Koyou Kouoh, nascida nos Camarões e radicada na Suíça, é considerada uma curadora de arte visionária e uma das vozes que vem mudando o pensamento sobre a arte, em África. Em 2019, salvou da falência o maior museu de arte contemporânea do continente, o Museu Zeitz de Arte Contemporânea de África, sediado na Cidade do Cabo, África do Sul. Desde 2014, o seu nome aparece sempre na lista das 100 pessoas mais influentes no mundo da arte contemporânea.
A antiga assistente social, que aos vinte anos atendia mulheres migrantes, em Zurique, Suíça, por entre artigos sobre eventos culturais, nunca pensou que um dia teria uma carreira no mundo das artes. Hoje, Koyou Kouoh é uma das maiores referências do continente, nesta área, sendo responsável pelo maior museu de arte de toda a África, conforme realça o jornal americano, New York Times.
O Zeitz MOCCA abriga a colecção de arte contemporânea africana do filantropo alemão Joche Zeitz, que também é o CEO da empresa que fabrica a famosa moto Harley-Davidson. O museu, que Kouoh dirige desde 2019, resulta de um projecto do designer britânico, Thomas Heatherwick, que transformou e aproveitou as instalações de um antigo silo de grãos, na área portuária da Cidade do Cabo.
Kouyo Kouoh nasceu em Doula, nos Camarões, e emigrou com a família, aos 13 anos, para Zurique, Suíça, onde viveu os quinze anos seguintes. Aqui estudou gestão bancária e mais tarde gestão cultural, em França. Em 1994, foi co-editora da colecção de textos, em língua alemã, Tochter-Afrikas, da autoria de escritoras africanas da diáspora.
Mas a mudança de vida Kouoh dá-se em 1995, após uma viagem a Dacar, no Senegal, para entrevistar o realizador Sembène Ousmane, autor de Xala e outros clássicos do cinema africano pós-colonial. Kouyo apaixona-se pela cidade e a vibração da vida artística e cultural, e decide instalar-se aqui e iniciar uma carreira no mundo das artes.
Salvar o Zeitz MOCCA
A camaronesa de 54 anos defende uma nova abordagem sobre a imagem que os africanos têm e oferecem de si mesmos. Para ela, tal justifica-se, porque “a Humanidade sempre se descreveu através de imagens e objectos”.
Mas antes do Zeitz MOCCA, Koyou já tinha criado, em Dacar, um centro cultural e de ideias, o Raw Material Company. Para além de criar programas e artigos sobre arte publicados em várias revistas da especialidade, trazia na bagagem mais de vinte anos de experiência como curadora internacional.
E a sua chegada à Cidade do Cabo veio ajudar a resolver a fase difícil por que o Zeitz MOCCA passava na altura, com um antigo director suspenso, acusado de assédio sobre funcionários e má gestão financeira, e um novo director interino. Kouyo ajudou a resgatar a moral da instituição, trazendo de volta o brilho perdido das suas exposições. Kouyo deu nova vida a uma instituição quase falida, apesar de jovem, já sem pessoal, sem planificação, sem financiamento.
Mesmo atravessando o período crítico da Covid 19, com as sucessivas restrições e confinamentos, Kouyo lançou mãos à obra e apostou na internacionalização do outrora emblemático museu da Cidade do Cabo. A sua ambição passava por um programa de exposições pan-africano e internacional, de grande escala, que preparou com a sua equipa, para levar à Europa e aos Estados Unidos.
São os casos da exposição individual de Tracy Rose, que pode ser vista hoje no Queen’s Museum, em Nova Iorque, e da impactante, “Quando nos vemos: um século de figuração negra na pintura’’, que será exibida no Kuntsmuseum, em Basileia, na Suíça, no próximo ano.
A gestão revolucionária de Koyou Kouoh passou também pela criação de uma equipa jovem de curadores, de bolsas para formação de curadores, residências artísticas e uma agenda editorial dinâmica e sólida.
Atrair visitantes, recuperar a autoestima
Mas, o primeiro desafio foi mesmo local: atrair visitantes sul-africanos, das várias camadas sociais e etnias que constituem a população da Cidade do Cabo, onde se situa o museu. A tarefa passava por desfazer o legado colonial e do regime racista de Apartheid, que ajudou a estratificar a sua população.
E logo depois de um encerramento por seis meses, em 2020, imposto pela pandemia, Kouyo teve a ideia de dirigir um pedido aos habitantes da cidade: que cada um trouxesse uma obra ou peça de arte que tivesse em casa, para exibição no museu. Para além do sucesso na adesão das pessoas, a ideia ajudou também a que as pessoas perdessem as inibições em relação a entrar num museu, onde muitas nunca tinham estado.
Em Dezembro de 2022, o museu organizou uma série de conversas online, numa webinar, em parceria com a Universidade da Cidade do Cabo, sob o tema, WHEN WEE SEE US: The Poetics of Black Figuration (QUANDO NOS VEMOS: a Poética da Figuração Negra), que antecedeu uma exposição sobre o mesmo tema, no Zeitz MOCCA.
Numa das sessões, Kouyo disse que ao longo do seu trabalho, todo o seu esforço e empenho, como curadora, “tem sido no sentido de criar uma linguagem e um espaço para nós próprios, que fale com nós próprios, em particular, porque a nossa humanidade, as nossas práticas, as nossas vitórias, a nossa história, têm vindo a ser definidas pelos outros, seja de forma traduzida, seja de forma interpretada, sempre por oposição a algo, em comparação a algo, e nunca em relação a nós próprios”. Kouyo adianta que é preciso que os africanos “falem para si próprios, em vez de terem de mostrar e provar aos outros aquilo que somos e aquilo que não somos”.
O desafio de dirigir o maior museu de arte africana, no continente, representa a medida da ambição de Kouyo Kouho. Mas também, segundo ela, um sentimento de dever, para que um museu com esta importância, em África e no mundo, consiga atingir as suas metas e cumprir com as expectativas de todos. Em especial os jovens.
Joaquim Arena
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 840, de 05 de Outubro de 2023