Por: Amandio Barbosa Vicente
“Porque também me espanta que estes derrubadores de símbolos de um passado que há muito deixou de existir se remetam a um silêncio sujo de cumplicidade com as múltiplas formas como os povos dos países africanos outrora colônias portuguesas hoje são roubados pelos seus dirigentes, à vista de todos e como nunca foram antes. Não é o caso de Mário Lúcio, natural do único desses países que tem orgulhado a sua independência, mas o que dizer da deputada portuguesa Joacine Katar, aqui acolhida como em raros países do mundo, tão crítica do seu país de acolhimento e tão silenciosa perante a vergonha continuada que é a governação do seu país de origem e a desgraça do seu povo?” (Miguel Sousa Tavares, in Expresso, 11/12/2021)
Miguel Sousa Tavares elogiou Mário Lúcio e o respetivo país, Cabo Verde, muito bem gerido, tão bem gerido que volvidos quase meio século da independência nacional tem:
a) Um terço da população cabo-verdiana a viver com menos de dois dólares por dia, uma miséria;
b) Um salário mínimo miserável de 118 euros\mês, para comprar um quilo de carne de vaca a 9 euros, 1 quilo de arroz a 1,5 euros, para pagar a renda mensal de uma casa a 150 euros, sem incluir água e eletricidade, transporte urbano a 25 euros\mês, nem falaremos das despesas de saúde e da educação, ou seja um salário escravo incomportável com o mínimo de existência das despesas familiares;
c) As desigualdades sociais crescem vertiginosamente em consequência da injusta repartição dos rendimentos, o salário escravo suporta os grandes rendimentos do capital (lucro, juros e renda) e com um nível de desemprego alarmante;
Com efeito, não querendo açambarcar o tema deste artigo, quero dizer a Miguel Sousa Tavares que Cabo Verde é também a terra onde a injustiça nasce a cada dia, prolifera a corrupção e aumenta o número dos náufragos da glória.
No entanto, quero incidir sobre o tema “Cabo Verde, o paraíso dos criminosos de colarinho branco” e entre os muitos casos, como a:
i. Máfia dos terrenos na Câmara Municipal da Praia (estima-se que o Estado foi prejudicado em 2.000.000.000$00) o que motivou a prisão, por uma noite, do ex-Secretário do Estado e ex-Bastonário da Ordem dos Advogados, Arnaldo Silva, que meses antes havia sido condecorado pelo ex-Presidente da República, Jorge Fonseca (Arnaldo Silva que, alguns dias depois da sua prisão, disse que era necessário parar o Ministério Público e de seguida o Procurador-geral da República, Óscar Tavares, foi substituído pelo atual Procurador-geral da República, José Landim, apesar do bom trabalho que vinha fazendo no combate a crimes econômicos);
ii. Máfia dos terrenos na Câmara Municipal da Boa Vista – um festival de doação e venda fantasma dos terrenos a amigos e familiares do ex-autarca;
iii. Fundo Ambiente (estima-se que o Estado foi prejudicado em 500.000.000$00);
iv. Movimentação das contas bancárias do Tribunal da Praia;
v. Uma suposta lista dos mortos que todos os meses levantavam do cemitério para se dirigirem a uma Câmara Municipal, onde o ex-autarca, hoje, alto funcionário do Estado, pagava os seus salários;
vi. O contrato de mútuo bancário entre o BAI e a empresa Evolutions no valor de 174.656.000$00, envolvendo a Câmara Municipal da Praia liderada pelo ex-autarca, Óscar Santos;
vii. Os terrenos do Santiago Golf Resort na Praia;
viii. Sambala Village, empreendimento turístico em São Francisco na Cidade da Praia, envolto em contenda;
São casos e mais casos e por agora vou ficar com o NOVO BANCO e o MERCADO DE COCO.
1. Caso Novo Banco
Quando vejo João Rendeiro capturado na África do Sul pelas autoridades, em consequência da falência do BPP (Banco Privado Português), lembro-me logo do caso cabo-verdiano, O NOVO BANCO, falido por incúria de gestão e desvio da missão principal que norteou a sua criação com o dinheiro do Estado.
A falência do NOVO BANCO fez com que mais ou menos 1.000.000.000$00 do dinheiro do contribuinte fosse queimado de noite para o dia, num país onde um terço da população vive no limiar da pobreza extrema.
Pergunto, onde estão os culpados pela falência do Novo Banco? Se em Portugal, a justiça perseguiu João Rendeiro pela falência do BPP, aqui em Cabo Verde os culpados pela falência do NOVO BANCO vivem no paraíso dos criminosos de colarinho branco com a cumplicidade da justiça. Aliás, a ineficácia da justiça no combate a crimes econômicos tem contribuído para a transformação deste país num estado cleptocrático.
2. Mercado do Coco
Esta é uma matéria que envolve o atual Primeiro-ministro e é, por isso, que o Tribunal de Contas vem recusando o pedido de uma profunda auditoria às contas deste investimento público, pois a nomeação do Presidente do Tribunal de Contas é proposta pelo Governo, logo, a conclusão óbvia é a dependência do TC, limitando o cumprimento da sua missão de cuidar das contas e do dinheiro do contribuinte. São 1.300.000.000$00 de dinheiro público investido neste elefante branco – MERCADO DO COCO -, o equivalente a 433 casas construídas a custo controlado de 3.000.000$00.
Sendo bem público, fosse um Estado de direito a sério, qualquer cidadão podia desencadear um processo de denúncia da má gestão do dinheiro público e jamais receberia a recusa do Tribunal de Contas.
Enfim, quais os fundamentos legais para que Cabo Verde seja o paraíso dos criminosos de colarinho branco?! O caminho para uma cleptocracia está sendo feito com a questão da nomeação do Procurador-geral da República, do Presidente do Tribunal de Contas e com a lei n.º 85/VI/2005, de 26 de dezembro, que define e estabelece os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos, as lacunas desta mesma lei, estes serão assuntos dos próximos artigos!
Um abraço a todos!
Praia, 8 de outubro de 2022
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 789, de 13 de Outubro de 2022