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Olhares de Lisboa: Flashes

Por: Filinto Elísio

O racismo estrutural, hoje ancorado ao ventríloquo parlamentar, mas também aquele saloio, boçal e burro, atacou mais uma vez, como ataca quotidianamente, a confirmar que não há brandos, nem bons costumes, como também não há civismo no bafiento corridinho dos dias. Que cancioneiro xenófobo, triste gente! Todavia, a grande questão, que não se quer calar: a de as vítimas soltarem-se das amarras do medo e organizarem-se, de forma estrutural, para dar respostas proporcionadas à continuada e hedionda agressão. Vamos deixar de lado a hipocrisia, o jogo politiqueiro e a troca de confeitos, que tempo é de colocar o dedo na ferida. Haja consciência (consciencialização) do aqui e agora, da adverbial senha já e da ação engajada. Com causa e consequência…

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Da quintessência ao solstício, é como desfiamos as contas do rosário dos três sóis a corarem o corpo da manhã. O que fazer? Apelamos ao salvador da Pátria? Ao sábio e ao democrata? Elegemos no conclave (num terreiro qualquer) quem se legitime em nome de Deus? Convocamos a Geni, da música de Chico Buarque? Agravamos o estado de emergência social e económica neste tempo de vianda avara? Haverá no poder, a par das querelas mesquinhas, alguma virtude da justiça? Saibamos da ave peçonhenta e de mau agouro, correndo também por conta o seu macabro gosto pela morte e, por isso, o seu epíteto de ave de rapina. Pior de tudo, era ele bufo (a soldo) de um fandango regime que nos turvava a alegria. Enquanto entressonhávamos a pátria incessantemente em transformação e nela botávamos utopia, arte, liberdade e filosofia, ele via-se Anticristo militante, capaz de entrar cardeal conclave adentro e dele sair Papa. Escatológica figura, qual pássaro maligno. Saberá ele decifrar os sinais dos três sóis idênticos desta manhã? Ou será que a nossa modernidade bebendo nas fontes clássicas e artesanais, como o touro onírico, sorve tais sóis em solstício?

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Domingo. Antil manxi na Praia, sidadi-kapital. Releio (não sejam os meus amigos bruxos a descortinar) A Biblioteca de Babel, de Jorge Luis Borges, e que a páginas tantas “a Biblioteca perdurará: iluminada, solitária, infinita, perfeitamente imóvel, armada de volumes preciosos, inútil, incorruptível, secreta”. Conto-vos. Como editor e, se calhar, como poeta, tenho recebido mensagens de alguns jovens a solicitarem sugestões de leitura. Respondo-lhes, sempre com humildade, de modo displicente e amigo: leiam tudo (ou de tudo, diz o vulgo), sejam omnívoros na leitura e façam círculos de leitores. Não fugindo à devoção e à obrigação (jamais à escravidão), fiem-se estes jovens ao apelo, como eu vejo, da fruição, da liberdade e da paixão…ao ímpeto do prazer de ler cada livro, jurisprudência da aprendizagem. Fie-se a malta ao texto A Biblioteca de Babel, já alvitrado, e ao libido de tê-lo lido. 

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Goteira insana, dirás. Insano banquete, insistirás, que nem tudo são rosas. A água pinga, rara e preguiçosa, na rede; a energia não é certa todo o santo dia; o assalto acontece, violento e assustador, à hora da coruja e da andorinha; a fome, escondida e manipulada, prefere a classificação de insuficiência alimentar aguda; os parlamentares a conspurcarem o Decoro Legislativo que, convenhamos, vai em recuo. Também em recuo o emprego, o rendimento e o poder de compra. Recuam ainda os Direitos Humanos. Tal como nos versos de Ferreira Gullar, o preço do pão não cabe no poema. E o povo das ilhas que queria um poema diferente para o povo das ilhas? Entretanto, o zoom da conjuntura mundial e da crise climática global, indica que tudo pode piorar. Convencidos que, a este nó dos transportes aéreos e marítimos, era o grau zero da esperança, eis que, não seja a vida excesso de realidade, nos surge esta barata e lá se foi o banquete sobre o futuro do País. A culpa, se há, repito se há, será das crises da Crise. Kafkiano, meu Poeta, dizer que nem tudo são rosas!

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 779, de 04 de Agosto de 2023

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