PUB

Colunistas

Carta aberta ao Exm. Sr. Embaixador de Portugal em Cabo Verde

Por: Ricardino Neves

1.Introdução

Começo por lhe manifestar os meus mais sinceros votos de sucesso nesta sua missão.

O facto de ter apresentado as suas cartas credenciais nesta minha ilha de S. Vicente e nesta cidade do Mindelo me encorajaram a escrever-lhe esta carta.

Ter tomado contacto com a cidade e as suas gentes com certeza lhe terão permitido tomar conhecimento, ainda que limitado pelo tempo que dispôs, do que elas são, representam e de como se posicionam no seu dia a dia.

Infelizmente começa o exercício da sua condição de Embaixador em plena crise relacionada com a emissão de vistos.

A crise é geral. A sul, na PRAIA, que sempre foi o centro emissor e onde os problemas foram os mais variados desde o acesso para pedir visto até problemas com a concessão que passaram por suspeitas de corrupção pela emissão indevida de vistos.

A norte , no Mindelo, que foi vendo a situação de acesso para pedir vistos ir-se deteriorando até chegar a este ponto de se ver “presenteado” com Permanências Consulares de onde em onde e exibidos como algo a que os mindelenses deviam estar gratos pelo “esforço” que o CCV faz para connosco .

Ao ver toda a campanha publicitária e de comunicação que o CCV vem fazendo, nomeadamente nas redes sociais e a presença mediática que o assunto vem merecendo, tomo a liberdade de lhe expor um ponto de vista e apresentar-lhe uma proposta que, sem pretensões, contribuiria para ajudar a resolver a situação deste lado de cá ,do Norte- Noroeste ,visto que falar de S. Vicente é também falar de pelo menos Santo Antão e S.Nicolau .

Para as gentes do Sal e Boavista penso ser mais fácil chegarem a S. Vicente do que chegar a Praia por força de hábitos antigos e facilidades de acesso no que concerne aos transportes, nomeadamente marítimo.

2. Um olhar ao passado recente 

São Vicente, no pós-independência, dispôs sempre dum Posto Consular e, até determinada altura, dum Cônsul designado.

Neste Posto Consular as gentes de São Vicente, Santo Antão e São Nicolau principalmente, faziam a entrega dos seus pedidos de vistos que, uma vez verificados os requisitos de documentação, eram enviados para a Praia aonde eram objecto de revisão e subsequente emissão de visto.

Ou seja, esta ilha dispunha dum centro permanente de atendimento, que normalmente dava vazão aos pedidos.

Havia picos de procura por altura do Verão para visto de férias e para os vistos de estudantes, nada que não se pudesse resolver com alguma tranquilidade. E mesmo nos períodos de maior pressão os instrumentos localmente disponíveis permitiam o seu esvaziamento de forma socialmente aceitável.

Por outro lado, o envio pelo Consulado dos pedidos em grupo impunha o controle, por este, da resposta do Centro emissor que se via “obrigado” a dar vazão aos mesmos, ficando assim sem dispor da totalidade do poder de decisão de, a quem e o quando proceder à emissão de vistos.

E com a introdução da recolha dos dados biométricos nada mudou substancialmente.

Ou seja, as Ilhas a Norte dispunham duma solução satisfatória e de fácil acesso para apresentar um pedido de visto e duma estrutura local que assegurava o “controle” da resposta por parte do centro emissor na Praia.

Mais, esse posto permanente de atendimento garantia sempre a possibilidade de resposta em caso de situações urgentes como por exemplo exigências de saúde ou ocorrências fúnebres que impunham a rápida saída das pessoas.

Estávamos, nos cidadãos deste Norte geográfico, com um tratamento de igualdade com os demais cidadãos deste país, com liberdade de acesso e sem limitações à parte daquelas correntemente aceitáveis e com a nossa dignidade respeitada.

3. A mudaça centralizadora 

A situação foi alterada quando no contexto acima descrito ocorreram denúncias de emissão fraudulenta de vistos a quem não reunia condições para tal e que isso se devia a indícios de corrupção.

Tal situação foi utilizada para centralizar a entrega dos pedidos de visto na Praia e isso resultou em evidente complicação para os cidadãos aí não residentes.

Acresce que o Cônsul na cidade de Mindelo adoeceu e ficou impossibilitada de exercer o lugar e tudo se conjugou para esse reforço do centralismo na Praia.

E se anteriormente os vistos para o espaço Schengen podiam ser obtidos nos diferentes consulados europeus presentes em S. Vicente, com a adopção do Centro Comum de Vistos centralizou-se o atendimento e tudo ficou mais difícil.

Mas ainda houve algum bom senso quando se introduziu a prática de Permanências Consulares na Ilha de S. Vicente, primeiro, e depois seu alargamento ao Sal.

No começo a solução ainda foi resolvendo a situação, mas com o decorrer do tempo   começou a ser demasiado evidente que centrar tudo na Praia não era razoável, que a Permanência Consular não é solução para as necessidades das outra ilhas.

4. A permanência consular – solução com limitações

A permanência consular é apresentada como a solução para as “outras ilhas”.

No espaço entre as permanências consulares o cidadão tem que se deslocar à Praia para atendimento presencial.

Ora é evidente que tal situação, num pais arquipélago, com problemas de disponibilidade de transportes para não falar no seu custo, representa uma evidente limitação em relacção à igualdade de tratamento, à liberdade de decisão e à dignidade enquanto cidadãos cabo-verdianos, todos remetidos à condição de periferia.

Em suma, um atropelo à nossa cidadania que impõe tratamento adequado.

Mas vejamos alguns dos pecados da PERMANÉNCIA CONSULAR.

4.1 Frequência

As permanências consulares são realizadas com frequências irregulares mal chegando a ser uma a cada dois meses (ver calendário publicado no site do CCV).

Ou seja, num ano civil de 52 semanas, temos só 6 semanas de atendimento, incomparável com a disponibilidade que um posto local permanente de atendimento oferece ,52 sobre 52 semanas.

4.2 Nível quantitativo de atendimento

O CCV tem atirado números que pretensamente representam uma resposta aos números crescentes da demanda que se verifica.

Na última permanência consular em S. Vicente, segundo pude apurar, o atendimento chega a 80 pessoas por dia nas listas nominais, ainda que se observe com frequência ausências (no show) que não são utilizadas por decisão do CCV.

Tal representa, numa semana de cinco dias, um total máximo de 400 pessoas. Havendo para S. Vicente seis permanências consulares, num ano um total de 2400 pessoas serão atendidas.

Um posto de atendimento, funcionando todo o ano 44 horas por semana, atenderia essas 2400 pessoas ao ritmo de uma pessoa por hora, uma diferença estrondosa.

O agendamento representa um elevar artificial da procura, o seu afunilamento num período curto de tempo, com pessoas procurando desesperadamente aproveitar a oportunidade que se apresenta. Em condições normais a procura se realiza de forma mais tranquila e mais suave.

O atendimento em Permanência Consular é assim um tempo de pressão, seja para o público seja para o pessoal consular.

O CCV parece não estar muito sensível a essa pressão, mas ela afecta de forma clara a população que vê a sua pretensão de solicitar um visto espezinhada.

E isso sabendo que os vistos de turismo supostamente são desejados por Portugal e que os restantes pedidos correspondem a necessidades objectivas nossas, mas também de interesse para Portugal (negócios, tratamento, trabalho, formação, etc).

Daí não se compreender as dificuldades múltiplas que os serviços consulares nos apresentam para conceder um visto.

4.3 A (in)transparência(?) do agendamento

Em teoria o agendamento é um acto democrático, acessível a todos. E para aqueles que não conseguem o agendamento e disso reclamam a resposta do CCV é que outros conseguem.

Se no passado a emissão de vistos foi objecto de suspeição é evidente que o agendamento por internet é objecto dum quadro de interrogações quando o mesmo virou “mercadoria”, que se compra e se vende, não tanto por pessoas, mas por organizações de carácter comercial.

E onde entra dinheiro mais facilmente se instala a corrupção, como é evidente.

Nada que se compare com a transparência dum gabinete aberto a horas determinadas e com atendimento presencial.

Parece que só alguns felizardos é que conseguem acertar com o tempo em que o calendário de marcação está disponível para tal.

5. Proposta

Sr. Embaixador

O atendimento dos cidadãos cabo-verdianos em S. Vicente está longe de corresponder às suas naturais expectativas, até porque no passado tiveram solução mais adequada do que a que se lhes é oferecida neste momento.

Pelo acima exposto venho solicitar-lhe que providencie a reposição do anterior serviço de atendimento para pedido de visto em S. Vicente seja para Portugal seja para o espaço SCHENGEN.

Mais, que este serviço consular possa ter um atendimento corrente, aberto, normal.

O agendamento por internet foi solução no quadro duma situação de emergência sanitária provocada pela pandemia da COVID e, como vimos atrás, é pouco transparente e sujeito a traficâncias.

Todos ganharíamos, nós os das ilhas de São Vicente, Santo Antão e São Nicolau, sendo que Sal e Boavista passariam a ter mais essa opção.

Penso que, se necessário, poderá contar com o apoio das entidades oficiais e das forças vivas destas ilhas.

Atenciosamente

e-mail: pro.sv@hotmail.com

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 811, de 16 de Março de 2023

PUB

PUB

PUB

To Top