que a raiz é utilizada para fertilizar os solos”, explica.
Há ainda uma planta chamada Araticum do Brejo, capaz de sancionar em locais alagados por água salobra, como áreas em Santa Cruz, Sal e Boa Vista.
Segurança alimentar
São, no geral, espécies que exigem menor espaço de cultivo (solo), pois podem trepar acácias e outras árvores e suportes, são de produção rápida, com folhas comestíveis e com propriedades medicinais, pelo que, para este impulsionador, trata-se de um caminho viável para a segurança alimentar no país.
“A solução para a segurança alimentar vai passar pela árvore, que produz folhas, frutos e que tem todo o corpo comestível. É fácil cultivar uma árvore mesmo em lugares secos, mas produzir milho é difícil, porque o milho precisa de 600 litros de água para produzir duas espigas”, indica Romão.
Entretanto, é um projecto que, segundo aquele investigador, necessita do envolvimento dos governos dos dois países, pela sua complexidade e abrangência. Os promotores estão também a finalizar a escrita de um livro, que leva o mesmo nome do projecto, que servirá como um guia de manejo, dedicado mesmo aos produtores agrícolas, e que explica o preparo do solo, possíveis pragas, formas de combate, entre outras informações.
Os agricultores interessados em receber sementes podem, inclusive, entrar em contacto com o promotor, através do seu Facebook (Zé Luîs Romão) para o efeito.
Cooperação Timor Leste
A par das espécies comestíveis, o projecto tem ainda, segundo José Luís Romão, uma cooperação com a “Quinta Portugal”, programa português em Timor Leste, que produz a árvore Santalum Álbum (Sândalo), utilizada para a produção de madeira e óleo aromatizante para perfumes.
“Trata-se de uma árvore de alto valor, cujo kg de madeira custa a volta dos 70 mil escudos, se não estou em erro. É uma espécie que precisa de acácia para se acoplar, o que existe muito em Cabo Verde, e cujas sementes serão fornecidas ao projecto, também para experimento em Cabo Verde”, indicou.
Rochagem em Cabo Verde
No Brasil, José Luís Romão actua na área de rochagem, prática que consiste em recuperar a fertilidade de solos pobres e lixiviados, através do uso de misturas de rochas, ou pó de rocha. “A prática torna possível a substituição do uso de fertilizantes químicos, abaixando o custo e impacto ambiental. Em Cabo Verde temos rochas basálticas ricas em nutrientes. Podemos usar também resíduos de erupções vulcânicas para criar solos férteis e fertilizantes”, explicou.
Com plantas bem nutridas, diz, a seca não será um problema, pelo que, para este projecto, já há um plano definido neste sentido. “Para as mudas de plantas que vamos fazer em Cabo Verde, vamos criar solos a partir de uma terra já identificada (na nossa última viagem a Cabo Verde). Vamos usar uma percentagem definida de folhas de acácias e resíduos da mineração de uma pedra de Fontes de Almeida, rica em ferro e micronutrientes”, indicou.
Natural de Fontes Almeida, em Cabo Verde, José Luís Romão foi agricultor, professor, bancário e vereador de São Domingos, antes de emigrar para Portugal, de onde seguiu para o Brasil
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 843, de 26 de Outubro de 2023