A chegada de um novo autor ou autora, ao mundo das letras de um país, é sempre uma boa notícia.
Samira Lellis, economista de profissão e residente da ilha do Sal, protagonizou este feito, no passado domingo, 11, com o seu romance No Encanto da Ilha (inédito), cuja história decorre entre as ilhas de São Vicente e Santo Antão. Uma autêntica revelação, já que entre os concorrentes havia nomes consagrados ou conhecidos das letras cabo-verdianas.
A entrega do Prémio LIANA de Literatura, na sua primeira edição, culminou o encerramento dos trabalhos deste ano do Festival de Literatura-Mundo do Sal, revelando um novo nome na literatura das ilhas: Samira Lellis. Um nome a reter, portanto, tendo em vista a responsabilidade que passa a ter, doravante, enquanto
autora de um romance contemplado com o prémio de maior valor pecuniário em Cabo Verde.
O prémio, no valor de 1200 contos, e que deixou a agora escritora revelada, confusa de emoções, atraiu 15 candidatos, incluindo autores consagrados.
Para a autora, é o culminar de uma aventura pessoal, esta de escrever e guardar, tão comum a quem escreve para si próprio, sem pressa de publicar.
No entanto, sempre pensou que se algum dia viesse a ser conhecida, como escritora, seria através deste romance, tão acarinhado. Ideias fixas desta economista que escreve por paixão. De alguém que adoptou o
método das quatro horas de escrita diárias, depois do almoço, ou durante os fins de semana, quando obrigações profissionais lhe tomam mais tempo.
A notícia deixou-a desorientada. Depois, veio a felicidade.
«É como o realizar de um sonho, aconteceu aquilo que eu previra, aquilo que eu poderia ter com este romance», revela ao A NAÇÃO.
A conversa foi adiada, pela indisposição repentina, no dia seguinte, causada por comida, logo após o anúncio oficial da vencedora do Prémio. A mesma seria ainda novamente adiada, por falecimento de um familiar.
«Emoção é o que não falta na minha vida…», desabafa, antes de acertar a linha das questões.
Primeiros escritos
O livro aborda a vida de uma jovem que tem de gerir uma casa de hóspedes em Santo Antão, na zona de Garça, segundo a autora. Mas a escrita já vem de longe, começou a escrever cedo. Sempre teve diários e via filmes, naturalmente. Também lia muito e quando algumas passagens de histórias a encantavam, Samira
começava também a escrever. O pai tinha sempre livros na cabeceira e sempre foi muito incentivada para a leitura, diz, entusiasmada e recuperada do mau-estar.
«A minha primeira história foi em 2000 ou 2001, não estou certa; estava no meu primeiro emprego, acabada de me formar, mas nem tinha computador, era tudo à mão. E quando tinha alguns momentos mais mortos, entediantes, pegava num caderninho e na caneta e escrevia.»
Samira Lellis gosta e acredita no que faz. É economista, mas revela que a arte sempre teve um grande peso na sua vida, assim como a música, a dança. «Quem leu os meus textos, as minhas histórias, disse sempre que eu era uma escritora musical.» Mas a verdade é que o anúncio do nome da vencedora do prémio, deixou muita gente admirada.
«Foi um escândalo junto de algumas amigas próximas, porque em Cabo Verde, pouca gente sabe que eu escrevo.»
No entanto, recorda, foi graças à persistência de uma das amigas que ela enviou o original.
«Fiquei sem desculpa, sem escapatória quando ela me enviou o regulamento; se estivesse sozinha, arranjaria uma desculpa para adiar novamente e não participar.»
Mas este era o ano decisivo, revela. Aquele em que iria fazer algo com a sua escrita, como conta. «Então surgiu a oportunidade, o livro era enorme, com capítulos grandes, com 800 ou perto de 900 páginas, que tive de reduzir, com dor no coração, quando o imprimi e apresentei metade da história, como se fosse um livro dentro de outro. Mas, depois de enviar o meu original, algo aconteceu, vinha pela rua e era como se flutuasse, com aquela sensação de que ‘fizeste alguma coisa boa’.»
Livro físico ou electrónico?
Quanto ao que vem a seguir, ainda não sabe, não pensou muito. «Só sei que vou continuar a escrever, porque escrevo todos os dias e quando não o faço, fico incomodada.» Fala da escrita com paixão e nada a impedirá, afirma, de ter carreiras paralelas, embora esteja consciente da maior responsabilidade que o prémio lhe traz. «Para já, estou como se um tractor me tivesse passado por cima, mas continuo a mesma pessoa, talvez passe a dedicar mais tempo a essa parte da minha vida.»
Agora, o próximo passo, revela, é poder ter o livro físico, em papel, para que todos aqueles que querem ler a sua história, o possam ter na mão. «A opção pelo livro electrónico, através da Amazon, que tinha ideias em publicar, este ano, é mais fácil de gerir, mais barato, no caso da revisão, capa, etc, mas quero que as pessoas tenham o livro físico desta história, para que possam comprar e ter O Encanto da Ilha, nas mãos.»
No seu relatório, o júri referiu-se ao livro No Encanto da Ilha, como «tratar-se de uma produção de tema original e actual, permitindo ao corpo dos jurados colocar em destaque o género Romance, a coerência entre a estrutura e o desenvolvimento da trama narrativa, e dos conteúdos apresentados, a linguagem cuidada e correcção linguística como factores apresentados, e diferenciadores de uma originalidade, criatividade e estética merecedoras do Prémio em questão.»
Por: Joaquim Arena
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 824, de 15 de Junho de 2023