Por: João Mendes*
Introdução
É sabido que, nos finais do século XIX, decorria o ano de 1837, os Ingleses (“British”) manifestaram o seu interesse pelo Porto Grande, da ilha de S. Vicente, Cabo Verde, e lá criaram os primeiros depósitos de carvão de pedra da ilha, implantados por John Lewis (que foi tenente da marinha britânica), John Rendall (que veio a ser cônsul Inglês na ilha) e mais tarde pela Cory Brothers & Co.
Na sequência, os Ingleses também trouxeram os serviços de telégrafo, através de cabo submarino, e de manutenção e de agenciamento de navios, nomeadamente, através da Western Telegraph & Co., da Wilson Sons & Co. e da Miller & Cory, Ltd.
Entretanto, outras companhias Inglesas estabeleceram-se na ilha de São Vicente como a Royal Mail Stream, a Patent Fuel, a Thomas & Miller, a Visger & Miller, a Maclead & Martin, etc.
O compositor Francisco Xavier da Cruz (B. Lèza) chega a afirmar, num seu texto, que, com a chegada dos Ingleses, os sanvicentinos começaram a aprender com eles, a trabalhar nas oficinas de carpintaria, nas ferrarias, nos estaleiros navais, na serralharia mecânica, no carvão e em todos os ramos de atividade.
Os Ingleses revolucionaram, de facto, a ilha de São Vicente, que, a certa altura, chegou a ter mais população estrangeira que nacional, e com eles veio todo o linguajar virado aos barcos e ao negócio carvoeiro e portuário e aos desportos diversos, que introduziram na ilha, com os seus clubes de “football” (futebol), de “cricket” (críquete), de “golf” (golfe), de “tennis” (ténis), etc.
Também se estabeleceu a Igreja Anglicana e até passou a haver um cemitério Inglês, hoje inexistentes.
Passaram a ser importados, do Reino Unido (Inglaterra), produtos de excelente qualidade e até muitos hábitos sociais Ingleses foram adotados, nomeadamente, beber “whisky”, “cocktails”, “ginger ale”, “gin and tonic” e “orange juice”, fumar cigarros e tomar o “five o’clock tea” (hábito que os Ingleses importaram de Portugal).
Lembremos que, até hoje, a batata comum e a manteiga de vaca, são designados, na ilha de São Vicente, de batata inglesa e manteiga inglesa, porque, seja qual fosse a sua origem, chegavam à ilha provenientes do Reino Unido (Inglaterra).
O golfe na ilha de São Vicente
Recentemente, numa passagem pela ilha de São Vicente, lembrei-me de contactar um velho camarada, praticante amador de golfe, pois, com ele assisti a um treino da modalidade, anos atrás, e na altura fiquei impressionado pelo jargão utilizado, nem crioulo (língua cabo-verdiana), nem português, mas somente Inglês, aquele Inglês aprendido de ouvido, mas, nada mau, com sotaque e tudo. Caramba, até para dizer a um amigo que ele deu uma boa tacada diziam “good” (não “guud” como diria eu, mas “gaad” como dizem os “British”).
Desta vez, não pude falar com o meu velho camarada, mas, encontrei na zona de Monte-Campim-Dji d’Sal (viveiro de golfistas da ilha de São Vicente) os amigos Luis Fernandes e Miguel Teixeira (Lis e Guela de Dji d’Sal), rapazes a rondar os 60 anos de idade, e que começaram no golfe, ainda jovens, como “Caddy”.
O “Caddy” geralmente tinha origem humilde, sendo que, no tempo da escravatura, e logo após, no sul dos Estados Unidos, por exemplo, era trabalho para o negro ou para o branco pobre, e posteriormente passou a ser um trabalho por conta própria. Hoje, há “Caddy”, por esse mundo fora, a faturar 1500 a 3000 dólares por semana, e outros até milionários, não os nossos “Caddy” sanvicentinos, evidentemente.
Inicialmente a função do “Caddy” era carregar a bagagem do golfista, a troco de algum pagamento. Contudo, um bom “Caddy” está ciente dos desafios e obstáculos do campo de golfe onde se está a jogar, que conhece muito bem, pelo que sabe qual a melhor estratégia para jogar nesse campo. Conhece a dimensão do campo, a colocação dos pinos e a seleção de tacos.
Atualmente, e por ser um custo suplementar, os jogadores amadores não utilizam “Caddy”, ou seja, carregam ou puxam, eles mesmos, as suas bagagens.
Portanto, o “Caddy” não se limita a carregar o saco do golfista, muitas vezes, também, é ouvido, quando o jogador estuda a melhor estratégia para a tacada, dependendo das circunstâncias do momento. Ou seja, o “Caddy” ajuda o jogador de golfe, na definição da melhor jogada, porque conhece o campo e sabe qual o taco mais adequado para a tacada, etc.
Efetivamente, Luis Fernandes e Miguel Teixeira começaram como “Caddy” mas chegaram a ser campeões de golfe, em São Vicente e, quiçá, em Cabo Verde, e chegaram até a participar em torneios, fora do país, pertencendo à 3ª geração de golfistas que sucede aos irmãos Antero e Eduardo (Fula), Florêncio e outros.
Embora relativamente jovens, Luis e Miguel ainda privaram com ingleses, ligados ao golfe, na ilha, e citaram os nomes dos Eng. Rinners e Robinson, e do capitão de campo (“Marshal”), Mr. Simple, cujas funções, dizem-me, incluíam a organização dos jogos, a ordem de saída e a atribuição do “Handicap” de cada jogador.
Depois de tomarmos um “drink”, num bar, algures no bairro de Monte Sossego, Ti Lis e Ti Guela animaram-se e começaram a contar, com entusiamo, as suas aventuras no golfe, indo, por vezes, até, a aspetos históricos da modalidade, referindo por exemplo a tacos que já nem se usam. Através deles, fiquei a saber que:
“Big tree” é o nome do local onde estava implantado o Clube de Golfe dos Ingleses, em São Vicente, e chamaram-no “Big tree” por causa de um pé de tamarindo, existente no local, de que os ingleses aproveitavam a sombra para fazer os seus “Picknick”.
“Marhall” é a pessoa em campo que tem como função assegurar o cumprimento das regras do jogo e promover o bom ritmo da partida de golfe. O “Marshal” é usualmente coadjuvado por um “Marker”.
“Marker” é a pessoa que faz o registo dos pontos de um dado jogador ao longo das várias rondas do jogo de golfe.
“Score” é o campo de golfe de 18 buracos e para 72 tacadas, que correspondem a quatro jogadas. Cada buraco tem os seus limites, há buracos para 5 tacadas e há buracos para menos tacadas.
“Ace” é o termo utilizado no golfe quando se consegue colocar a bola num buraco com uma única tacada, o que, convenhamos, é muito raro acontecer. Um “Ace” (ás) no golfe significa acertar um “Hole-in-one”. Este tipo de tacada requer precisão e direção perfeitas. Os buracos de golfe variam entre “Par” três e cinco, o que significa que deve levar três, quatro ou cinco tacadas para colocar a bola no buraco. Para pensar em fazer um “Hole-in-one” um golfista precisa levar em conta o vento, os “Hazard” e a distância, e então acertar uma tacada perfeita.
“Hole” é o buraco do campo de golfe.
“Hazard” são os perigos, os obstáculos do campo de golfe, ribeiras ou cursos de água, montes de areia ou colinas, onde é difícil jogar.
“Hole-in-one” é acertar num buraco com uma única tacada.
“Handicap” é o sistema utilizado para classificar o número médio de tacadas, acima do “Par”, que um jogador pontua numa ronda de golfe.
“Par” (Professional average result) é o número de tacadas expectáveis de serem necessárias para conseguir colocar a bola num buraco. Se for alcançado o número de tacadas estabelecidas o benefício é de 2 pontos.
“Bogey” é o termo usado quando se ultrapassa em 1(um) o número de tacadas estabelecidas para um determinado buraco. Diz-se, nesse caso, que foi jogado uma tacada acima do “Par”, pelo que, o benefício é de 1(um) ponto.
“Birdie” é o termo utilizado quando se faz 1(uma) tacada a menos do que está estabelecido para um determinado buraco. Diz-se, nesse caso, que foi jogado 1(uma) tacada abaixo do “Par”, pelo que, o benefício é de 3 pontos.
“Eagle” é o termo utilizado quando se faz 2 tacadas a menos do que está estabelecido para um determinado buraco. Diz-se, nesse caso, que foi jogado 2 tacadas abaixo do “Par”, pelo que, o benefício é de 4 pontos.
“Albatross” é o termo utilizado quando se alcança um buraco com 3 tacadas abaixo do “Par”. O “Albatross” é por vezes chamado de duplo “Eagle”.
“Condor” é o termo utilizado quando se alcançar um buraco com 4 tacadas abaixo do “Par”. O “Condor” é por vezes chamado de duplo “Albatross” ou triplo “Eagle”.
“Fairway” é a área dentro da linha de jogo, onde obrigatoriamente tem de se dar as tacadas.
“Green” é a área de aproximadamente 450-750 m2 (5.000 a 8.000 pés quadrados) onde está o buraco. Em muitos países é relvado e daí a designação de “Green”. Em Cabo Verde, já dizia o saudoso Dr. Antero Barros (Antero Fula), o nosso golfe é de areia e o nosso “Green” é preto.
“Bunker” é um monte de terra ou areia à volta do buraco, para demarcar o “Green”. Um “Bunker” é uma área especialmente preparada para testar a capacidade do golfista de jogar uma bola a partir da terra ou da areia.
“Swing” é o movimento que se faz para dar a tacada na bola de golfe.
“Balance” é a postura em que o jogador distribui corretamente o peso ao longo do movimento de “Swing”.
“Shot” é a tacada de golfe, em si.
“Carry” a distância que a bola percorre no ar a seguir a uma tacada.
“Duff” é uma péssima tacada.
“Line” é a trajetória esperada de uma bola para atingir um buraco.
“Teeing ground” é o local de onde é feita a primeira jogada de cada buraco.
“Tee shot” é a jogada destinada a mover a bola uma grande distância pelo “Fairway” em direção ao “Green”.
“Tee” é o pino de plástico ou de madeira em cima do qual se coloca a bola, para dar a tacada.
“Approach” é o tipo de jogada que se faz quando já se está próximo do “Green” e vai-se ter de dar uma tacada, com efeito, para levantar a bola, fazendo com que ela caia no buraco. Aqui aplica-se a estratégia do jogo, ou seja, há que escolher o taco adequado para a tacada, dependendo das circunstâncias.
“Pitching wedge” é o taco de ferro sem número usado na jogada de “Approach”, dependendo da estratégia adotada pelo golfista.
“Sand wedge” é o taco de ferro sem número usado na jogada de “Approach”, dependendo da estratégia adotada pelo golfista.
“Out of bonds” é quando a bola sai do espaço do campo de golfe e, sempre que acontece, há que repetir a tacada e sofre-se penalidades.
“Pick up” dependendo do contexto, um golfista que não complete um buraco pode não ser desqualificado, mas sim obter a penalização máxima do buraco. É-lhe permitido apanhar e trazer a bola (“Pick up”) e continuar a jogar para o próximo buraco.
“Drive” é o nome que se dá ao taco que é utilizado na primeira tacada, é um taco de cabeça, no extremo superior.
“Second shot” é a segunda tacada no jogo de golfe. Antigamente usava-se um taco chamado “Brosset” para a segunda tacada, que, entretanto, caiu em desuso.
“Spoon” é o taco usado no golfe para a terceira tacada, é um taco de cabeça, no extremo superior.
“Putter” é o nome do taco utilizado dentro da área do “Green”.
“Putt” é o nome dado à tacada feita por um “Putter”.
“Jigler é um taco de ferro, substituído pelo taco nº 4. Os tacos de ferro são geralmente numerados, contudo, os tacos de ferro “Pitching wedge” e “Sand wedge” são tacos de ferro sem número específico.
“Lofter” era o nome do taco de golfe artesanal usado nos primórdios para a aprendizagem do golfe. Em São Vicente tinha uma base de ferro e um pau de vassoura a servir de haste. Ainda hoje, quando se convida um amigo para ir jogar golfe se diz “vamos dar umas loftadas”, o mesmo que “vamos dar umas tacadas”.
Conclusão
No início do século XIX, com os barcos a vapor (“steam ship”), eram necessários pontos de abastecimento de carvão de pedra no meio do atlântico, para os navios da rota da Índia. Os Ingleses identificaram o Porto de Grande da ilha de São Vicente e aí instalaram depósitos de carvão mineral (“coal”), que traziam de Cardiff, Newcastle e, quiçá, outras proveniências, na Europa. Atrás das companhias carvoeiras, vieram outras companhias Inglesas ligadas à manutenção e agenciamento de navios, ao telegráfico e ao comércio em geral.
Os Ingleses vieram e trouxeram os seus hábitos e costumes, de beber whiskey e gin tónico, de fumar tabaco, de tomar o “chá das cinco”, e também a sua prática religiosa e até funerária, pois que, estabeleceram o seu próprio cemitério.
Mas trouxeram também os seus desportos, desde o futebol, ao críquete, ao ténis e ao golfe e fundaram clubes Ingleses das diversas modalidades na ilha de São Vicente.
Interessou-nos analisar o impacto da influência Inglesa na ilha de São Vicente, nomeadamente no golfe, onde, de início, os nossos rapazes, dos bairros de Monte-Campim-Dji d’Sal, transportavam as bagagens dos senhores golfistas Ingleses, mas, foram observando e aprendendo, tendo-se formado, posteriormente, pelo menos, três ou quatro gerações de golfistas cabo-verdianos.
O que quisemos ressaltar foi o facto curioso de, nas lides portuárias e carvoeiras e outras, a gente de São Vicente ter absorvido muito léxico Inglês, contudo, no golfe, a linguagem ou gíria desse desporto foi adotada totalmente, ou seja, o golfe em São Vicente é jogado em Inglês. Até para mostrar a um amigo que ele deu uma boa tacada não se diz “excelente tacada, estás de parabéns, foste excelente”, não, diz-se simplesmente, “good” e com sotaque Britânico “gaad”!
Acabamos por saber que algumas palavras do golfe têm influência francesa, como “Hazard” e “Caddy”, devido à relação histórica entre o Reino da Escócia e o Reino da França e que o golfe tem evoluído, nas suas regras, desde o início da sua prática. Continua a ser um desporto, especialmente de ou para burgueses, mas democratizou-se bastante.
Praia, 13 de Agosto de 2022
Referências:
1. Mello. Maria da Luz, “A cidade do Mindelo: identidade cultural e linguística (1850-1975)”, Dissertação de Mestrado em Linguística, Universidade do Porto, Porto/Mindelo, 2010.
2. https://www.amendoeiraresort.com/pt/blog/30 palavras de golfe para falar com um profissional
3. https://en.wikipedia.org.
4. Pesquisas diversas na internet.
*Mestre em Auditoria Interna e Controlo de Gestão
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 781, de 18 de Agosto de 2022