Por: Deisy Rocha* e Fredilson Melo**
No passado 23 de Agosto, a Índia fez história ao aterrar a sonda Chandrayaan-3 perto do pólo sul da Lua, uma região inexplorada que pode conter água e sinais de vida. A Índia tornou-se assim o quarto país a aterrar na Lua, após os Estados Unidos (EUA), Rússia e China.
A missão lunar indiana marca uma nova etapa da corrida espacial, com a China a dar o arranque em 2013, décadas após a última alunagem, feita em 1976 pela então União Soviética.
Estamos numa nova era dourada da exploração espacial, para conquistar a última fronteira – o espaço. No entanto, ao contrário do que sucedia nas décadas de 60 e 70, a corrida já não é apenas entre a Rússia e os EUA, e a Lua não é o único corpo celeste a ser explorado.
Marte é o novo destino em voga, com nove missões a decorrer actualmente, e mais previstas para os próximos anos. Não obstante, a Lua continua a ser um ponto de interesse, com sete missões até setembro, e mais quatro previstas ainda para este ano.
As missões lunares servem de treino para chegar a Marte, e procura de água para produção de energia para explorações em Marte.
Além dos governos, empresas privadas também estão nesta corrida espacial, através de prestação de serviço, mineração e turismo espacial. A National Aeronautics and Space Administration (NASA), por exemplo, tem parceria das empresas SpaceX e Blue Origin para a sua próxima missão à Lua (programa Artemis).
A Virgin Galactic realizou o seu quarto voo comercial no passado 6 de outubro, ao levar turistas para o espaço, gerando dezenas de milhões de escudos em receitas.
Cabo Verde como análogo terrestre de Marte
A preparação de missões espaciais começa na Terra, na verdade. Para missões que envolvem análise à distância ou contacto com a superfície de um corpo celeste, como acontece com os robôs Chandrayaan-3 e Yutu 2 (China) na Lua, ou Perseverance e Curiosity (ambos dos EUA) em Marte, é necessário treinar os instrumentos científicos e técnicas de exploração em locais terrestres que imitam aqueles encontrados no destino da missão.
Na Terra, esses locais são chamados de análogos terrestres, e Cabo Verde pode ter um em Chã das Caldeiras, na Ilha do Fogo.
Em janeiro, a investigadora e professora da Universidade de Cabo Verde (Uni-CV), Dra. María Aznar Palenzuela, publicou, juntamente com investigadores do Canadá, Espanha e Estados Unidos, um artigo na revista científica Advances in Space Research, onde demonstra que Chã das Caldeiras é um análogo terrestre de Marte.
“A NASA tem missões a regiões de Marte onde há atividade vulcânica. Como aconteceu a erupção do vulcão do Fogo em 2014, a Chã das Caldeiras é perfeita para fazer estudos comparativos com regiões vulcânicas de Marte.”, diz a investigadora Maria Aznar.
Utilizando espectroscopia de Raman – uma técnica de análise de amostras que também se encontra a bordo do robô Perseverance, e que estará presente no ExoMars Rosalind Franklin (missão a Marte, 2028), os investigadores estudaram amostras de rochas vulcânicas, tendo descoberto que esta região possui propriedades similares a Marte.
A técnica de Raman pode detectar biomarcadores (indicadores de vida), sendo altamente relevante em regiões com vulcões ativos, visto a atividade vulcânica em Marte indicar possível existência de vida subterrânea.
“O estudo de análogos de Marte permite entender melhor os processos que moldaram a superfície do planeta, incluindo a sua evolução geológica e geoquímica.”, argumentam os autores no artigo científico.
“Além disso, os análogos permitem-nos avaliar o surgimento da vida e a preservação de diferentes tipos de biomarcadores de fósseis ao longo da história geológica da Terra.” Esta premissa levou à criação do The Planetary Terrestrial Analogues Library (PTAL) (A Biblioteca Planetária de Análogos Terrestres), um projeto repositório de rochas terrestres que avalia o impacto de variações ambientais nessas rochas, de forma a determinar com mais precisão as condições habitáveis em Marte.
Apesar de Cabo Verde estar na região da Macaronésia e as Canárias já tenham sido estudadas e incluídas na PTAL há vários anos, o estudo de Cabo Verde sob a mesma iniciativa acontece quase por acidente. “Numa conversa com Emmanuel Lalla, um colega da Universidade de York (Canadá), fiquei a saber que estava a procurar um lugar vulcânico na Terra análogo a Marte para fazer estudos. Foi nesse momento que sugeri Chã das Caldeiras e ele concordou”, relembra a professora da Faculdade de Engenharia Electromecânica da Uni-CV.
Cabo Verde como local de treino para futuras missões a Marte
Os resultados da análise das rochas indicaram uma forte semelhança entre os minerais encontrados em Chã das Caldeiras e aqueles presentes na vulcanologia de Marte no passado.
“As amostras e outros resultados futuros de Chã das Caldeiras podem ser usados na exploração de Marte e para apoiar a análise dos próximos dados recebidos do planeta. Propomos que alguns resultados selecionados sejam incluídos na PTAL.”, sugerem os autores no artigo científico.
Tendo a próxima missão a Marte (ExoMars) como destino a Oxia Planum, região suspeita de conter água e ser habitável, os investigadores indicam que Chã das Caldeiras pode ser usada para futuros estudos de campo, treino de robôs e outros testes relevantes à missão ExoMars devido à semelhança geológica de Chã das Caldeiras com o destino da missão em Marte.
O futuro da exploração espacial para Cabo Verde
Curiosamente, em Marte existe uma região chamada Cabo Verde, em tributo ao nosso país. Esse local faz parte da cratera Victoria, nomeada em homenagem a uma das embarcações do navegador Fernão de Magalhães.
O Cabo Verde marciano foi explorado pelo robô Opportunity de 2007 a 2009, tendo revelado a existência de água em Marte no passado.
O nosso país, à semelhança das Canárias que se vêm estabelecendo como um ponto de referência para estudos espaciais, poderá tornar-se num importante interveniente para a jornada da humanidade à última fronteira. Para a investigadora Maria Aznar, do ponto de vista imediato, isso poderá representar um influxo de pessoas, dinheiro e ciência para o território nacional. Posteriormente, poderá representar a abertura de portas que possibilitem cooperação e capacitação de quadros nacionais, o desenvolvimento da investigação científica nacional e a projeção do país nas esferas científicas e da inovação.
Fonte: Raman-IR spectroscopic, and XRD analysis of selected samples from Fogo Island, Cabo Verde: Implications for ancient Martian volcanology, Advances in Space Research 71.11 (2023): 4860-4876.
*Doutora em Ciências da Saúde, Universidade do Minho
** Doutorando em Biologia, Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 841, de 12 de Outubro de 2023