O advogado Amadeu Oliveira confirmou hoje que nunca negou que tivesse ajudado o seu constituinte Arlindo Teixeira a sair do País, mas considerou “uma barbaridade” da acusação que ele desejasse “destruir o Estado de Direito”.
Ao terceiro dia do julgamento, no tribunal de São Vicente, em que Amadeu Oliveira voltou a ter a equipa de cinco advogados completa, após o abandono da sala de três deles na sessão do dia anterior, o arguido respondeu exclusivamente, durante perto de três horas, a perguntas da sua equipa de defesa, sempre através da advogada Zuleica Reis.
Reforçou que não cometeu nenhum acto de atentado ao Estado de Direito, e classificou a acusação como “um absurdo”.
Disse igualmente não ser terrorista e negou que queira destruir o Estado de Direito.
“Processo nulo”
Interrogado pela defesa, Amadeu Oliveira concretizou que este processo em que está a ser julgado “nasceu torto e é nulo desde o início”, uma vez que o Ministério Público mandou prendê-lo “sem despacho de pronúncia prévio” e sem o seu mandato de deputado suspenso.
À questão se usou o seu estatuto de deputado para sair do País com Arlindo Teixeira, o advogado disse que o plano que traçou e concretizou “foi legal”, as instituições foram “todas avisadas” e que decidiu colocar a operação em marcha no dia em que teve a certeza de que o Procurador-geral da República tinha sido notificado da extinção das medidas de coacção que impendiam sobre Teixeira.
Falácia
“A partir desse dia, 25 de Junho de 2021, nada me impedia e estava determinado até à morte em sair do País com Arlindo Teixeira”, declarou Amadeu Oliveira, que detalhou que tratou de tudo na Cidade da Praia e que “ninguém em São Vicente” teve “qualquer participação no plano”.
Mesmo assim, Amadeu Oliveira disse que se encontra preso desde Julho do ano passado por uma “falácia” de que usou a condição de deputado para sair do País com o seu constituinte.
“Nunca iria invocar a minha condição de deputado, pois nunca recebi absolutamente nada da Assembleia Nacional, nos cerca de dois meses como deputado, quando sou defensor oficioso de Arlindo há sete anos”, justificou.
Ao tribunal, o arguido referiu ainda que um dos motivos do seu descontentamento para com a Justiça prende-se com várias acções de denegação do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), cuja secção criminal não lhe merece “um pingo de respeito”, tendo justificado, por exemplo, com um recurso que levou cinco anos a decidir, quando a lei estabelece 30 dias.
Melhorias no sector da justiça
A dado momento da sessão da manhã de hoje, Amadeu Oliveira, para justificar as críticas ao sistema judicial e para “mostrar que não é um terrorista que quer destruir o Sistema Judicial e o Estado de Direito”, elencou um conjunto de melhorias que vai continuar a pugnar, entre elas a inspecção judicial, “que não existe em Cabo Verde”, alteração à composição dos conselhos superiores, o que vai implicar revisão da Constituição, a informatização total do sistema e a reforma de “alguns magistrados”.
Aqui, a juíza presidente do colectivo, Circe Neves, interveio para esclarecer que a questão da informatização da justiça não vai resolver o “grande problema” do sector que é, segundo a juiz, “a falta de pessoal e materiais” para a demanda, já que para se informatizar é necessário o recurso humano, “mais juízes, mais procuradores e outros servidores”.
Circe Neves exemplificou com o próprio Tribunal da Relação do Barlavento, com apenas três juízes para “tomar conta” dos recursos crime e cíveis de toda Região do Barlavento.
Por isso, sugeriu, são assuntos que devem ser discutidos “a fundo”, ouvindo todos aqueles que estão “dentro do sistema”.
O esclarecimento da juíza ocorreu na ponta final da sessão da manhã do terceiro dia do julgamento, retomada às 15h00, ainda em instância de perguntas da defesa ao arguido.
O caso
O advogado Amadeu Oliveira está acusado de um crime de atentado contra o Estado de Direito, um crime de coação ou perturbação do funcionamento de Órgão Constitucional e dois crimes de ofensa a pessoa colectiva.
Foi detido no dia 18 de Julho de 2021 e, dois dias após a detenção, o Tribunal da Relação do Barlavento, sediado em São Vicente, aplicou a prisão preventiva ao então deputado nacional eleito nas listas da União Cabo-verdiana Independente e Democrática (UCID) pelo círculo eleitoral de São Vicente.
No dia 14 de Fevereiro, como resultado de uma Audiência Preliminar Contraditória, Amadeu Oliveira foi pronunciado nos crimes que vinha acusado e reconduzido à Cadeia Central de São Vicente onde continua em prisão preventiva.
Em 29 de Julho, a Assembleia Nacional aprovou, por maioria, em voto secreto, a suspensão de mandato do deputado, pedida em três processos distintos pela Procuradoria-Geral da República (PGR), para o poder levar a julgamento.
Em causa estão várias acusações que fez contra os juízes do Supremo Tribunal de Justiça e a fuga do País do condenado inicialmente a 11 anos de prisão por homicídio – pena depois revista para nove anos – Arlindo Teixeira, em Junho do ano passado, com destino a Lisboa, tendo depois seguido para França, onde está há vários anos emigrado.
Arlindo Teixeira era constituinte de Amadeu Oliveira, forte contestatário do sistema de Justiça cabo-verdiano, num processo que este considerou ser “fraudulento”, “manipulado” e com “falsificação de provas”.
Amadeu Oliveira assumiu publicamente, no parlamento, que planeou e concretizou a fuga do condenado, de quem era advogado de defesa, num caso que lhe valeu várias críticas públicas.
C/ Inforpress