O Presidente da República de Cabo Verde, José Maria Neves considerou hoje, que “os 48 anos de independência e os 32 anos de democracia exigem um outro patamar de desenvolvimento espiritual” para Cabo Verde. Desigualdade social, desemprego, “incivilidades”, “destruição do património público”, partidarização da Administração Pública e “emigração num ritmo sem precedentes” são, a seu ver, “motivos de preocupações” apesar das conquistas “inegáveis” e do crescimento material “visível” desde 1975.
No seu discurso na sessão solene da Assembleia Nacional alusiva ao 48º aniversário da Independência de Cabo Verde, celebrado hoje, 5 de Julho, José Maria Neves disse que é sempre com renovado orgulho os cabo-verdianos devem assinalar este “marco maior da História da Nação”.
José Maria Neves afirma que o retrato de Cabo Verde hoje é “radical e indiscutivelmente diferente do de 1975”, com base no crescimento material, tendo destacado “ganhos evidentes” deste “país de rendimento médio/baixo” que ambiciona alcançar patamares mais elevados.
“Instauramos um Estado de Direito Democrático e implantamos um Poder Local que funciona. Estabelecemos sólidas parcerias com a União Europeia. No essencial, cumprimos os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio e, apesar dos contratempos recentes, nomeadamente, a pandemia, acredito que será possível atingirmos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 2030”, referiu o Chefe do Estado.
Simetria para um crescimento material e espiritual “inclusivo e durável”
Porém, no seu entender, para que este crescimento seja “inclusivo e durável”, terá que ter, como simetria, “um forte crescimento espiritual”, apontando como motivo de preocupação, o aumento, nos últimos anos, da taxa de pobreza extrema, da insegurança alimentar e da desigualdade social.
“Igualmente, é particularmente inquietante a constatação de que 51.654 jovens, entre os 15 e 35 anos, estejam tanto sem emprego como fora do sistema de ensino ou formação, representando 29,2% do total dos jovens nesta faixa etária. Isso constitui motivo de elevada preocupação, devendo merecer toda a atenção possível de todos os órgãos de soberania”, apontou ainda o Presidente da República.
No entender de José Maria Neves, os 48 anos de independência e os 32 anos de democracia exigem um outro patamar de desenvolvimento espiritual, considerando que “deste ponto de vista, o deficit é enorme, pelo que temos ainda de encetar um forte crescimento, como uma questão cultural e de mentalidade (…) outros hábitos mentais, outros costumes, não sendo, pois, apenas uma mudança na lei”.
Violência, insegurança, partidarização da Administração Pública…
Dentre outras preocupações, o Chefe do estado cabo-verdiano avançou que “questão de incivilidades preocupa” assim como “a destruição do património público” que “é uma realidade que a todos envergonha”.
Por outro lado, diz que os níveis de violência e de insegurança são preocupantes e que “são incontornável que a Administração Pública carece de criação de uma cultura de radical transformação, em termos de estruturas, de processos, e de pessoas”, referindo-se a “nepotismo, amiguismo e troca de favores” na prestação de serviço público.
“Precisámos adotar, como bens essenciais, na gestão dos recursos públicos, os princípios da compliance, da transparência, da accountability e da responsabilidade (…) A sociedade entende melhor a comunicação que é feita com clareza e de forma objetiva e quando as afirmações não sejam desavindas da verdade. Quanto mais primarmos por uma Administração Pública assente no percurso meritocrático dos seus servidores, mais estaremos a contribuir para o crescimento inclusivo de Cabo Verde”, defendeu, sublinhando que “é perceptível a persistência da partidarização da Administração Pública”.
Ainda na Administração Pública o Chefe do Estado defende “a autonomização e independência” de algumas áreas, nomeadamente, as das Inspeções, das Receitas do Estado, das Estatísticas e da Função Pública.
“Pretende-se, por exemplo, que a finalidade das inspeções seja a de melhorar o desempenho (…) que não seja um instrumento usado como arma de arremesso político (…) Assim se defende a credibilidade e a legitimidade de relatórios produzidos, e a sua aceitação por todos, principalmente, se a sua publicação for tempestiva e não deferida no tempo. Com coerência, não se pode embasar práticas que, em circunstâncias anteriores, foram combatidas ou criticadas”, proferiu encorajando a cultura de responsabilização.
“Democratizar a democracia”
Para José Maria Neves, Cabo Verde precisa “democratizar um pouco mais a democracia” reconhecendo que “o desgaste é global”.
“Apesar das frustrações e de algum desencanto democrático, o caminho é revitalizá-la, renová-la, aperfeiçoá-la e defendê-la com veemência, evitando que ela se afunde. A sociedade cabo- verdiana precisa de mais consensos e de entendimentos, e de mais respeito pela diferença e pela opinião contrária. A política não pode ser um permanente campo de batalha”, complementou referindo-se à “falta de maturidade, falta de lealdade constitucional e falta de respeito no relacionamento político”.
“Menos política e mais cidadania”
Por outro lado, lamentou que “a sociedade civil continua espremida entre as tenazes das forças partidárias”, com cidadania condicionada e poder político a predominar nas áreas de atividade social, pública e económica.
Neste aspecto em particular, o Chefe do Estado reiterou a necessidade de um “certo sobressalto cívico” para colocar na agenda e debater assuntos que interessam à nação.
Emigração, num ritmo sem precedentes
Entre outras questões apontadas como “motivo de preocupação”, José Maria Neves destacou que “nos últimos anos, Cabo Verde ter vindo a perder um grande contingente de jovens – muitos deles altamente qualificados –, que têm optado por deixar as ilhas e escolher o caminho da emigração, num ritmo sem precedentes, desde que conquistamos a independência”.
Sobre esta questão, instou às universidades e aos investigadores a estudarem esse fenômeno, investigar as causas e os impactos na academia, no tecido empresarial, no mercado de trabalho, na produtividade e na competitividade do país e na formação das políticas públicas, lembrando que “tal como na hora inicial, também no futuro, à juventude será reservado um importante papel, como agente de transformação”.
Ainda no seu discurso, hoje, na sessão solene da Assembleia Nacional alusiva ao 48º aniversário da Independência de Cabo Verde, o presidente da república de Cabo Verde rendeu uma singela homenagem a todos os Combatentes da Liberdade da Pátria.