Foi hoje revelado o resultado do inquérito mandado instaurar sobre o falecimento do jovem adolescente João Carlos Martins da Cruz conhecido por Djonny, que faleceu no dia 1 de Agosto no hospital de São Filipe, Fogo, depois de ter sido evacuado da Brava na noite anterior, via marítima. O documento descarta negligência médica, e reitera o óbito por uma leucemia aguda. Contudo, reconhece que se não houvesse transtornos causados pelo transporte, o doente chegaria mais cedo ao hospital no Fogo, porém sem “certeza de que sobreviveria dado à evolução clínica”, que foi “muito aguda, rápida e agressiva”.
O inquérito de 17 páginas, foi realizado por Iolanda Landim, Hélida Djamila L. Fernandes e Natasha Cilene Sena-Silva, e documenta todos os procedimentos que foram efectuados desde o momento em que o jovem Djonny, emigrante de 14 anos de férias na Brava, deu entrada no serviço de urgência do centro de saúde da ilha, assim como o retrato do quadro clínico antecedente a esse episódio de urgência.
“O paciente tinha sido atendido pelo pai/enfermeiro no posto sanitário da Nossa Senhora Do Monte, estrutura onde ele trabalha, no dia 29 de julho, com quadro de febre e dor de garganta e foi medicado de forma sintomática e seguido por ele no domicílio”, aponta o relatório.
Ida à urgência do centro de saúde
O jovem deu entrada, depois, no dia 31 de julho de 2022, às 10h35, no serviço de urgência do Centro de Saúde da Brava, “com história de mal-estar, amigdalite, vómitos com vestígios de sangue, febre com 5 dias de evolução, cor amarelada e referência de um vómito sem vestígios de sangue, à entrada na urgência”, onde foi atendido, e realizadas análises da parte da tarde.
Perante a piora do quadro clínico e o recebimento dos resultados analíticos às 17h00, onde foram constatadas “alterações graves como anemia severa (hemoglobina 5,1g/dl), diminuição de plaquetas (32.000) e aumento de leucócitos (53.350)”, a médica de urgência chamou de “imediato” o Delegado de saúde, que “discutiu” o caso com o Diretor Clínico do Hospital do Fogo.
Foi então que decidiram pela evacuação do doente e iniciaram os trâmites para transferência, “com hipóteses diagnósticas de síndrome anémico (anemia hemolítica), síndrome ictérico e síndrome febril agudo”.
Evacuação
Foi aqui que começou o drama da evacuação. Segundo o relatório, a viagem de evacuação iniciou às 19h10, “perante um paciente com um estado clínico estável, com febre, diminuição da força muscular do membro superior direito, sem alteração de consciência (relato da enfermagem), com hidratação venosa e acompanhado da mãe e do pai, também como enfermeiro acompanhante, que solicitou a presença de um outro técnico de saúde durante a evacuação.
Mas, por volta das 19h30, o pai e enfermeiro comunicaram ao Delegado de Saúde a avaria da embarcação e a piora do estado clínico do doente, solicitando a presença deste para acompanhar o doente na qualidade de médico, na segunda viagem.
Regressado ao porto da Furna, prossegue o documento, o doente permaneceu no cais tendo sido assistido, nas “condições possíveis” pelo médico e enfermeiro presentes.
Reanimado duas vezes
Já a segunda embarcação onde Djonny foi evacuado, Rabo de Junco, partiu do porto de Furna, às 22h40, com o doente, acompanhado de um médico e enfermeiro.
“Durante a viagem o doente fez uma paragem cardiorrespiratória, tendo sido reanimado com sucesso”, tendo sido informado o médico de urgência do hospital do Fogo da “gravidade do quadro” e “necessidade de uma ambulância, para transportar o doente”.
À chegada no porto de Vale dos Cavaleiros, Fogo, em vez de uma ambulância, encontraram uma hiace para o transporte para o hospital, “sem possibilidade de acondicionamento do doente”.
Djonny iniciou um “quadro hemorrágico pela boca e narinas” e dada a gravidade “decidiu-se transportar o doente numa carrinha de caixa aberta que se encontrava no cais”.
Durante o trajeto, aponta o documento, fez uma segunda paragem cardiorrespiratória e foi “reanimado, com sucesso, tendo chegado vivo ao hospital, às 23h45”.
Mas, não resistindo, às 0h22, foi declarado óbito, “com as hipóteses de diagnóstico de septicemia x CIVD, anemia severa, plaquetopenia e leucocitose”.
Já no hospital do Fogo o relatório aponta que foi feita colheita de sangue para análises, que confirmaram as alterações iniciais, e enviado uma lâmina periférica para o hospital da Praia, onde se confirmou o diagnóstico de leucemia aguda.
Conclusões
Relativamente às conclusões, em relação aos serviços médico-hospitalares prestados ao jovem Djonny, no Centro de Saúde da Brava e no Hospital São Francisco de Assis no Fogo, o inquérito concluiu, entre outras coisas, que “toda a assistência médico-hospitalar prestada desde a entrada do adolescente doente no Centro de Saúde da Brava até ao óbito no Hospital do Fogo foi em tempo aceitável, e com as condições necessárias para a prestação dos cuidados que o quadro clínico exigia”.
O mesmo relata ainda que “se não houvesse transtornos causados pelo transporte”, o doente “chegaria mais cedo” ao hospital do Fogo, “porém sem certeza de que sobreviveria dado à evolução clínica, que foi muito aguda, rápida e agressiva”.
“Uma situação clínica rara, mas que acontece de acordo com a literatura”, aponta o documento.
Mesmo que tivesse chegado mais cedo, os tratamentos que receberia, como por exemplo, a transfusão de glóbulos disponível naquele hospital “serviria como tratamento de apoio, e não como garantia de sobrevida”.
Helicóptero para evacuações
Entre outras várias considerações sobre as evacuações, o inquérito nota ainda que a ausência da ambulância no cais do porto dos Cavaleiros “foi grave”, por isso recomenda a “aquisição” dessa viatura para aquela unidade hospitalar.
Contudo, a Comissão de inquérito concluiu que os “procedimentos recomendados e necessários no quadro clínico apresentado pelo doente desde entrada no Centro de Saúde da Brava até ao óbito no Fogo foram cumpridos, de acordo com as condições existentes, o que nos leva a concluir que em relação aos serviços médicos hospitalares prestados não houve nenhuma negligência médica na assistência prestada ao adolescente /doente”.
Entre as recomendações para melhorar o processo de evacuações, o inquérito apela à “deslocalização de um destacamento da Guarda Costeira e de uma das embarcações sob gestão do Sistema Nacional de Busca e Salvamento, para a ilha da Brava, no curto prazo”, com posterior reforço desta unidade militar, com um helicóptero destinado a evacuações médicas.
O documento diz ainda que é necessário “elaborar e implementar o protocolo de assistência emergência pré- hospitalar, ao nível nacional”.