Vivendo na Itália há 53 anos, Deolinda Tavares tem-se dedicado, nos últimos 15 anos, à sua terra natal, Cabo Verde, através da associação “Anjos no Coração”, ajudando desde instituições a particulares. Neste momento dedica-se ao “Djudam ba skola”, um projecto que conta apoiar, no próximo ano lectivo, uma centena de crianças na Praia.
Trata-se de um projecto familiar, que inclui ainda os dois filhos de Deolinda Tavares, e que nasceu de um sonho antigo dela e do marido, entretanto falecido. Após um ano e meio do desaparecimento físico do marido, a nossa entrevistada arregaçou as mangas e decidiu que não era tarde demais para dar início ao sonho de ajudar crianças do seu país a irem à escola.
Através de jantares beneficentes e doações de amigos na Itália, Anjos no Coração tem procurado fazer a diferença na vida de pessoas em Cabo Verde, seja de forma individual, seja através de outras organizações e instituições que aqui actuam. Como disse ao A NAÇÃO, são projectos de foro social, de saúde e nutrição, mas especialmente no domínio da educação.
“No sector da educação, que é onde actuamos com maior frequência, temos dado diversos apoios, tanto a instituições como a pessoas singulares. Na Cidade da Praia, destaca-se a construção, por exemplo, de seis salas de aula na escola de Castelão e a doação de equipamentos de cozinha”, indica a emigrante.
Deolinda tem vindo com frequência ao país natal e aproveita, segundo diz, as viagens, para ver, com os próprios olhos, que sectores são prioritários e onde a sua ajuda é prioritária, antes de traçar qualquer plano de acção.
Djudam ba skola
Neste momento, em parceria com a Câmara Municipal da Praia, a associação está a angariar fundos para o “Djudam ba skola”, que pretende apoiar, no ano lectivo que se avizinha, cerca de uma centena de crianças na capital do país, com mochilas e kits escolares.
“É um projecto bonito, através do qual pensamos apoiar, no mínimo, cem crianças. Até lá pode ser que esse número sofra algum aumento, mas, para já, essa é a nossa meta. Para isso, demos, recentemente, um jantar beneficente a cerca de 110 pessoas, cuja verba reverte-se a favor do projecto”, explica a associativista.
A par disso, a associação está também a angariar fundos para adquirir aparelhos auditivos para quatro alunos da Escola Surdo-Mudo da Achada Santo António, que recebe crianças com deficiência auditiva.
“Neste momento já foram vistos por um médico e há indicações de que elas poderão vir a ouvir e a falar, com ajuda destes aparelhos. É um projecto que contamos concretizar este ano, quando for a Cabo Verde e para o qual temos agendado, para o próximo dia 12 de Setembro, um jantar de angariação de fundos”, frisou.
A associação, conforme Deolinda Tavares, tem também trabalhado com instituições como a Acarinhar, que trabalha com crianças com paralisia cerebral, e com o Instituto Cabo-verdiano da Criança e do Adolescente.
Ezequiel Mendonça – um caso de sucesso e orgulho
Para além dos trabalhos em parceria com outras instituições, a Anjos no Coração tem ajudado jovens e crianças de forma individual, em diversos domínios. Exemplo disso é Ezequiel Mendonça, que este ano concluiu a licenciatura em Ciência Política e Administração Pública, com o apoio, também, da associação.
Este jovem, do bairro da Achada Grande Frente, na Praia, é hoje, para Deolinda Tavares, motivo de alegria e orgulho, ao concluir esta etapa da sua vida académica como melhor aluno da sua turma.
Ezequiel tem 22 anos. Apesar da idade, é o provedor de mais dois irmãos, ambos no nono ano de escolaridade, órfãos de pai e mãe. Conforme contou ao A NAÇÃO, perdeu o pai aos dez anos. Aos 18, no primeiro ano de licenciatura, viu partir também a mãe.
Apesar de ser bolseiro, a bolsa não era o suficiente para se manter na universidade, sendo apenas estudantes, e tendo de cuidar de duas crianças.
“Nesse período eu não trabalhava. Apenas estudava. Passei por muitos desafios e adversidades. A partir daí comecei a ser trabalhador-estudante. E foi naquele período, através do meu amigo Daniel Borges, que eu conheci a associação, que veio me auxiliar, financeira e moralmente, durante todo o meu percurso académico”, recorda.
O sonho de continuar a estudar
Depois de “muita luta, esforço e determinação”, diz que hoje a sua maior ambição é prosseguir os estudos, no domínio de Governação e administração. Entretanto, uma vez mais, a responsabilidade chama-lhe a abrandar os passos, e pensar primeiro em conseguir um trabalho estável.
“Queria fazer o mestrado em governação e administração, mas, por questões económicas e por ter sob minha responsabilidade os meus irmãos, o meu foco agora está em encontrar um trabalho e ajudá-los, eles também, a continuarem o percurso deles”, sublinha.
Quanto à associação, Ezequiel saúda a iniciativa e encoraja a sua continuidade e expansão, pensando, sobretudo, em jovens que são acometidos por “ironias do destino”, levando-os a parar de tentar e de sonhar com um futuro risonho.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 833, de 17 de Agosto de 2023