Aintrodução da matemática nas áreas de humanos e artes não é, de todo, consensual. Há vozes a favor, mas também contra, que temem que a medida provoque uma reprovação em massa entre os alunos.
Tânia Rodrigues, professora de português, é uma das docentes que diz não concordar.
“Nem toda a gente tem aptidão para números e cálculos. Para mim não faz sentido essa introdução na área de humanas. Grandes referências a nível nacional não precisaram estudar matemática para
fazer o trabalho que fizeram. Cesária Évora, Baltasar Lopes, e tantos outros. O sucesso não passa pelo domínio da matemática, mas pela aptidão de cada pessoa”, fundamenta a docente.
Para Rodrigues, obrigar um aluno a ter matemática, quando muitos estão ansiosos por chegar no décimo ano para “se ver livre da disciplina”, por falta de bases, aptidão e paixão, é colocá-lo diante de uma frustração e criar desespero.
“Muitos vão ter problemas em chegar no 12º ano. Eu, como professora de língua portuguesa, acho intrigante essa decisão do ministério, quando temos alunos a escrever mal, ler mal e interpretar mal”, sublinha, por outro lado.
Economia do conhecimento
Já para o professor Paulino Lima Fortes, da Faculdade de Ciências e Tecnologias, da Uni-CV, tendo Cabo Verde a ambição de se tornar numa sociedade do conhecimento, cujo desenvolvimento tem base numa economia do conhecimento, “justifica-se amplamente a introdução da matemática em todas as áreas, assim como se justifica a reforma do ensino secundário na sua globalidade”.
Uma opção que, segundo recordou, demonstrou ser acertada em vários países que, não tendo muitos recursos naturais de exploração imediata, optaram pelo desenvolvimento do capital humano como base para a instalação de economias de conhecimento e desenvolvimento de sociedades de conhecimento.
“O conhecimento é a única ferramenta para a exploração dos recursos e oportunidades – sejam naturais ou geoestratégicos – a integração dinâmica na economia mundial, a consolidação da democracia e o desenvolvimento de uma sociedade de paz, justiça e concórdia”, fundamentou, indicando que aqui se fala tanto do conhecimento da nossa história e cultura, mas, também, das línguas e culturas do mundo, com o qual queremos ter uma relação dinâmica.
“A reforma do sistema educativo, que está em curso, vai no sentido de desenvolver nas crianças, jovens e adultos, as competências para se tornarem nos pilares do desenvolvimento sustentável de Cabo Verde, a médio e longo prazos”, indica.
Competências transversais
O papel da matemática, para este professor, é múltiplo e longe de ser apenas uma disciplina de cálculo e de suporte às disciplinas de ciências, tecnologias e engenharias.
“A matemática é uma disciplina de treinamento das capacidades de raciocínio lógico, rigor de linguagem, formulação e resolução de problemas, criatividade e inteligência, na sua maior abrangência. Estas competências são transversais a todas as áreas”, assegura.
Questionado se a medida pode representar dificuldades para os alunos que não tem aptidão ou mesmo interesse pela área de exatas, o professor assegurou que, com professores formados e sensibilizados
e com programas adequados, os objetivos de desenvolver as competências acima descritas, através de disciplinas de matemática adaptadas às artes e às humanidades, serão seguramente alcançados.
“Estas áreas estarão reforçadas com as novas capacidades dos estudantes, adquiridas e treinadas nas disciplinas de matemática”, acredita.
Na origem de uma certa incompreensão da matemática, geradora de “aversão”, está, muitas vezes, segundo disse, na metodologia usada – muitas vezes baseada em cálculos, e poucas vezes baseada na construção conjunta das ideias que estão por detrás dos modelos matemáticos e que dão origem a esses cálculos.
Por outro lado, na própria escolha de conteúdos, muitas vezes inadequadas à potenciação das ideias que estão na base das artes e das ciências sociais e humanas.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 784, de 08 de Setembro de 2022