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Economia

Grupo de combate à fome: Taxas bancárias para pequenos montantes impedem emigrantes de contribuir mais

O Grupo de Acção Cívica pela Segurança Alimentar e Nutricional (GACSA), que em Agosto lançou uma campanha de apadrinhamento de famílias vulneráveis, com uma cesta básica mensal, queixa-se das elevadas taxas de transferência bancária para pequenos montantes. Uma situação que está a impedir que mais emigrantes contribuam para esta causa. Mesmo assim, até agora, já há 22 famílias que estão a receber assistência  em quatro municípios.

Ângela Coutinho, historiadora e porta voz do GACSA, explicou ao A NAÇÃO que as elevadas taxas de transferência internacional, praticadas pelos bancos, mesmo que para pequenos montantes, estão a “atrapalhar” o projecto. 

Como diz, isso está a fazer com que menos cabo-verdianos estejam em condições de contribuir, por pouco que seja, neste projecto em que o alvo é o combate à fome de famílias carenciadas, especialmente com pessoas com deficiência e idosos isolados.

“Muita gente na Diáspora quer apoiar-nos com pequenos montantes, e vê-se impedida de fazê-lo. Por exemplo, se você quiser ajudar estas famílias em Cabo Verde com 10 euros por mês, terá de pagar 45 euros pela transferência!”, explica.  

Hipóteses para contornar situação

Para contornar a situação, e para que as pessoas que querem ajudar mesmo com montantes mais baixos, a nossa interlocutora garante que o Grupo está à procura de soluções.

“Ver se é possível juntar os montantes de vários padrinhos e madrinhas e fazer um envio por Western Union, por exemplo, ou até, montar campanhas de crowfunding, sempre com o apoio de voluntários”. 

Contudo, mostra-se incrédula com a situação, especialmente num contexto de crise, que não é só de Cabo Verde, e que agora se vê agravada pela conjuntura de guerra na Ucrânia e seus impactos no nível de vida das populações com menor poder de compra, face à inflação.

“Não haveria a possibilidade de se criar um mecanismo especial para que as diásporas ajudem os seus países de origem, baixando significativamente e de forma excepcional e pontual as taxas de transferência bancária para pequenos montantes? Repare, nós fazemos parte dos grupos sociais que estão a ser mais atingidos por esta crise, na Europa e nos Estados Unidos da América. Havendo hipótese de ajudar, para muitos de nós, será com pequenos montantes”, questiona.  

Mecanismos especiais para situações humanitárias

Uma ideia, segundo diz que pode até ser considerada “impraticável”, ou até uma “heresia”, vinda de quem não domina o sector financeiro, mas que do ponto de vista de uma historiadora, a estrutura financeira não é mais do que uma forma de as sociedades se organizarem.

“E estas formas são necessariamente múltiplas e têm necessariamente de se adaptar às mudanças. Todos juntos, poderíamos fazer a diferença… E julgo que conseguiremos! Somos tantos fora… se pudéssemos mandar 10 euros por mês, com uma taxa, vá de 1 euro, poderíamos conseguir muito mais ajudas”, sugere. 

Ângela Coutinho lembra que num momento em que tantas pessoas no “mundo” precisam mesmo de “ajuda alimentar directa”, “pois não vai haver outra via”, medidas do género seriam muito “importantes” para os países de emigração, e de seca, como Cabo Verde.

“Muitos países do Sahel, que têm uma forte emigração, poderiam ter interesse nisso – um abaixamento das taxas para transferência bancária por parte das diásporas, para apoio humanitário nesta fase de tripla crise. Seria uma forma de os bancos colaborarem, também”, conclui. 

22 famílias já estão a beneficiar das acções do Grupo de Acção Cívica pela Segurança Alimentar e Nutricional

Mesmo com as elevadas taxas praticadas pelos bancos nas transferências internacionais, desde Agosto que o Grupo de Acção Cívica pela Segurança Alimentar e Nutricional (GACSA) se vem organizando e já está no terreno. Estando já apoiar 22 famílias devidamente identificadas, que estão a receber as suas cestas básicas, mensais.

Voluntárias da Grupo de Acção Cívica pela Segurança Alimentar e Nutricional (GACSA), entregam cestas básicas

Especialmente, como revela Ângela Coutinho, quando a insegurança alimentar em Cabo Verde aumentou de 3% em 2019, para 30% agora.

“Já conseguimos apadrinhar 5 famílias no Porto Novo, 6 em S. Domingos, 6 na Praia e 5 em S. Vicente. No total, 22 famílias com alimentação integral e completa, de acordo com os padrões da FAO. Estamos a montar Grupos Locais na Ribeira Grande de Santiago e em Santa Cruz”, revela, agradecendo desde logo a todos os que têm contribuído para que isto seja possível.     

Apesar das dificuldades, essa activista, mostra-se satisfeita, pois afirma que estão a contar com mais donativos do que estavam à espera.

“Sendo que pedir dinheiro é sempre muito delicado, e tendo em conta o facto de que estamos a pedir dinheiro a concidadãos que não conhecemos, para apoiar outros concidadãos que também não conhecemos.  Normalmente, as pessoas na diáspora apoiam directamente os seus familiares ou amigos, ou ainda, a sua comunidade de origem”, esclarece.

Transparência

No caso deste projecto, pede-se que os cabo-verdianos ou seus descendentes, de qualquer ilha ou concelho, apoiem outros, nos concelhos identificados pelas autoridades como sendo os “mais atingidos” neste momento pela insegurança alimentar.

“As pessoas estão muito engajadas e muitas outras pessoas mostram-se interessadas e dão-nos muito incentivo moral. Estamos cientes de que há pessoas a observar atentamente as nossas acções e mecanismos de controlo, para tomarem uma decisão final. É muito importante que percebam bem como é que as famílias são seleccionadas e como é que podem assegurar-se de que os alimentos são de facto entregues”, admite. 

Nesse contexto, tendo em vista toda a transparência, o Grupo definiu, internamente, a adopção de protocolos que passam pelo preenchimento de fichas e formulários, comprovativos das compras, a assinaturas por parte das famílias apadrinhadas para que possam “prestar essas contas” aos padrinhos e madrinhas.

Engajamento de todos

A nossa fonte garante que este primeiro projecto, de carácter emergencial, de apoio alimentar directo a determinados grupos de famílias economicamente vulneráveis, é já um “sucesso”. Nisso destaca o esforço “muito grande” dos membros do GACSA.

“O nosso projecto tem sido muito bem acolhido pelas diversas instituições que já actuam no terreno a esse nível, assim como pela Câmaras Municipais. Assim, por exemplo, em Santo Antão estamos a colaborar directamente com a Casa da Criança, no Porto Novo, e com as instituições religiosas, apoiando famílias já previamente identificadas, mas que ainda não tinha sido possível incluir nesta rede de apoio alimentar directo”.

Cestas básicas entregues pelas Voluntárias da Grupo de Acção Cívica pela Segurança Alimentar e Nutricional (GACSA)

O mesmo sucede em São Vicente, onde foram “muito bem” acolhidos por diversas ONGs. “Iniciámos uma colaboração directa muito rica com a OMCV/Banco Alimentar Contra a Fome-Fundação Donana, que tem sido muito dinâmica a este nível”, informa.

Já na capital, o GACSA está a colaborar directamente, nos “mesmos modelos”, com associações de portadores de deficiência. “Começámos com a Colmeia e a ADEVIC. É com alguma emoção que digo que em São Domingos o GACSA conseguiu montar um Grupo Local de raiz, dirigido por uma professora que reside na cidade da Praia, a professora Maria Martins”.  

Apadrinhamento

Quanto ao apadrinhamento, os objetivos também têm sido alcançados. “Temos neste momento padrinhos e madrinhas que residem em Cabo Verde, nos Estados Unidos da América e em Portugal, países onde a nossa campanha foi mais intensa. Temos alguns benfeitores, eu diria, muito generosos, e o montante que definimos permite que os que têm mais limitações financeiras neste momento possam também participar”.

O importante, acrescenta Ângela Coutinho, é que todos sintam que esta é uma causa que “nos deve unir, no país e na diáspora”, tanto os que neste momento “crítico” possam ajudar com “mais dinheiro”, como os que podem dar um apoio que será simbólico.  

“Uns com dinheiro, outros com o seu tempo de voluntariado, e outros ainda, que nos contactam e que partilham ideias e experiências, julgo que tem sido um grande ganho para todos quantos decidiram embarcar nesta aventura de combate pela nossa dignidade enquanto cabo-verdianos”, conclui.

Como apoiar?

O Grupo de Acção Cívica pela Segurança Alimentar e Nutricional (GACSA) assume-se como independente a nível partidário e engloba vários cidadãos de diferentes quadrantes da sociedade. Para mais informações os interessados em apadrinhar uma família podem os contatar através do email gadsan2022@gmail.com.

Neste momento, estão a pedir uma contribuição mínima equivalente a 1 000 escudos ou a 10 euros, 1 só vez, durante 3 meses, 6 meses ou 1 ano.

Na página do Facebook Grupo de Acção Cívica pela Segurança Alimentar e Nutricional também podem encontrar mais informações. 

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 789, de 13 de Outubro de 2022

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