Se por um lado as chuvas renovam as esperanças dos camponeses, por outro, continua-se a debater com um problema que tem acentuado nos últimos anos, em vários pontos do país: a escassez de mão-de-obra. Os que ficam, estão mais caros e, em alguns casos, não correspondem ao nível de qualidade. As causas: êxodo de jovens e desinteresse por um ramo que continua muito rudimentar.
Encontrar mão-de-obra disponível para trabalhar na lavoura tem sido uma verdadeira dor de cabeça para os camponeses nas diversas ilhas do país. Se, por um lado, o êxodo de jovens, sobretudo no meio rural, vem tornando escassos os trabalhadores, por outro, um dia de faina custa cada vez mais caro.
Em Santo Antão, diz o agricultor e empresário Arlindo Lopes, de forma generalizada, a disponibilidade de braços para a lavoura já é um problema sério. “Muita gente pensa que com a chegada das chuvas as coisas vão melhorar. Mas, na verdade, tudo está mais caro, os preços dos produtos continuam a aumentar, e as coisas podem piorar ainda amais”, prevê este camponês, do Planalto Leste.
Nesta época de “azágua”, diz o agricultor Alessio Sequeira, da localidade de Stancha, Ribeira Brava, São Nicolau, perante essa dificuldade, os agricultores vão fazendo o que podem. Nesta ilha, diz, para além da saída de jovens, por motivos vários, muitos não se interessam pelo ramo e, com o desenvolvimento precário da ilha, a melhor saída parece a procura de novas oportunidades em outras paragens, seja no país ou no estrangeiro.
Preços a gosto
Arlindo Lopes, que tem uma empresa no ramo da agricultura e pecuária, tem conseguido manter o dia de trabalho a 800 escudos, como é prática comum, através de contratos de trabalho, com previdência social e seguro de risco. Entretanto, reconhece, para os agricultores que não têm essa possibilidade, o cenário é outro e o trabalho vai ficando “sem preço”.
“Comigo esses jovens trabalham praticamente o ano todo, mas, para quem faz trabalhos esporádicos é mais difícil encontrar gente para trabalhar, porque, quando assim é, contratam a um preço elevado, entre mil e 1200 escudos/dia”, explica.
Do outro lado estão as pessoas que, segundo diz, não vivem unicamente da agricultura, por vezes têm outro trabalho, então se tem um trabalho de lavoura, com a vontade de concluir logo e para conseguir atrair mão de obra, oferecem mais dinheiro.
“Só que, uma pessoa cuja agricultura é a sua única actividade e que precisa dessa mão de obra praticamente o ano inteiro não consegue pagar esse preço”, refere.
Essa variação de preços já é uma realidade também em outras ilhas, como Santiago e São Nicolau. Aqui, na ilha de Chiquinho, diz Alessio Sequeira, o preço manteve-se na área de gota-a-gota, mas tal não se verifica no trabalho de sequeiro, onde os valores ficaram mais salgados, chegando à volta dos 1200 escudos.
Emileno Ortet, agricultor e empresário no ramo na localidade de Rui Vaz, ilha de Santiago, diz que a variação implica muito na vida do agricultor que investe na área.
“Se antes um dia custava 800 escudos, agora recebem mil, outros 1500 e a quem já pede dois mil escudos, em sete/oito horas de trabalho. Fica cada vez mais difícil”, refere, acreditando que vai chegar o momento em que Cabo Verde pode vir a ter mais complicações a nível de produção agrícola, sabendo que, especialmente nos últimos dois anos, tem havido muita fuga de pessoal do meio rural.
Qualidade vem caindo
Embora o esforço braçal esteja mais cotado, diz Arlindo Lopes, o trabalho vai perdendo qualidade. “Já não há aquele esforço que existia anos atrás. Consequentemente, o rendimento também vai ficando menor”.
Devido a falta de mão-de-obra, os agricultores recorrem, muitas vezes, a pessoas que não estão acostumadas com esse tipo de serviço, o que acaba por comprometer também a qualidade.
“É gente que tem de aprender primeiro. No país não temos formação profissional a nível de agricultura. Se uma pessoa quer entender de agronomia tem que fazer um curso de quatro ou cinco anos, enquanto que em outras áreas há formação profissional de curto prazo. Isso dificulta a qualificação de mão de obra”, aponta, por seu turno, Emileno Ortet.
Falta maquinaria na ilha
Em Santo Antão, Arlindo Lopes defende a introdução de maquinaria na agricultura, como forma de ajudar os agricultores a combater este problema, que aparenta não ter outra resolução à vista.
“Se os governantes querem manter uma segurança alimentar, é preciso apostar em almas máquinas para ajudar os agricultores, mesmo que seja para alugar. Só a mão de obra não é suficiente. Em toda a ilha de Santo Antão não há um trator para alugar”, indica o empresário.
“A nossa agricultura já é insustentável, se não temos mão-de-obra, pior ainda. É um trabalho pesado, que requer muita força e esforço, e os incentivos são poucos”, acrescenta, por outro lado, Emileno Ortet.
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