O conflito israelo-palestiniano não está a passar à margem do continente africano, de Argel ao Cabo. Apesar de avanços em África nos últimos anos, com abertura de embaixadas e negócios, o país de Benjamin Netanyahu é, ainda, mal visto (ou percepcionado) pela grande maioria dos africanos, tendencialmente mais próximos da Palestina. Cabo Verde está entre os países que desde o primeiro momento do massacre de 7 de Outubro condenou o Hamas, sem deixar, porém, de lembrar a necessidade de encontrar uma solução duradoura para o problema israelo-árabe.
Omassacre levado pelo ataque do Hamas, no passado dia 7 de Outubro, provocou reacções imediatas em África, particularmente em paí- ses muito próximos de Israel, como o Quénia, com a condenação dos ataques e o apoio expresso ao Estado hebreu. Numa declaração, o presidente William Ruto disse que o seu país se “juntava ao resto do mundo na condenação dos actos de terrorismo e os ataques contra civis inocentes do país”, criando uma crise que não para de se agravar, dia a dia.
Em Cabo Verde, em mensagem publicada na sua página de Facebook, o presidente José Maria Neves, expressando a posição do país, condenou “energicamente” os ataques perpetrados pelo grupo radical palestiniano. A mesma posição de condenação do Hamas teve o governo, através de um comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Ainda no espaço lusófono, Angola e a Guiné-Bissau associaram-se a outros países, como o Quénia e a África do Sul, manifestando a sua preocupação, apelando à cessação imediata das hostilidades e o início do diálogo.
Por outro lado, houve reacções da parte de países que historicamente apoiam os palestinianos: Argélia, Tunísia e África do Sul. E aqui vem à memória a célebre frase de Nelson Mandela, que dizia que os combatentes palestinianos eram “companheiros de armas dos combatentes do ANC”. Isso, pesse embora o presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa tenha escolhido o porta-voz do seu partido para estas declarações: “As acções dos militantes palestinianos do Hamas em Israel justificam-se pela ocupação continuada dos territórios palestinianos por Israel”.
Mas, falando numa conferência de imprensa, na passada sexta-feira, o embaixador de Israel, em Angola, Shimon Solomon, disse “lamentar” que os dirigentes angolanos não tenham ido mais longe e tomado uma posição inequívoco sobre o assunto, lembrando que “os amigos se conhecem em tempos difíceis”.
Na quarta-feira da semana passada, 11 de Outubro, João Lourenço, enquanto presidente em exercício da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), tinha condenado os actos de violência entre Israel e a Palestina, apelando à contenção de ambas as partes. Mas não o fez enquanto chefe de Estado de Angola, cujo partido, MPLA, esteve sempre com a Organização de Libertação da Palestina (OLP), de Yasser Arafat (1929-2004).
Existe ainda um terceiro posicionamento, neste conflito, mais neutra, com Marrocos e o Egipto à cabeça. Depois do Egipto, Marrocos inaugurou, em 2020, uma nova fase no seu relacionamento com Israel, com um acordo de paz, algo que os EUA vinham patrocinando, igualmente, entre a Arábia Saudita e Israel, mas que, com esta nova crise, se encontra suspenso.
Um estreitamento das relações entre o Egipto, Marrocos e Arábia Saudita não deixa de ser delicado, para qualquer país muçulmano, daí uma opção pela neutralidade possível entre os mais moderados. Mesmo se, no caso do Marrocos, o governo se tenha preocupado com a “deterioração da situação em Gaza” e condenado “os ataques contra civis, onde quer que estejam”, para não ficar mal entre os seus cidadãos.
África dividida
Não há dúvidas de que o ataque do Hamas a Israel está a dividir os países africanos (ver mapa), repetindo-se o que aconteceu aquando da invasão russa à Ucrânia. Dos 54 países existentes no continente, 46 mantêm relações diplomá- ticas com o Estado hebreu, sendo Cabo Verde um deles, precisamente. Esperava-se, assim, segundo observadores, um maior apoio a Israel por parte dos países africanos, na linha da reclamação do embaixador israelita em Luanda.
Mesmo países dos quais se esperava um posicionamento mais claro, aliados históricos do Estado hebreu, prefeririam não se exprimir publicamente sobre os acontecimentos de 7 de Outubro. A verdade é que, enquanto a maioria dos governos hesita em tomar partido no conflito, os restantes apoiam claramente os palestinianos. Com o agravar da situação em Gaza, devido à reacção brutal de Israel, o apoio aos palestinianos surge como algo inevitável, por isso normal.
O factor religião
Outro factor que pesa, quando pensamos no apoio das populações africanas, na questão Israelo-palestiniana, é a religião muçulmana. Para além do Norte de África, há que ter em conta os milhões de habitantes da África Ocidental, Oriental e mesmo Meridional, que seguem o islão.
Em países como a Nigéria, o Senegal, Camarões, ou do lado do Índico, o Quénia, Somália, Tanzâ- nia, Uganda, Moçambique (Norte) e mesmo a África do Sul, a questão religiosa foi sempre um elo de união e de apelo à solidariedade, para com a causa palestiniana. Aliás, como se tem visto nas ruas de algumas cidades importantes, como a Cidade do Cabo, na África do Sul, desde o início dos bombardeamentos de Israel a Gaza.
É por isso que, não querendo hostilizar ou fracturar as suas sociedades, os governos africanos tomam cautelas nas posições assumidas, que possam ser entendidas como indo contra o direito dos palestinianos à constituição do seu Estado soberano. Para esses sectores da opinião pública africana os palestinos são irmãos em fé, dado que professam a mesma religião e seguem o mesmo profeta, Maomé. O choque de civilizações, referida por Samuel Huntignon, é por estes dias um factor a ter em conta na forma como os africanos vêm o conflito israelo-árabe.
Joaquim Arena e José Vicente Lopes
Leia mais na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 842, de 19 de Outubro de 2023