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Economia

A saga de quem viaja de barco

Manuel Amante da Rosa

Desde o início da sua reforma que o diplomata cabo-verdiano Manuel Amante da Rosa se tem dedicado a conhecer as ilhas do país, de barco. Um sonho antigo que começou a pôr em prática, mais recentemente, e que já o levou a conhecer de perto a realidade de quem precisa dos transportes marítimos para se locomover entre as ilhas. Uma experiência que desafia outros cabo-verdianos, sobretudo com responsabilidade, a fazer para ver o “inferno” que é este tipo de transporte em Cabo Verde. 

Nas viagens, inter ilhas, feitas de barco, as aventuras e as emoções acabam por ser inúmeras. “Nunca se sabe se o navio vai partir, se não vai partir, se sai na data prevista, a horas… Os navios não oferecem também condições. Uma coisa era viajar quando jovem, outra coisa é viajar com a idade que eu tenho”, começa por atestar Amante da Rosa.

Quanto aos navios diz que “talvez” o ‘Chiquinho’ e o ‘Mar de Canal’ são os que oferecem “melhores condições” porque os outros são “velhos, com muitos problemas”.

 “São navios muito incómodos, há gente que faz viagens em 24 horas. Só para ter uma ideia, uma viagem actual de São Vicente para a Praia, faz-se em quatro ou cinco horas até São Nicolau, fica-se uma hora lá, depois sai-se e vai-se para o Sal, são mais oito horas, e, depois, faz-se Sal para a Praia, que são mais umas nove horas”, exemplifica. 

Ainda sobre o ‘Chiquinho’, Amante da Rosa acredita que o navio “dá bem para o percurso que está a fazer”, na ilha São Vicente-Santo Antão, mas acredita que “não é confiável”. “É um navio para lagos ou rios e não e para esse mar”.

Já a aquisição do Dona Tututa, diz que foi uma “asneira enorme”. “Tem um handicap, não tem camarotes, não oferece condições nenhumas para uma pessoa fazer uma viagem de oito, dez ou 12 horas”.

As condições de viagem, reforça, no geral, deixam muito desejar, do ponto de vista do conforto. “Tudo isso sentado, não há beliches, as cadeiras não são cómodas, não foram feitas para viajar por longas horas, e ninguém entende isso, o sacrifício que é para um passageiro, ou para uma mulher rabidante, fazer estas viagens constantemente”, lamenta.

Pela sua experiência de passageiro, defende que os melhores navios que temos são o ‘Mar de Canal’, o ‘Interilhas’ e o ‘Praia d’Aguada’. “Mas eu tive azar de viajar no Praia d´Aguada no verão, não havia ar condicionado”.  

Olhando para a experiência que tem vivido, que é a realidade de muitos cabo-verdianos, este diplomata de carreira é da opinião que, senão tivéssemos “investido tanto nos aviões”, e se tivéssemos “pegado parte dos avales que concederam (à TACV) e tivessem empregue alguns numa parceria público-privada, com alguns armadores nacionais, tenho a certeza que estaríamos em melhores condições”, defende. 

Do seu ponto de vista e experiência, em Cabo Verde dever-se-ia optar por navios roll-on, roll-off, que dêem, no mínimo, “14 a 15 milhas, que é para encurtarmos  o tempo das viagens” e apostar em navios que tenham beliches “para quem quiser”.

Cancelar contrato com Cabo Verde Interilhas (CVI)

Numa ponte entre o passado e o presente, Amante da Rosa acredita que, na época colonial, estávamos “melhor” servidos. “Depois da Independência, houve a preocupação de meter aqui uma companhia estatal, que preencheu muito o vazio que existiu logo a seguir à Independência. Depois venderam esses navios, ou desfizeram-se deles, e nunca mais tivemos capacidade de montar uma linha marítima segura em Cabo Verde”, lamenta. 

Depois das várias tentativas de mitigar o problema ao longo dos anos, apesar de “não conhecer o acordo de concessão, nem os anexos”, acredita que esta privatização, neste mar de problemas, foi um erro.

“Cabo Verde engajou-se em pagar um custo diário nas linhas deficitárias e também um custo diário por combustíveis, avarias, seguro e, isso tudo, no fim do ano corresponde a uma despesa de cerca de três milhões de euros para Cabo Verde”.

Nesse contexto, acredita que o contrato com a CVI devia ser cancelado. “Como já se viu, não deu resultados. Desde 2019, andamos nisto, eles (os donos da companhia) não têm fundos, nem liquidez para meter aqui navios modernos, como estava no contrato, o Estado não tem dinheiro para assumir as despesas que prometeu que iria assumir, então é melhor nos pensarmos numa outra alternativa”.

Parceria público-privada

Nesse contexto, o nosso entrevistado diz que o melhor caminho a seguir seria uma parceria público-privada, onde o Estado se encarregaria de arranjar financiamento para a aquisição de, pelo menos, três navios roll-on roll-of, “um pouco no estilo dos navios de Barlavento e Sotavento que cá estiveram”. “Pequenos, mas com uma capacidade de navegação muito boa, mas adaptados para roll-on roll-off”.

Esse diplomata de carreira gostava que a situação marítima permitisse a “inclusão do território”, e que não tivéssemos problemas “de viajar para qualquer sítio, a qualquer momento”.

Isto, tendo em conta que o transporte marítimo “é crucial” para um país arquipelágico, “muito mais que a aviação”. 

“Os preços não são caros, e acho que se deveria manter o preço e racionalizar melhor e reduzir os custos da administração”, sugere.

Contudo,  por não querer ser “bota abaixo”, essa fonte também aponta coisas positivas na privatização, desde logo, o facto de passarmos a ter uma companhia única e não fragmentada como anteriormente. 

“Antes a navegação era feita através das companhias de armadores que havia, como a Polaris, e outras, e que utilizavam esses navios e não se tinha a noção exacta do número de passageiros transportados, por exemplo. A partir do momento que apareceu a CVI há uma companhia e só se compra bilhetes nela, e isso é um aspecto muito positivo”, finaliza.   

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 787, de 29 de Setembro de 2022

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