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Economia

Agruras e desventuras para quem quer viajar em Cabo Verde

Os constrangimentos enfrentados pelos passageiros nos aeroportos e portos em Cabo Verde dariam uma odisseia. Viagens que não acontecem na data marcada e passageiros entregues à própria sorte, por falta de informação, são alguns dos muitos aborrecimentos, transtornos e prejuízos que qualquer utente corre o risco de sentir na pele. Há até o caso de um passageiro, na Praia, que para chegar ao Sal teve primeiro de ir a Lisboa e depois aterrar na ilha “mais turística” de Cabo Verde.

Betty Fortes, directora financeira de um hotel, viaja com frequência para a ilha de São Vicente, desde que passou a residir no Sal, onde trabalha há mais de vinte anos. Como relatou ao A NAÇÃO, este ano todas as viagens feitas por ela e familiares foram repletas de “problemas”.

“Este ano inteiro, tanto eu como a minha família tivemos sempre problemas em todas as viagens. O constrangimento principal nem é o atraso, mas sim a falta de informação e a falta de respeito com os passageiros”, diz Betty Fortes.

Como relata, em Julho programou uma viagem de barco para São Vicente marcada para o dia 16, no entanto, só conseguiu efectivar a viagem no dia 20. “Desde 2006 que faço viagens de Sal/São Vicente/Sal e nesses últimos anos isso está piorando… Caindo de cabeça mesmo por causa desses constrangimentos frequentes. Tinha uma viagem marcada para o dia 16 de Julho e só consegui viajar de barco no dia 20 para São Vicente”.

Tudo porque, chegado o dia da viagem, recebeu uma mensagem da CV Interilhas que afinal a partida não seria nesse dia. “Tentei várias vezes saber sobre a viagem e no dia 20 recebi outra mensagem para estar no cais às 18h, e só embarcamos por volta das 2h da madrugada”, completa Betty Fortes.

Problemas e mais problemas

Betty Fortes diz ainda que os problemas enfrentados numa viagem de uma ilha para outra não se limitaram a ela. “Minhas irmãs viajaram de avião com horas de atrasos e ninguém da Bestfly disse uma única palavra; não se consegue falar com a companhia de nenhuma forma. E minha sobrinha tinha de estar na ilha do Sal às 13H para assim viajar para o Luxemburgo, mas perdeu o voo de ligação porque chegou à 00:01 da madrugada”, acrescenta.

Neste caso, “a minha sobrinha teve que comprar outra passagem de ida ao Luxemburgo, por 700 euros. Foi responsabilidade da Bestfly, mas ninguém se responsabiliza”.

Regresso de férias atribulado

Paulo César Ramos é um outro caso, que também passou por momentos desagradáveis quando regressava das férias com os dois filhos, numa viagem de São Vicente com destino final na Boa Vista.

Residente em Sal-Rei, esse empresário conta que viajou com duas crianças, de 10 e 12 anos, para embarcar no dia 07 deste mês com destino à Praia, de onde era suposto apanhar um outro voo de ligação para Boa Vista, ainda no mesmo dia.

“Tínhamos que sair de São Vicente por volta das 13H, chegar à Praia perto das 14H e apanhar o voo Praia-Boa Vista, às 16h30. Isso tudo no mesmo dia, 07 Setembro. Portanto, desde às 11h deste dia, chegámos ao aeroporto para fazer o check in e logo nos informaram que o voo estava atrasado e mais tarde vimos no ecrã do aeroporto que a previsão de saída seria para as 15h50”.

Entretanto, as horas se passaram e Paulo Ramos diz que não recebeu “nenhuma notícia, explicação ou assistência da Bestfly”.

Falta de apoio

“A CV Handling dizia que nada poderia fazer porque a assistência tinha de ser da Bestfly. Mas não havia ninguém a representar a companhia. Não ofereceram sequer água ou alimentação, nem pediram que voltássemos para casa, nem nos hospedaram em lugar nenhum. Simplesmente ficamos à espera”, lamenta.

“Uma situação angustiante, porque perdemos o voo de ligação para Boa Vista. As pessoas já estavam a dormir no chão e nas cadeiras. Havia uma senhora diabética no grupo e uma outra até passou mal e teve de ir a uma clínica na cidade”, recorda.

Já na madrugada do dia 08 foram avisados que o voo estaria previsto para às 02:00 mas só saíram de São Vicente às 04:00.

“Ao chegarmos à Praia havia somente um condutor de um Toyota Coaster com instruções para levar os passageiros que deveriam seguir voo para Boa Vista para um hotel. Ficamos no hotel com a única informação de que deveríamos apanhar o voo do dia seguinte, para o nosso destino. E em nenhum momento alguém da Bestfly nos contactou”.

No outro dia, chegando no aeroporto outro problema: os nomes dos passageiros da Boa Vista não estavam inseridos no voo indicado.

“Aparentemente, foi um voo que deveria seguir para a ilha do Sal e fomos metidos nesse voo, mas o sistema informático ainda não tinha esse registo, portanto o voo teve de sair atrasado cerca de 2h por causa disso”, assegura Paulo Ramos.

Legislação

Nesses casos, a lei regula algumas medidas que devem ser tomadas nos termos dos artigos 6º, 7º e 8º do Decreto-Lei nº35/2006, de 26 de Junho, que estabelece os direitos dos passageiros, em caso de recusa de embarque contra a sua vontade, cancelamento e atraso de voos.

Quando uma transportadora aérea tiver motivos razoáveis para prever que em relação à sua hora programada de partida um voo vai se atrasar por duas horas ou mais ou, ocorrer um atraso de igual período, ela é obrigada a oferecer, de forma gratuita assistência, nomeadamente, refeições, bebidas não alcoólicas (proporcional ao tempo de espera) e comunicação.

E caso haja necessidade de pernoitar ou estadia adicional, a companhia deve disponibilizar alojamento num hotel, transporte entre o aeroporto e o local de alojamento (hotel ou outro).

Nos atrasos superiores a 4 horas, se a viagem já não se justificar ou se o passageiro decidir não viajar, pode solicitar o reembolso do custo do bilhete no prazo de 7 dias, do preço total de compra do bilhete.

Negócios perdidos

Na Praia encontramos Laura Grellet, que trabalha na parte comercial de uma empresa nacional de refrigerantes e cervejas e se viu prejudicada quando perdeu um dia de encontros profissionais na ilha de São Vicente devido ao atraso de seu voo.

“Eu tinha um voo marcado com a Bestfly da Praia ao Mindelo, o voo saía às 08:00, fui ao aeroporto às 06:00 como recomendam duas horas de antecedência, e ali no balcão do aeroporto me disseram que o avião só ia sair às 11:40”.

Diante disso, Laura Grellet resolveu voltar para casa e regressar ao aeroporto às 10:00. “Volto às 10h e encontro o aeroporto cheio, faço o check in da mala, entro na zona de embarque por volta das 11:00 e fico à espera. Por volta de 12h30, já na sala de embarque, nos avisam que o voo já não ia sair e que teríamos de ir para o hotel almoçar e que o avião iria sair às 19h”.

Mesmo assim, Laura conta que o autocarro despachado no aeroporto não conseguiu transportar todo o mundo, neste sentido decidiu ir embora pelos próprios meios. “Voltei pela terceira vez às 18h00 ao aeroporto de Praia e só conseguimos sair por volta das 19h00. Mas me fez perder um dia de visita de trabalho”.

Sair de Cabo Verde para chegar à ilha do Sal

Um caso inesperado e inusitado foi o que aconteceu com o Steve, um belga que programou com a esposa passar 10 dias na ilha do Sal para aproveitar o festival em Santa Maria. Saiu da Bélgica em direcção ao Senegal e de onde deveria embarcar para Cabo Verde, na expectativa de dias de calor, mas teve uma tremenda “dor de cabeça” nesse processo.

“Eu e a minha mulher vivemos na Bélgica e reservamos um voo de Dakar para o Sal, no dia 15 de Setembro às 05:00, numa reserva online no site ‘la bourse des vols’ pagamos aproximadamente 500 euros para dois voos de Dakar para a ilha do Sal”.

No entanto, acrescenta, “quando chegamos a Dakar vimos que não recebemos os bilhetes para ir na ilha do Sal e neste momento era impossível fazer o check-in no site. Contactamos a ‘bourse des vols’ e nos deram um bilhete com um número para ir para aeroporto e fazer o check-in com o número enviado. Só que no aeroporto de Dakar disseram-nos que há cinco meses que a Cabo Verde Airlines, que deveria fazer o voo, não faz opera na linha Dakar-Sal”.

Assim, Steve e a esposa ficaram retidos em Dakar e que após alguns aconselhamentos decidiram vir para Praia e a partir daqui embarcar para a ilha do Sal.

Gastos e mais gastos

“Pagamos novamente aproximadamente 500 euros para chegar à cidade da Praia e posteriormente ir à ilha do Sal de barco. Mas também não foi possível, porque os barcos estavam lotados”.

Steve já havia reservado um apartamento, já tinha comprado os bilhetes para o festival e tinha uma programação feita de 10 dias completos na ilha do Sal, porém, não conseguia chegar ao destino nem de barco nem de avião.

“Tentamos ver os voos de Praia para o Sal mas o próximo era somente na quinta feira; assim, a nossa estadia iria durar somente dois dias, na escolha dessa opção íamos perder muito dinheiro, então resolvemos apanhar um avião para Lisboa e dali embarcar num outro directo à ilha do Sal”.

Assim o fizeram, pegando um voo Praia/Lisboa no dia 17 de Setembro às 12h20, com uma escala de três horas em Lisboa e depois fizeram o voo para a ilha do Sal. “Chegamos sábado, 17 de Setembro, às 00:00 à ilha do Sal, onde deveríamos chegar dois dias antes”.

Resumindo, Steve e a esposa fizeram dez horas de voo para chegar na ilha do Sal sabendo que uma viagem Praia/Sal tem uma duração de aproximadamente 30 minutos. 

“Perdemos muito dinheiro e ficamos 18 horas no aeroporto de Dakar, dois dias na Praia e tivemos que ir a Lisboa para conseguir chegar à ilha do Sal. Um autêntico escândalo porque perdemos aproximadamente 1000 euros de bilhetes somando o alojamento na Praia, faz um total de 1300 euros perdidos e ainda perdemos dois dias de festival”, conclui, dizendo que jamais pensou viver experiência igual.

Por: Tiana Silva

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 787, de 29 de Setembro de 2022

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