Por: Seidy de Pina
A liberdade de expressão, um direito fundamental, honra e timbre do nosso sistema jurídico, encontra-se constitucionalmente protegido de modo que a todos que ousam manifestar e espalhar as suas ideias por qualquer meio, sem temerem represálias ou constrangimentos por causa das suas opiniões políticas, filosóficas, religiosas ou outras. (Artigo 48º, nº 1).
A liberdade de expressão é fundamental para a democracia, o pluralismo e o desenvolvimento humano. Ela é um dos pilares das Constituições modernas e um dos critérios que distinguem os regimes democráticos dos totalitários.
No entanto, esse sagrado direito fundamental não foi sempre respeitado nem garantido ao longo da história. Pelo contrário, muitas pessoas tiveram que lutar e sacrificar-se para defender a liberdade de expressão contra os poderes que tentavam silenciá-las ou censurá-las.
Podemos citar alguns exemplos de defensores da liberdade de expressão que marcaram a história com a sua coragem e resistência: Os filósofos gregos antigos, como Sócrates e Platão, que defendiam a liberdade de pensamento e de diálogo, mas foram perseguidos e condenados à morte pelo poder político.
Sócrates foi acusado de corromper a juventude e de não reconhecer os deuses da cidade, e preferiu beber a cicuta a renunciar às suas ideias.
Platão foi vendido como escravo depois de participar numa tentativa fracassada de restaurar a democracia em Siracusa.
Os escritores britânicos John Trenchard e Thomas Gordon, que publicaram uma série de ensaios defendendo a liberdade de expressão na política e criticando a corrupção e o abuso do governo, mas foram processados e ameaçados de prisão.
Thomas Paine, que escreveu o panfleto “Senso Comum” defendendo a separação das Treze Colônias da Grã-Bretanha, foi preso na França por se opor à execução do rei Luís XVI.
Olympe de Gouges, que escreveu a “Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã” reivindicando a igualdade entre os sexos, mas foi guilhotinada por ser considerada uma inimiga da Revolução.
Posto isso, pode-se ver que trata-se de um direito que foi conquistado com muito sacrifício ao longo da história, por pessoas que defenderam as suas ideias e opiniões contra os poderes que tentavam silenciá-las ou censurá-las. Essas pessoas são exemplos de coragem e resistência que devemos honrar e seguir.
No entanto, a liberdade de expressão ainda enfrenta muitas ameaças e desafios na atualidade, como a censura, a violência, a desinformação e a intolerância.
Assim sendo, temos o dever de não só preservar esse direito, mas também lutar pela sua consolidação. Isso significa defender o nosso direito de expressar e ouvir opiniões diferentes, sem medo nem interferência ilegal. Significa, sobretudo, respeitar a verdade e os direitos dos outros, sem inventar ou espalhar mentiras ou ódio.
Pois, a liberdade de expressão, apesar do seu valor sagrado e vital para a democracia, não é um valor absoluto. A Constituição da República de Cabo Verde (C.R.C.V) prevê, no seu artigo 48º, nº 4, que as liberdades de expressão e de informação têm como limites o direito à honra e à consideração das pessoas, o direito ao bom-nome, à imagem e à intimidade da vida pessoal e familiar. Esses direitos também são fundamentais e constitucionalmente protegidos num Estado de Direito Democrático.
Na era digital, a liberdade de expressão tem sido exercida de diferentes formas, o que é positivo, uma vez que a própria constituição permite o seu exercício por qualquer meio.
No entanto, tem-se verificado que o exercício desse direito nas redes sociais tem entrado em conflito com outros direitos fundamentais e, em alguns casos, tem constituído uma violenta e grave violação desses direitos.
Em boa verdade, quando a liberdade de expressão é exercida com desprezo pela verdade e com o objetivo de difamar e incitar ódio, está-se a atentar contra esse próprio direito, uma vez que o que legitima a liberdade de expressão é o respeito pela verdade e pelos outros direitos.
Sucede que, por estas bandas, de uns tempos a esta parte, o que não tem faltado são os “pseudojornalistas” nas redes sociais, que sequer conhecem os princípios éticos fundamentais do jornalismo e que usurpam a função dessa nobre e imprescindível profissão num estado de direito democrático.
A obstinação pelo protagonismo nas redes sociais tem levado à divulgação de notícias completamente falsas e sem qualquer respeito pelos direitos fundamentais das pessoas.
Basta ver que hoje, mal acontece um caso, antes mesmo que os familiares e as autoridades estejam a par do sucedido, eis que, nas redes sociais, os supostos jornalistas já estão a explicar detalhadamente os meandros dos fatos, sem qualquer rigor e desprovidos, muitas vezes, da verdade.
Por conseguinte, hoje, uma das principais ameaças à liberdade de expressão são as fake news e o surgimento desenfreado dos muitos pseudojornalistas. Pois, são fenômenos que afetam negativamente a liberdade de expressão, uma vez que comprometem a qualidade, a diversidade e a veracidade das informações que circulam na sociedade.
Esses fenômenos podem ter sérios impactos na formação da opinião pública, na confiança nas instituições, na saúde e na vida das pessoas, e na própria democracia. Por exemplo, segundo um estudo do Centre for Countering Digital Hate do King’s College London, as pessoas que acreditam nas informações falsas sobre o coronavírus estão mais propensas a descumprir as medidas de isolamento social, colocando em risco a sua saúde e a dos outros.
Outro estudo, da Faculdade de Economia da Universidade de Cambridge, apontou uma relação de causalidade entre as declarações e atitudes negacionistas do presidente brasileiro e o afrouxamento das medidas de isolamento social. Além disso, as fake news e os pseudos jornalistas podem influenciar o comportamento eleitoral, a polarização política e a desinformação sobre temas relevantes para a sociedade.
Um exemplo disso foi a divulgação massiva de notícias falsas nas eleições presidenciais de 2018 no Brasil, que envolveu desde acusações infundadas contra candidatos até a disseminação de teorias conspiratórias sobre o sistema eleitoral.
É evidente que a liberdade de expressão é um direito fundamental que permite a livre manifestação de ideias, opiniões e informações, mas que também tem limites e responsabilidades.
A Constituição da República de Cabo Verde (C.R.C.V) prevê, no seu artigo 48º, nº 4, que as liberdades de expressão e de informação têm como limites o direito à honra e à consideração das pessoas, o direito ao bom-nome, à imagem e à intimidade da vida pessoal e familiar.
Portanto, as fake news e os pseudos jornalistas não podem se escudar na liberdade de expressão para violar esses direitos fundamentais e para prejudicar o interesse público. É preciso combater esses fenômenos com medidas legais, educacionais e tecnológicas, que garantam o direito à informação verdadeira, plural e diversa, essencial para o exercício da cidadania e da democracia.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 820, de 18 de Maio de 2023