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Sem Autoridade não há Cidade: Contributo para se combater o desurbano e a poluição sonora na Cidade da Praia

Por: Samilo Moreira

“O governo está a trabalhar, numa perspectiva supletiva e de complementaridade, no reforço da fiscalização e da regulamentação das condições de exercício de actividades de funcionamento de eventos, de shows e de outros divertimentos públicos, organizados nas vias publicas e demais lugares públicos ao ar livre, assim como do funcionamento de estabelecimentos de bebidas.”

Paulo Rocha, Ministro da Administração Interna

A Câmara Municipal (CM) é o órgão executivo colegial eleito (Presidente e oito Vereadores), que se organiza em pelouros (art.º 93 do EM), e que tem competência nos Municípios de Cabo-verde, no âmbito da organização e funcionamento dos seus serviços (art.º 92, n.º 2 do EM).  Um dos grandes equívocos (que têm levado a passividade das autoridades públicas), é que funcionários, cidadãos e instituições confundem as competências da Câmara Municipal com os seus serviços, e muitas vezes confundem o Presidente da CM (deixa-se confundir) como gestor e decisor único no Município da Praia.

A Lei nº 34/VIII/2013 de 24 de Julho publicada no B.O. Iª Série n.º 37 (substituto do D-L 22/98 de 25 de Maio, B.O. n.º 19 Iª Série), que “estabelece o regime de poluição sonora, visando salvaguarda do repouso, da tranquilidade e bem-estar das populações”, remete às Câmaras, o Planeamento Municipal.

Assim, através da deliberação n. º47/2014, publicada no B. O. IIª Série n.º 69, de 31 de Dezembro de 2014, a Câmara Municipal aprovou o Código de Posturas do Município da Praia (CPM), com o objetivo de” regular a atuação da polícia urbana, rural, econômica, de trânsito e de saúde pública no Município da Praia». Mas, o município da Praia precisa de mais meios de controlo de ruído (técnicos e humanos).

 Uma das competências da Câmara Municipal (o órgão eleito) é “conceder licença nos termos das leis, regulamento e posturas” (art.º 92, n.º 5, alínea f) do EM).  De acordo com o Estatuto dos Municípios (EM), são regulamentos dos órgãos municipais (art.ºs 141 e 142),  a postura e o regulamento policial (vd Decreto-Lei n.º 52/99, de 16 de Agosto).

Do Código de Posturas do Município da Praia (CPM), dá para se perceber que o Estatuto dos Municípios é uma Lei excelente, e democrática (está cientificamente provada, que em todas as áreas a democracia é a mais eficaz e eficiente), e que grande parte do problema no Município da Praia está na sua não aplicação em sentido literal, transversal, e nos termos da Lei. Por um lado, há um desconhecimento sobre como deve funcionar a Câmara Municipal (  nos serviços da CMP agrava-se pelo fato de a larga maioria dos funcionários têm uma situação laboral extremamente frágil, que não os dá a devida segurança para defender a coisa pública, sem retaliação dos superiores), e, por outro lado, foi cultivado com e sem intenção a Presidencialização , e a hierarquização das competências: o Presidente das Câmara  Municipal, os Vereadores, e os Diretores, na maioria dos casos, decidem em função da sua posição hierárquica, e não em função da sua função (competências definidas e estabelecidas nas Leis).   Por exemplo: a competência do Presidente da CM estabelecida no art.º 98, n.º 1, alínea c), e do Secretário Municipal estabelecido no art.º2, alínea a) do Decreto-Lei n.º5/98 , de 9 de Março, referente as palavras “dirigir e assegurar” (que tem levado a muitos equívocos e ilegalidades, porque foi interpretado como poder exclusivo de gestão do Município), deve ser feita em função do determinado pela Câmara Municipal, através dos Regulamentos, da Orgânica etc, no âmbito da sua competência na organização  e funcionamento dos seus serviços.

 O que determina o Código de Posturas do Município da Praia, no que tange às licenças de ocupação da via pública em geral (art.º 5 do CPM)?

Diz que o pedido de licença deve ser dirigido ao Presidente da Câmara Municipal (art.º 7, n.º 2), mas que compete exclusivamente à Câmara Municipal a concessão de licenças (art.º 11, n.º 3). Por outras palavras: é enviado o pedido ao Presidente da CM, que deve levar para as reuniões da Câmara Municipal para serem autorizadas (ou não) através da deliberação do órgão/plenário (art.º 92, n.º 5, alínea f) e o art.º 99 do EM). Se for deliberada a favor, isto é, autorizada pela Câmara Municipal, é   enviado aos serviços uma minuta/ata assinada pela maioria dos membros (5) para ter eficácia interna (art.º 147 do EM), e deve ser obrigatoriamente publicada no Boletim Oficial para ter eficácia externa (art.º. º 144 e 145 do EM). Assim deve se proceder os Vereadores de cada área, na maioria pedidos enviados, desde que fundamente que a lei prevê outras situações.  Daí a importância das reuniões ordinárias quinzenais, e as extraordinárias (art.º 91 do EM).

O que determina o Código de Posturas do Município da Praia, no que tange às licenças de ocupação da via pública em particular ou especial, está no CAPÍTULO II, Secção IV a Secção X. E as proibições na via pública estão no CAPÍTULO IV.

O que determina o Código de Posturas do Município da Praia, no que tange ao repouso e tranquilidade dos Munícipes (CAPÍTULO VI)?

 O art.º 81 determina a proibição de ruídos. Destaco o n.º1, alínea f) que proíbe « utilizar a qualquer horas, meios elétricos, eletrônicos ou mecânicos, ou outros meios de ampliação de voz»; a alínea g) que proíbe «o uso de telefonias, gira-discos, televisores, gravadores ou semelhantes, bem como quaisquer instrumentos musicais com uma intensidade de som que incomode os transeuntes ou a vizinhança»; a alínea k) que proíbe « instrumentos musicais, aparelhagem ou instalações sonoras de qualquer tipo, para além das 20 horas, com uma intensidade de som susceptível de perturbar o repouso dos munícipes, sem que para tal tenha obtido a competente licença dos serviços competentes;»;  a alínea n) , que proíbe « utilizar motores ou qualquer instrumento e ferramentas e utensílios que provoquem barulho fora do comum, entre as 20 horas e as 7 horas da manhã».

O art.º 83 determina que ruídos carecem de licença. Determina o n.º 1, alínea b) deste artigo: que carecem de licença municipal, salvo o disposto na lei, “o funcionamento de qualquer espécie de emissor ou amplificador que projecte sons para a via pública”. Determina o n.º 2 deste artigo que « o funcionamento de instalações sonoras só poderá ser autorizado por ocasião de festas tradicionais e nos locais onde se realizam festejos públicos ou em casos que, excepcionalmente a Câmara Municipal considere devidamente justificados». Determina o n.º3 deste artigo que “não serão permitidos emissores ou amplificadores de sons que imitam ou projetem sons, a menos de 200 metros, em linha recta, de qualquer hospital, casa de saúde, maternidade, escola ou igreja, em funcionamento.”

Como tem funcionado as licenças no Município da Praia (CMP)?

As competências das direções de serviços e os gabinetes foram definidas e estabelecidas, na Deliberação n. º47/2016, de 20 de Outubro, publicada no B.O. IIª Série n.º 56, de 18 de Novembro de 2016, “Que aprova o novo Regulamento Orgânico da Câmara Municipal da Praia. Talvez induzidos pela alínea k) do art.º 81 do CPM, pelo termo “ licença dos serviços competentes”, têm estado as licenças a não serem aprovadas pela Câmara Municipal, mas sim pelos Diretores, Vereadores e o Presidente. Convém realçar que muitas vezes, os técnicos dão parecer negativo em determinada matéria, e submetem à decisão do superior (o Vereador), que submete também à decisão superior (o Presidente), e decidem aprovar à revelia da Lei; usando a tal posição hierárquica. 

A verdade é que nenhum Vereador tem competência individual (apenas as delegadas pelo PCM, ou pela CM, no âmbito das suas competências) sobre as competências da Câmara Municipal enquanto órgão colegial. Qualquer assunto que esteja fora do determinado pelos Regulamentos, Orgânica em vigor etc, deve o Vereador levar à reunião da Câmara Municipal, para a devida deliberação. Daí a importância das reuniões ordinárias quinzenais, e as extraordinárias (art.º 91 do EM).

É ilegal e nula (art.º149 do EM), sem a Deliberação da Câmara Municipal ( o órgão eleito ) e publicada no Boletim Oficial, às autorizações dos serviços Municipais, do Vereador ou do Presidente da CM, que autoriza os « eventos, shows e de outros divertimentos públicos, organizados nas vias públicas e demais lugares públicos ao ar livre».  .

Os carimbos dos serviços Municipais (decisão de Chefe de Divisão, Diretor, Vereador ou do Presidente da CM), estão a substituir as competências das Câmaras Municipais, na maioria das vezes lesivas para o cofre Municipal (tem de estar estipulada na deliberação a área a ocupar para a devida cobrança dos serviços). Os documentos da licença ou autorização à apresentar aos agentes de fiscalização (art.º 266), são as Deliberações da Câmara Municipal publicadas no Boletim Oficial, e os recibos dos pagamentos efetuados nos serviços Municipais, em conformidade com o estipulado na Deliberação n.º 12/2018, que “Atualiza a Tabela de Licenças e Taxas Municipais” (competência delegada pela CMP à Direção de Administração Fiscal, nos termos do art.º 20, n.º 3, alínea b) da Orgânica da CMP). Se não tiverem, pode e deve a agentes de fiscalização (art.º 266) mandar encerrar tais eventos, estabelecimentos etc.

O que determina o Código de Posturas do Município da Praia, no que tange ao exercício do Comércio (TÍTULO IV, CAPÍTULO I)?

Sobre o funcionamento de estabelecimentos de bebidas (Estabelecimentos do Tipo II), a Câmara Municipal através da  Deliberação nº 47/2016, de 20 de Outubro, publicada no B.O. IIª Série n.º 56, de 18 de Novembro de 2016, «Que aprova o novo Regulamento Orgânico da Câmara Municipal da Praia»,  delegou à Direção de Administração Fiscal (DAF), no domínio de Licenciamento Comercial a competência de « Emitir e renovar licença e alvará para a atividade comercial retalhista, incluindo quiosques, bancas, esplanadas, roulottes e venda ambulante, de acordo com deliberações e regulamentos (Sublinhado meu) do Município da Praia e com a lei”.

O Código de Posturas do Município determina que antes da emissão da licença, deve a Câmara Municipal deliberar/autorizar (art.º 180). No entanto o procedimento está tudo invertido, ilegal e viciado. 

No que tange ao horário de funcionamento, está estabelecido e regulado nos art.ºs 214 a 219. Pelo que, qualquer funcionamento fora do período entre as 07h00 e às 24h (alínea b) do art.º 215) é ilegal (exceto os que se localizarem na frente marítima da cidade, que pode funcionar até às 02h00 do dia imediato, conforme o art.º 216, n.º 1), a não ser que tenha sido deliberada pela Câmara Municipal e publicada no Boletim Oficial., a prorrogação do horário (art. º218), em casos excecionais e pontuais.

O que determina o Código de Posturas do Município da Praia, no que tange a Fiscalização e Sanções (TÍTULO VIII)?

O art.º 262 determina que “compete aos agentes de fiscalização municipal velar pelo cumprimento do disposto no presente Código, sem prejuízo da competência de outras entidades”. O art.º 263, n.º 1, determina que “são agentes de fiscalização municipal: a) As autoridades da Polícia Nacional; b) A Polícia Municipal, quando for constituída; c) A Guarda Municipal; d) Os Fiscais Municipais etc.

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 813, de 30 de Março de 2023

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