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Política

Orçamento de Estado 2023: DNRE em vias de extinção

Criticado pelo seu despesismo, o Governo vê-se obrigado, agora, a reduzir as despesas correntes e conter de melhor maneira os riscos orçamentais. É nesse sentido que, em 2023, será criada uma agência (ou uma autoridade tributária) para proporcionar um “salto qualitativo” na arrecadação de receitas fiscais. Essa nova entidade, indicada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial, deve ditar o fim da Direção Nacional de Receitas do Estado (DNRE). A ideia é impedir um certo “dirigismo” político em matéria relacionada com a fiscalidade.

O Orçamento do Estado (OE) para 2023 está a ser elaborado no quadro de um acordo com o FMI. Para que os 60 milhões de dólares de empréstimo, contratualizados, sejam disponibilizados, o país terá que introduzir várias reformas no próximo OE.

Governo obrigado a cortar nas despesas

O Governo terá que cortar nas despesas, evitando a criação de estruturas (institutos, agências e empresas públicas), como tem feito nos últimos anos.

Para baixar o rácio da dívida pública, o Governo será obrigado a conter despesas correntes e haverá uma maior preocupação com despesas sociais.

O Governo está igualmente sujeito a um programa do Banco Mundial no sentido de reestruturar as empresas públicas para reduzir os riscos orçamentais e também para angariar receitas.

É nesse novo contexto que as receitas fiscais ganham particular enfoque nas diretrizes do OE para 2023. No documento, que A NAÇÃO teve acesso, o Governo propõe medidas para “melhorar os níveis de eficiência e eficácia da Administração Tributária”.

Melhoria de eficiência da Administração Tributária

A par da competitividade fiscal, a meta para 2023 é aumentar as receitas fiscais para aproximadamente 19% do Produto Interno Bruto (PIB).

Das linhas orientadoras para a melhoria da eficiência da Administração Tributária, no mesmo período, destaca-se a instituição de um modelo de agência ou autoridade tributária.

Segundo as diretrizes do OE 2023, “é crucial que se dê um salto qualitativo para um modelo e estrutura organizacionais, com autonomia administrativa e financeira, com plenos poderes de gestão e com atribuições e responsabilidades bem definidos, suportados em indicadores de desempenho, tanto quantitativos, como qualitativos”.

Evitar “excessiva” intervenção de políticos em matéria fiscal

Ou seja, com isso será extinta a Direção Nacional de Receitas do Estado (DNRE), passando as suas atribuições para essa agência/autoridade tributária que, segundo uma fonte bem posicionada, está a ser trabalhada há já algum tempo e que tem sido uma imposição do FMI e do Banco Mundial, no sentido de se evitar “excessiva” intervenção de políticos em matéria fiscal, como tem sido até aqui.

Com a criação dessa entidade, os seus gestores serão nomeados por concurso e, para assegurar a sua autonomia financeira e uma certa independência do Governo, as receitas para o seu funcionamento serão garantidas através de uma percentagem dos impostos arrecadados.

Racionalização de benefícios fiscais

As diretrizes para o OE 2023 propugnam ainda uma racionalização de benefícios fiscais, um mecanismo muito utilizado aos longo das últimas décadas para a promoção da dinâmica empresarial.

Por ter constatado que “não existe uma relação muito clara”, entre os benefícios fiscais e o investimento directo estrangeiro, esse documento realça que “após a atribuição massiva de benefícios fiscais nos últimos anos, iniciou-se em 2021 um processo de recentragem de benefícios fiscais”.

“Com vista à sua racionalização e à eliminação progressiva da isenção total, materializando o princípio de que todos devem pagar impostos ainda que reduzido. Esse processo terá a continuidade em 2023”, realça.

De recordar que, recentemente, a Cabo Verde Airports, criada pela Vinci e participada pela portuguesa ANA para gerir os aeroportos cabo-verdianos, ficou isenta de pagar vários impostos durante 15 anos.

Como ela existe uma vasta rede de empresas, particularmente no sector do turismo, isentas de tributação.

Revisão do sistema tributário nacional

O OE 2023 deverá ainda proporcionar o reforço da competitividade fiscal de Cabo Verde, de forma a promover o empresariado nacional, facilitar o investimento direto estrangeiro e melhorar as condições de vida da população.

“Assim sendo, em 2023, serão adoptadas medidas de políticas, quer no plano legislativo quer organizacional da administração tributária, bem como a qualificação dos recursos humanos, de modo a criar soluções cada vez mais eficientes e inovadoras”.

Nesse quadro, pretende-se, em 2023, proceder à revisão do sistema tributário nacional, “com vista a um maior equilíbrio na distribuição da carga tributária, aos objetivos macroeconómicos do país e a tendência da fiscalidade internacional, ou seja, proceder à revisão dos benefícios fiscais, à reforma em sede do código aduaneiro, à revisão do código do IVA e à revisão do IUP”.

Dívida externa: Diversificação de fontes de financiamento

O Governo pretende dar sequência, em 2023, à negociação e efectivação de novas modalidades de gestão da dívida externa.

A ideia visa, entre outros objectivos, “a redução do stock e do serviço da dívida e a criação de espaço fiscal para o novo endividamento necessário à expansão do investimento público”.

Conforme as diretrizes do OE 2023, “a política do endividamento público continuará a ter como base a de consolidação orçamental e a criação de um ambiente económico estimulador do investimento privado, doméstico e estrangeiro, com o propósito de assegurar o dinamismo do crescimento económico”.

Para cobrir as necessidades de financiamento do OE 2023, “com fluidez e em melhor relação de custo e risco de financiamento”, a meta é diversificar as fontes de financiamento, que “passa pelo reforço de diálogo e parcerias com os parceiros de desenvolvimento externo”.

Essa estratégia passa, também, pela concretização do projeto de dinamização do mercado de capitais interno, sobretudo o mercado secundário, “para torná-lo mais líquido e atrativo”.

Preconiza-se, igualmente, o envolvimento, em maior escala, da diáspora no financiamento da economia cabo-verdiana e a rentabilização dos ativos do Estado, estabelecendo parcerias público-privadas

Baixar dívida pública de cerca de 150% do PIB para 100%

O Governo pretende conjugar políticas económicas que conduzam, a médio prazo, o stock da dívida em relação ao PIB ao nível igual ou inferior a 100%, e que manterão os riscos e custos associados ao endividamento adequados ao nível de sustentabilidade requerido pelos padrões internacionais.

Financiamento “concessional”

Para atingir esses objectivos, o Governo propugna manter ainda o financiamento com a componente “concessional”, proveniente de credores multilaterais e bilaterais, dispostos a conceder ao país créditos nessas condições.

Por outro lado, o Euro continuará a ser a moeda priorizada nas contratações junto da zona Euro, e o dólar americano nas contratações junto dos restantes credores, “visando a diversificação da carteira da dívida”.

Emissões de títulos do Tesouro

Ainda de acordo com as diretrizes do OE 2023, o endividamento interno será através de emissões de títulos de curto, médio e longo prazos, “respeitando sempre o máximo estabelecido pela lei do orçamento de cada ano”.

“Os títulos do Tesouro de médio e longo prazos (OT) serão emitidos para financiar projetos de investimento e/ou de desenvolvimento e os Bilhetes do Tesouro (BT) serão emitidos para manter o equilíbrio de tesouraria”.

“A gestão da dívida do sector público administrativo será orientada por princípios de rigor, eficiência e qualidade de despesas, assegurando a disponibilização do financiamento requerido para o exercício orçamental e visando os objetivos de minimização de custos diretos e indiretos numa perspetiva de médio e longo prazos e de promoção de um equilibrado e eficiente funcionamento do mercado secundário e financeiro”, realça o documento.

Gestão da dívida pública no período 2023-2025

Entretanto, a gestão da dívida pública, no período 2023-2025, “continuará a ser ativa, mantendo as estratégias que visam financiar o Orçamento de Estado numa melhor relação possível entre o custo e o risco do portfólio da dívida pública e proporcionar a sua sustentabilidade a prazo”.

Assim, “a estratégia de endividamento de médio prazo, em consonância com a Lei da Dívida e as demais leis que regulam fatores com incidências no endividamento e na gestão da dívida pública, irá orientar a contratação de recursos financeiros para cobertura das necessidades de financiamento previstas, de acordo com os pressupostos macroeconómicos assumidos no horizonte do orçamento de Estado plurianual”.

Riscos orçamentais diversos

Para além do risco associado ao serviço da dívida, decorrente de variáveis exógenas, como por exemplo, as flutuações cambiais que impactam o reembolso e o pagamento dos juros, 0,4% do PIB, o Sector Empresarial do Estado, que se viu agravado no contexto pandémico, constitui um elevado risco para o OE 2023.

De acordo com as diretrizes do OE 2023, com vista a redução desse risco, no próximo ano será dada “especial atenção” à redinamização das reformas das empresas públicas, incluindo a melhoria do quadro de monitorização do desempenho financeiro das empresas públicas para reduzir os riscos orçamentais e, consequentemente, apoiar a sustentabilidade da dívida a médio prazo.

Esses riscos, decorrentes dos passivos contingentes, representavam, até 31 de Março deste ano, cerca de 12% do PIB.

“Observa-se que essa responsabilidade se viu agravada na sequência das medidas de resposta à crise pandémica adotadas pelo Governo”.

Riscos dos impactos das alterações climáticas e catástrofes naturais

O documento destaca ainda os riscos decorrentes dos impactos diretos e indiretos das alterações climáticas e catástrofes naturais, que, para além de constituírem um “forte desafio” para a actividade económica, com destaque para a agricultura e a pesca, “constituem um elevado risco fiscal, cuja materialidade tem-se verificado nos últimos seis anos, designadamente ao nível das secas prolongadas, erupções vulcânicas, chuvas fortes e inundações, ciclones e erosão costeira”.

As despesas públicas, com especial destaque para a saúde e pensões, que aliadas a problemática da rigidez da despesa versus redução do espaço das despesas de investimento “têm vindo a aumentar decorrente das alterações demográficas, com destaque ao aumento da esperança de vida e o surgimento contínuo de novos meios de diagnóstico e tratamentos”.

“É imperativo fazer-se uma avaliação da adequação dos benefícios futuros atribuídos pelos regimes de pensões, de forma a assegurar uma adequada partilha de riscos e rendimentos entre gerações”, sublinha.

Os riscos associados às decisões judiciais que venham a imputar ao Estado pagamento de indemnizações compensatórias ou outros encargos pecuniários constituem, igualmente preocupações para o OE 2023.

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 782, de 25 de Agosto de 2022

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