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Feminicídio em Cabo Verde: Uma realidade preocupante e em ascensão?

 

Por: Pedro Clóvis Fernandes

Vivemos tempos difíceis marcados por dois grandes acontecimentos mundiais. Por um lado, a pandemia que nos obrigou a viver confinados durante muito tempo, situação para a qual muita gente não estava preparada, gerando, diga-se de passagem, problemas conjugais, mas também alguma coesão familiar, sobretudo, para os mais caseiros ou discretos, e, por outro, a guerra no leste da Europa que, para além de estar a ceifar milhares de vidas, provocou a crise energética e a inflação, com consequências brutais para a vida económica, social e mental de várias famílias.

As transições amorosas nem sempre são fáceis, mas, muitas vezes, impõem-se quando não se vislumbra no horizonte qualquer tipo de solução que se revele viável e salutar. As transições a que me refiro, aqui, têm a ver fundamentalmente com o fim de um relacionamento amoroso e a possível construção de um outro naturalmente. Neste sentido, escusado será dizer que, as tais transições amorosas tendem a ser, na maioria das vezes, mais dolorosas para os homens do que para as mulheres.

Acontecimentos trágicos de feminicídio em Cabo Verde e na diáspora

Os últimos acontecimentos trágicos de feminicídio que têm inundado os nossos lares, através dos órgãos de comunicação social e das redes sociais, com origem em algumas localidades consideradas pacatas de Santiago Norte e também na diáspora cabo-verdiana, parece terem suscitado muita atenção por parte de várias pessoas que se questionam de forma contínua, o porquê desses atos tão cruéis contra as mulheres, não obstante as inúmeras ações de sensibilização, de caráter preventivo, relacionadas com a Violência Baseada no Género (VBG).

Em termos concetuais, o feminicídio significa a perseguição e a morte intencional de pessoas do sexo feminino. Geralmente enquadra-se dentro dos crimes de natureza passional, em que um namorado ou um esposo/companheiro mata a sua namorada ou a sua esposa/companheira. Muitas vezes, trata-se de um crime hediondo, que pode abalar qualquer comunidade ou sociedade, dependendo, evidentemente, da gravidade com que foi praticada.

Situações em que o feminicídio pode ocorrer

Existem várias situações em que pode ocorrer o feminicídio. Quando, por exemplo, uma mulher perde o encanto pelo seu companheiro e lhe pede o divórcio para dar um novo rumo e luz à sua vida amorosa, esbarra, muitas vezes, com fortes resistências de ordem física e psicológica por parte deste. Ou quando é vítima de violência doméstica ou descobre que está a ser traída pelo seu parceiro e resolve tomar unilateralmente a decisão de colocar um ponto final no relacionamento, pode receber ameaças de morte.

Como é sabido, a natureza masculina é muito diferente da natureza feminina. Se for um homem a querer acabar com uma relação, a mulher pouco ou nada poderá fazer para impedir que tal aconteça. A virilidade masculina, associada a questões culturais como o machismo e determinados estereótipos e a um amor possessivo, torna a separação ou o divórcio muito mais difícil de se consumar, uma vez que a maioria dos homens não aceita o fim de um relacionamento amoroso, por iniciativa de outrem, da mulher.

Necessidade de intervenção precoce e continuada

Perante este quadro que se afigura crítico, se não houver uma intervenção precoce, contínua, por parte das instituições que trabalham direta ou indiretamente com questões da Violência Baseada no Género ou mesmo por parte de familiares e amigos próximos para mediar um clima potencialmente conflituoso, a situação poderá agravar-se e evoluir rapidamente para a fatalidade.

Normalmente, esse tipo de cenário é, muitas vezes, alimentado pela seguinte frase: “se não ficar comigo, não vai ficar com mais ninguém”. Trata-se de uma ameaça que aterroriza, atormenta e destrói física e psicologicamente qualquer mulher, porque, está bem explícita uma forte probabilidade de suceder um feminicídio.

Ora, um homem que profere aquelas palavras lúgubres para uma mulher com quem já viveu uma relação amorosa durante um certo período de tempo, é porque já entrou em colapso psicológico, já não olha para o futuro, já não sente o prazer da vida, acha que tudo está perdido, incluindo os sonhos há muito acalentados e o pior de tudo, como diz Augusto Cury, já “perdeu a dimensão do seu próprio valor”.

Ninguém é dono de ninguém

Numa relação conjugal, é fundamental ter sempre presente que “ninguém é dono de ninguém”, pois, cada ser humano nasce livre, com um conjunto de direitos e deveres, e, por isso, é o dono exclusivo do seu próprio destino. Quem controla e priva alguém da sua vida e da sua liberdade de escolha, será sempre escravo da sua própria insegurança, nas palavras de Augusto Cury. Ou “quem tem ciúmes excessivos e medo de perder algo é porque já perdeu alguma coisa”.

A história trágica de Romeu e Julieta dá-nos uma narrativa muito clara do que um ser humano é capaz de fazer por amor. No entanto, para quem conhece bem essa paradigmática história de amor do escritor inglês Willian Shakespeare, sabe que Romeu não matou Julieta, mas que esta, para evitar um matrimonio indesejado com Páris, amigo de família, tomou uma bebida que parecia neutralizar os seus pontos vitais para se fingir de morta. Romeu, regressando do exílio e desconhecendo o plano de simulação da morte forjado por Julieta e o padre, bebeu veneno e morreu. Julieta, ao acordar, sabendo da morte de Romeu, suicidou-se com um punhal do seu amado. E assim terminou de forma trágica a história do amor à Romeu.

Falência da competência “pensar antes de reagir”

Os vários casos de feminicídio registados ultimamente não têm, na minha opinião, nada a ver com amor, mas sim com ódio, um sentimento que se revela extremamente perigoso e demoníaco, quando quem o manifesta aparenta sofrer de um amplo e profundo transtorno psíquico. Assassinar uma mulher só porque quer terminar um relacionamento amoroso, é, sem dúvida, um ato puramente cruel, desumano e condenável sob todos os aspetos.

Infelizmente, a maioria desses casos tem tido um fim trágico, em que a prática de feminicídio é seguida imediatamente pelo suicídio, o que mostra não só um profundo sentimento de remorso por parte do agressor, bem como uma enorme falência da competência “pensar antes de reagir” (pensar nas consequências dos comportamentos). Por causa disso, não raras vezes, alguns especialistas consideram que nos primeiros trinta segundos de tensão, cometemos os maiores erros da nossa vida, como, por exemplo, o crime por feminicídio, ou quando dizemos palavras e temos gestos hostis e desagradáveis diante das pessoas que mais amamos.

“Se não gostas de mim, eu gosto. (…)”

Portanto, tirar a vida de uma pessoa por razões supostamente passionais é de uma barbaridade gritante e injustificável, porquanto a vida e a liberdade são os bens mais preciosos que um ser humano poderá desfrutar da sua existência terrena. Sejamos fortes, resilientes, seguros e confiantes face a dificuldades, crises, perdas e adversidades da vida. Caso um dia enfrentes um divórcio ou o fim de um namoro tenha sempre em mente a seguinte frase de Augusto Cury: “Se não gostas de mim, eu gosto. Se não me amas, eu amo-me. Sê feliz, porque eu lutarei por mim e procurarei ser mais feliz do que era.”

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 829, de 20 de Julho de 2023

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