Por: Aidê Carvalho
Nasceu no dia 15 de agosto de 1927 em Famalicão, Portugal. Um dia Santo, em que a Igreja Católica celebra a Assunção da Virgem Maria, mãe de Jesus Cristo, aos céus. A cinco anos de completar um século de vida, Padre Campos, continua a desempenhar a sua nobre missão, com lucidez e amor ao próximo. O missionário espiritano abraçou a causa das camadas mais desfavorecidas em Cabo Verde, há 68 anos. Hoje (segunda-feira), no dia em que comemora 95 anos primaveras, este sacerdote é considerado como o símbolo da persistência missionária.
A viagem, de barco, até Cabo Verde, demorou nove dias. Era outubro de 1954 quando Custódio Ferreira de Campos, ou simplesmente Padre Campos, desembarcou no porto da Praia, trazendo uma mala que continha poucas peças de roupa, mas, no coração, muita vontade de servir a Deus e ao seu povo, com total desprendimento.
Iniciou a sua missão no Tarrafal de Santiago, na altura do encerramento da primeira fase do Campo de Concentração, também conhecido pelo “Campo de Morte Lenta”, tendo por ali passado 340 presos políticos, de 1936 a 1954, de entre os quais 34 morreram. O Campo seria reaberto em abril de 1961, para receber presos políticos dos movimentos de libertação de Angola, Guiné-Bissau e Cabo Verde. Apenas seriam libertados a 1 de maio de 1974.
Padre Campos, logo após a sua chegada, procurou compreender melhor a história de Cabo Verde, dominar o crioulo e colocar-se, sem reservas, ao serviço do evangelho. Em tempos marcados pela crise, seca e miséria, o missionário percorreu, ainda, S. Domingos, Praia, Boa Vista, Maio e Ribeira Grande de Santiago (Cidade Velha), levando mensagens de fé e esperança ao povo que o acolheu com muito amor. A caridade foi sempre a sua marca instintiva. Durante a sua missão, também partilhou bens de primeira necessidade com famílias pobres que foi identificando ao longo da vida.
Moto era a sua paixão
Para melhor servir as comunidades que lhe estavam confiadas e para poder chegar a todos, em especial os lugares de mais difícil acesso, Pe. Campos aprendeu a andar de moto. Lembra que a sua primeira moto, uma JS, custou-lhe, na altura, 12.500 escudos. Conta que na Boa Vista, além do carro do Sr. Arcádio Monteiro, a sua mota era o único veículo e que foi de grande utilidade. Nesta ilha turística, viveu cinco anos de intensa e agradável missão.
O Sacerdote fazia tarefas além da sua missão pastoral. Ele deslocava-se do interior para a cidade, percorrendo longa distância para, por exemplo, tirar uma certidão de quem era “analfabeto/a” ou que não tinha condições para se deslocar. Passou anos e anos a percorrer instituições do Estado, procurando documentos para aqueles que necessitavam e não sabiam onde os encontrar. Também, era apelidado de “Carteiro”, “Caxeiro Viajante” e “Banco Móvel”. Segundo conta um Sacerdote, o Padre Campos tinha sempre uma bolsa grande pendurada ao pescoço, onde transportava géneros alimentícios e outros artigos que as pessoas mandavam-lhe comprar ou que angariava para os mais necessitados. Ele recebia, ainda, dinheiro dos emigrantes e levava aos seus destinatários.
A moto era sua companheira de missão e aventuras. Aliás, uma verdadeira paixão, apesar de várias quedas que sofreu, mas sem gravidade. A separação da motorizada, deveu-se à idade avançada, já na casa dos 80 anos de idade.
Cabo Verde é onde quer morrer e ser sepultado
Quase a completar 70 anos em Cabo Verde, Padre Campos natural de Famalicão, distrito de Bragança, é “um minhoto português com certeza”, mas, também, não tem dúvidas onde quer passar o resto da sua vida. Desde a sua chegada ao arquipélago, visitou Portugal apenas duas vezes, sendo que a última aconteceu no início dos anos 80. Cabo-verdiano por lei e afetos, dono de um crioulo fundo de Santiago, onde passou a maior parte da sua vida. Diz que, quando morrer, quer ser sepultado aqui neste país adotivo, onde esteve sempre disponível a servir.
A sua marca está espalhada por várias Igrejas, Capelas e Jardins Infantis que mandou construir, além da obra espiritual. Por exemplo, a visita aos doentes nos hospitais e acamados em casa foi sempre uma rotina. A alegria com que partilha a sua vida missionária é uma inspiração.
As qualidades de humildade e amor ao próximo de Pe. Campos, o missionário mais antigo no arquipélago, são reconhecidas por todos. Foi condecorado pelas autoridades Cabo-verdianas e Portuguesas e recebeu várias homenagens, entre as quais, a dos Correios de Cabo Verde, que atribui a sua figura ao selo de 60 escudos. A imagem que percorre o mundo, através da correspondência, é da autoria do artista plástico Domingos Luísa.
Servir até ao fim
Depois da Cidade Velha, onde foi Pároco da Freguesia de Santíssimo Nome de Jesus, os últimos anos do Pe. Campos estão a ser vividos na Casa Principal dos Espiritanos, na Praia. Neste concelho onde está situada a sede da Fundação Padre Campos, o missionário da Congregação do Espírito Santo, apesar da idade avançada, continuou a sair ao encontro dos mais pobres, inclusive durante o tempo da pandemia. Entretanto, tendo em conta o risco de contágio e a vulnerabilidade dos idosos, foi obrigado a suspender a evangelização nos bairros, passando a celebrar, todos os dias, na comunidade dos Espiritanos, na Praia, a apoiar semanalmente nas confissões na paróquia de Nossa Senhora da Graça e nos demais lugares onde, sobretudo nos tempos fortes, vai sendo solicitado.
Considerado por muitos, “uma encarnação do Evangelho” e “um Santo vivo”, Pe. Campos é amado por todos. E, com sorriso estampado no rosto, diz que também ama o povo a quem foi enviado e que pretende servi-lo até ao seu último suspiro.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 781, de 18 de Agosto de 2022