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Centro histórico da Praia de candidato… a… candidato…

Por: Carlos Carvalho

Muitas pessoas, até do exterior, me abordaram para saber minha opinião sobre as agressões ao património da nossa mal-amada… cidade-capital, Praia… e os embargos decretados pela instituição a que pertenço.

Este é o assunto do momento.

Refiro-me, claro, 1° ao edifício “Bodona” e agora a Luso-Africana, ambos situados em pleno Centro Histórico (CH) da cidade-capital… portanto… na barba kara da CMP e… do IPC!!

Fica-me difícil opinar, pois que, alguma reserva se me impõe, fazendo parte e tendo sido, por algum tempo, principal responsável da instituição que tem a atribuição 1ª e última de zelar pela defesa do nosso património cultural.

Mais. Esperava que quem com “competência” na matéria” saísse em defesa de nosso património… e viesse dar alguma explicação sobre o sucedido. 

Não acontecendo…e… se tratando de coisa/causa de nós todos… ficar calado…

Breve histórico

Não sendo um artigo científico, não vou citar fontes, como manda a ciência. Este “Breve Histórico” serão só pinceladas para introduzir o tema.

A Praia entra na história do arquipélago no longínquo séc. XVI, quando “reinava” a Ribeira Grande, nossa, hoje, Cidade Velha (CV)-Património da Humanidade (PH).

Sua lenta ocupação e evolução levou a que só no séc. XIX, ganhasse o estatuto de jure e de facto de cidade-capital do arquipélago colonial.

Tornou-se “capital” ainda no séc. XVIII.

Torna-se cidade nos finais do XIX, altura em que quase todos os Centos Históricos (CHs), ao contrário da nossa Cidade Velha, se consolidam.

Trabalhos científicos específicos sobre o nascimento, evolução, consolidação do CH da Praia são poucos. Quem quiser conhecer mais e melhor a história da Praia, alguns autores são incontornáveis: nos volumes da História Geral de Cabo Verde; Ilídio do Amaral; António Correia e Silva; Lourenço Gomes; ou, o mais simples, recentemente publicado: Calendário da Praia-2022.

Aconselharia igualmente aos interessados o Álbum Cartográfico de Cabo Verde para verem a Praia do séc. XIX-XX, deixada pelos portugueses, em 1975, para comparar com a Praia, seu CH, que temos hoje.

De uns pobres casebres, iniciais, ela, ao longo dos séculos, foi-se transformando no burgo que, hoje, conhecemos.

De facto, chegamos à independência com um CH pequeno e bem preservado, situado no alto do seu planalto, o que levou a que, no pós-independência, ganhasse o galicismo de “plateau”.

Antes só se dizia: n’sta subi Praia.

Todos sabiam o que isso significava.

No pós-independência, quase não se descortinava uma única agressãozinha que fosse ao CH.

Ruas, jardins, os poucos que existem, edifícios… tudo bem conservados!!

Os principais edifícios, hoje considerados históricos, et pour cause, patrimónios nacionais, quase todos foram construídos no período colonial.

Bonito ver as gravuras antigas da cidade!!!

Mesmo nos primeiros anos, pós-independência, quase tudo se mantinha intacto. 

Mas, a capital foi-se transformando.

Os quadros, recém-formados, foram chegando ao país e a pressão demográfica começa a se fazer sentir.

Se não me engano, os “blocos” do Ténis foram os primeiros a romperem a harmonia arquitectónica do CH.

No Centro mesmo, ao que me parece foi o prédio das Galerias a intervenção mais emblemática… “dissonante”.

Sendo única, também não constituía motivo de muito “alarde”.

Mas… a semente fora lançada!!

O resto… todos sabem!!

É só irem visitar o CH!!!

CH da Praia…De Candidato a PM

Dou um salto enorme, pois, o espaço reservado não dá para ir, passo a passo, em relação às agressões que se seguiram.

O CH foi incluído, em 2004, na Lista Indicativa apresentada a UNESCO por Cabo Verde para eventual futura inscrição como Património Mundial.

Preenchia o CH as condições para ser inscrito como PM à semelhança da Cidade Velha??

Preenchia!!

Aquando da missão da UNESCO para apoiar CV na elaboração da Lista, os responsáveis da instituição que se ocupava do património (IIPC) não acharam, na altura, procedente incluir o CH da Praia na Lista, entendendo que, já na altura, não se justificava sua inclusão.

Surpreendentemente, já no fim da missão, tendo levado os nossos colegas ao CH, eles entenderam que, sabidos, guardamos o melhor para o fim.

Na verdade, nos convenceram que como a Praia se apresentava, estava melhor que a Cidade Velha, tem história… tem património… estava razoavelmente bem preservado… tem uma malha e estrutura urbana muito interessante… com várias portas de entrada e, claro, de saída… etc., etc., etc.

E, foi assim que até nos aconselharam, ser melhor apresentar a Praia, em detrimento da Cidade Velha, que exigia muito trabalho dado o estado em que se encontrava.

Bom… mas isso foi em 2003-2004-2005, quando foi trabalhada e entregue a Lista.

O que aconteceu depois??

Os governantes na altura decidiram apostar tudo na Cidade Velha e com razão!!

E, em 2009, a Cidade Velha, após intervenções de fundo, vê reconhecida seu Valor Universal Excepcional, e é-lhe atribuída o estatuto de Património da Humanidade.

A Candidato a…!!!

Aí está… o CH, da Praia, sendo, dia-após-dia, delapidado seu património!!!

De um dos principais candidatos a PM transformou-se no principal candidato à despromoção…isto é, a sair da Lista!!

Pior… transformou-se até no principal candidato a sair da lista de Património Nacional (PN) no qual foi alcandorado em 2013.   

De quem é a culpa??

Não é difícil apontar o culpado.

Quem entende minimamente do assunto… sabe quem é o principal culpado.

Alguns esclarecimentos… se impõem!!

Quando um Sítio ou um Bem é declarado PN as responsabilidades das autoridades nacionais multiplicam-se.

Quando um Sítio ou um Bem é inscrito na Lista Indicativa da UNESCO, as responsabilidades das autoridades nacionais multiplicam-se ainda mais.

Quando digo autoridades nacionais, a responsabilidade primeira é da instituição responsável pelo Património do país… é a primeira e última voz… em tudo… o que se projeta e se faz nesse PN.

Nenhuma intervenção é feita… sem seu aval!!

Nem uma janela… ou… porta… se muda… sem seu aval!!

A instituição responsável deve preparar e fornecer às autoridades municipais, responsáveis pela gestão diária do espaço, todos os instrumentos para a correcta gestão do espaço decretado PN.

Nunca a instituição responsável deve correr atrás do “leite derramado”!!

Ela… instituição nacional… deve antecipar todos os passos que a autoridade municipal possa…sequer imaginar!!

Ela…instituição nacional… deve antecipar qualquer intervenção que a autoridade municipal possa sequer imaginar introduzir!! 

Aliás, as duas instituições…a nacional… autoridade principal… e a autoridade municipal… sempre “subalterna”… devem concertar…em todos os momentos… as intervenções a serem feitas nesse espaço…mesmo se para mudar um prego duma casa.

CONCLUINDO:

Algumas questões se impõem:

Que instrumentos de gestão foram postos à disposição das autoridades municipais pela autoridade nacional…responsável pelo património…desde que o(s) CH(s) foi/foram declarado(s) PN??

Que/quais os mecanismos de concertação existem entre as duas instituições responsáveis pela correcta gestão dos CHs desde que foram declarados PNs??

Quantas intervenções foram feitas nos CHs, desde que foram declarados PNs, sem se ouvir a voz responsável e “autoritária” da principal instituição responsável pelo nosso PN??

Quantas intervenções foram feitas, nos últimos anos, no CH da Cidade da Praia desde que este foi declarado PN, sem que se ouvisse a voz da instituição responsável??

É só comparar o estado do CH da Praia, em 2003-4-5…9, e o estado em que se encontra hoje. 

Só um exemplo:

As intervenções em frente ao Hospital… a mais profunda introduzida no CH.

A principal instituição responsável pelo nosso PN, ao que parece, não foi tida…nem achada!!

E…ao que parece… nem deu pela intervenção!!

O caso “Bodona” é paradigmático!!

Da casinha simples… levantou-se…un stribilin di kaza…sem que “quem de direito” dissesse o que quer que fosse… tudu li riba Praia.

E… mesmo ao lado do Bodona…vão ver!!!

No caso do Luso-Africana… ao que parece…a instituição…outra vez…nem foi tida…nem achada…até chegar… ao que chegou!!

Nos dois casos, importante é saber…quando tudo foi decidido…e… por quem!!

E…virão/verão…mais!!!

Se… o Sr. Quem de Direito… não assumir sua responsabilidade!!

E… não foi por falta de aviso!!!

Os embargos, normalmente, são tardios, e não resolvem o problema!!

Nas coisas do património… erro cometido…não se repara!!!

Tentando reparar…normalmente… comete-se outro erro!!!

Para nossa, dos responsáveis de nosso Património Nacional, reflexão!!

Tenho dito!!

07/2022. 

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 778, de 28 de Julho de 2022

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