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República Checa e Cabo Verde: Uma cooperação académica com coração – um balanço inacabado

Por: Jan Klíma*

Foi em Janeiro de 2002 que tudo começou, quando dois docentes checos da Universidade de Hradec Králové, Jan Klíma e Jan Vítek, puderam percorrer a maioria das ilhas de Cabo Verde. Uma viagem que excedeu, de todo, as nossas expectativas.

Pudemos, com efeito, recolher dados históricos e arquivísticos, materiais raríssimos, referentes ao movimento dos Sokols/Falcões, minerais vulcânicos, livros, documentos, fotografias, dando assim a conhecer aos nossos concidadãos a experiência “sokoliana”, única, fora da antiga Checoslováquia. Dois pontos culminantes, daquela viagem de exploração e reconhecimento, provocaram a nossa “doença africana” – o desejo ardente de voltar, conviver e conhecer muito mais de Cabo Verde.

Visitas, intercâmbios e parcerias

Isso acabou por acontecer, primeiro, graças à visita à então novíssima Universidade Jean Piaget de Cabo Verde que predeterminou os contactos universitários anteriormente não existentes. E, depois, ao encontro dos docentes checos com o Presidente da República, Pedro Pires, no Palácio Presidencial, na cidade da Praia, organizado pelo cônsul honorário da República Checa, o doutor Valdmiro Segredo. A isso somaram-se, entretanto, outras mais experiências, também elas inesquecíveis, que tornaram imperiosa a continuação deste nosso contacto com Cabo Verde.

Em 2007, um acordo de cooperação entre a UniPiaget e a Universidade de Hradec Králové foi assinado na cidade da Praia. O reitor culto e aberto, Jorge Sousa Brito, veio conhecer Hradec Králové e o seu instituto superior. E, no âmbito desse acordo, um primeiro grupo de estudantes  checos pôde empreender uma viagem às ilhas em estágio de cinco meses nessa universidade – e voltaram encantados, dispostos a escrever teses com o conteúdo cabo-verdiano. Mais tarde, alguns estudantes cabo-verdianos aceitaram também o nosso desafio de conhecer o para eles então desconhecido espaço centro-europeu, através da Hradec Králové – e voltaram, também eles, encantados. Este intercâmbio entre estudantes, pensamentos, livros e informações científicas decorreu sem cessar durante a reitoria do professor Wlodzimierz Szymaniak.

Em 2014, um novo grupo de estudantes da Hradec Králové testemunhou com os próprios olhos os pontos importantes das ilhas, participando numa prolongada discussão com os seus colegas cabo-verdianos e guineenses, na UniPiaget.

Em 2015 realizou-se o plano de homenagear o movimento dos Sokols e a sua inspiração checa; uma placa comemorativa foi colocada no Mindelo na presença dos cônsules honorários, embaixadores e dirigentes do Sokol checo.

Em 2016, a Universidade de Hradec Králové explorou a visita oficial do chefe de Estado insular para outorgar a medalha do reitor ao ilustre Jorge Carlos Fonseca, pensador, escritor e promotor da colaboração espiritual.

Em 2017, enquanto professor e investigador, pude tomar parte nas comemorações do centenário do Liceu mindelense, em São Vicente.

Desde que se abriu ao mundo, Cabo Verde ganhou prestígio e renome, enquanto país democrático e acolhedor, cujas belezas naturais passaram a aliciar mais turistas checos. O público checo recebeu livros sobre a história e cultura cabo-verdiana, cientistas, músicos, naturalistas, professores, artistas e outros interessados checos confirmaram a impressão agradável da “morabeza” insular.

Amizades

Surgiram amizades com base no conhecimento pessoal, das quais destaco o jornalista e historiador José Vicente Lopes, bem como o professor Manuel Brito-Semedo,  que, a nosso convite, ministrou conferências nas universidades checas.

Tudo isso repercutiu-se na política do Estado checo. Tanto assim que uma equipa da Hradec Králové ajudou a justificar a adesão da República Checa à CPLP na qualidade do observador em 2016. Uma outra equipa universitária tomou parte nas consultas sobre relações entre a RC e os países lusófonos decorridas no Ministério dos Negócios Exteriores em Praga, em 2018.

Só a posterior pandemia de Covid-19 conseguiu perturbar os contactos directos, em curso, adiando uma intenção-desejo que deve ser retomada logo que isso for possível.

“Personalidades-lendas”

Existem “personalidades-lendas”. Uma delas é, do nosso ponto de vista, o Senhor Pedro Verona Rodrigues Pires. Comandante na luta de libertação nacional da então Guiné Portuguesa, negociador da independência de Cabo Verde, primeiro ministro de Cabo Verde soberano, duas vezes Presidente da República, responsável de um Instituto destinado a estudar e apoiar a boa governação. Em suma, para a Hradec Králové e não só, um símbolo da história africana.

Isto para dizer que o sonho de convidar o Comandante para nos visitar cumpriu-se, finalmente, no passado dia 26 de Outubro. A sua curta estada no nosso país foi uma oportunidade para acolher o grande político nas instalações da nossa Universidade dedicadas à ciência política e estudos africanos, tão afins ao perfil do convidado.

Numa cerimónia de honra, Pedro Pires recebeu a medalha do Reitor da Hradec Králové, discutindo, também, com estudantes e funcionários universitários. Assombrando com a sua vitalidade e modéstia, o Comandante deixou transparecer as suas experiências insubstituíveis, uma sabedoria ligada ao seu “privilégio de idade”, a sua cara prudente e sinceramente humana. O futuro aprofundamento das relações (não só académicas) entre a República Checa e a República de Cabo Verde recebeu, assim, o seu incentivo mais amável e simpático.

Na contemporaneidade difícil, os contactos pessoais garantem a compreensão mútua e a cooperação pacífica. Mais universidades checas procuram colaboração com entidades educativas ou científicas cabo-verdianas. Há projectos empresariais e culturais em comum.

Gratidão

Em nome da Universidade de Hradec Králové queremos expressar, neste espaço, a gratidão aos patronos desta fraternidade. São, antes de tudo, os incansáveis cônsules honorários Vladimír Trkal e Valdmiro Segredo; é este último quem, no serviço de mais de duas décadas, tem feito um trabalho gigante para assegurar bolsas de estudo, intercâmbio de pessoas e cooperação checo-cabo-verdiana de todo o tipo.

É para nós uma grande honra que os dois últimos Presidentes da República de Cabo Verde não tenham poupado o seu tempo precioso para manifestarem a sua disposição de apoiar os contactos frutíferos e que seguramente vão enriquecer ambos os países nos anos vindouros. A visita de Pedro Pires, impressionante e fecunda, fecha, por agora e não finalmente, o arco que se tinha levantado há mais de vinte anos.

* Historiador e professor jubilado Universidade de Hradec Králové.

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 793, de 10 de Novembro de 2022

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