Por: Paulo Mendes*
Os espaços ajudam a construir a nossa memória individual e coletiva e, em última instância, podem determinar o nosso percurso.
Aprendi a jogar ténis descalço e foi no Clube de Ténis que fiz os meus amigos de vida.
Nasci e cresci na Várzea da Companhia e, desde meus 10 anos, que o ténis faz parte da minha vida.
Por via disso, o Clube de Ténis faz parte da minha da vida, à semelhança com dezenas e dezenas de pessoas da cidade da Praia e, muito em particular, da Várzea. O meu nominho no Clube é Ananias. O Sr. Didi é que mo deu. Quando alguém me chama de Ananias já sei que é malta do ténis, a minha outra família.
Foi no Clube de Ténis que subi os degraus naturais do crescimento: de criança à juventude. O meu primeiro dinheiro ganhei-o no Clube de Ténis; mais de uma hora de apanha bolas ao saudoso Abílio Duarte para ganhar 10 escudos. Os cooperantes pagavam 100 escudos. O Abílio Duarte compensava o fraco pagamento com conversas interessantíssimas sobre a cultura e a política e, sinceramente, gostava dessa compensação.
Foi no Clube de Ténis que apanhei a minha primeira bebedeira. Uma bebedeira de vinho tinto numa das festas de fim de ano que organizávamos impreterivelmente todos os anos; à custa dessa bebedeira, tive também no Clube Ténis a minha primeira deceção amorosa. O Barreti terá, com certeza, a memória bem fresca dessa história e a culpada dessa deceção está, atualmente, pelos lados da França.
Foi no Clube de Ténis que, num desses bailes de passagem de ano, que dei os meus primeiros passos de dança mais a sério e percebi que era melhor a jogar ténis do que a dançar.
Foi no Clube de Ténis que aprendi o valor de cooperação e de criação de alternativas. Lembro-me de, em conjunto com os meus amigos (Manel, Guido, Piteco e Lau), termos criado uma “empresa” de lavagem de carro para juntarmos algum dinheiro para ir jogar Ténis da Ilha de Santo Antão.
Uma das imagens mais fortes que guardo do meu falecido pai é no Clube de Ténis. Deveria ter uns 12 anos quando ganhei o meu primeiro torneio. Foi a primeira vez que o meu pai assistiu a um jogo meu e guardo aquele momento sempre comigo.
O Clube deu-nos tantos jogadores e momentos absolutos de felicidade. De repente lembro do Poema, do Djódjó, do Lam, do Vává, do Fidalgo, do Tchitcho, do Chalita, Renato, Padjó, Lena, Dulce, Bety, Djipinho e tantos outros. Todos eles foram excelentes jogadores de ténis muitos deles concretizaram o seu percurso de vida, graças ao Clube de Ténis.
Esses exemplos concretos servem para dizer o seguinte: o Clube é um espaço privado que fez, ao longo desses mais de 50 anos, um meritório e inquestionável serviço público. Foi no Clube de Ténis da Praia que centenas de jovens aprenderam a jogar e, se hoje temos uma história para contar sobre a modalidade na Praia, é, em certa medida, por causa do Clube Ténis. Se não fosse o Clube de Ténis, hoje, muitas vidas teriam um destino bem diferente, inclusive a minha.
Hoje não temos o nosso Clube. Tendo por base um negócio feito entre o Clube, Câmara Municipal da Praia e a Embaixada dos Estados Unidos, o nosso clube desapareceu. O mais grave é que ficamos sem alternativas. Passei por lá no outro dia, e fiquei despedaçado ao ver o nosso Clube reduzido a escombros.
Não vou entrar na discussão sobre os fatos anteriores e a bizarra situação em torno neste negócio e de um silêncio incomodativo em torno desse processo (se calhar por ser os Estados Unidos). Se fosse um outro país, muito provavelmente a história seria diferente. A Embaixada poderia esperar pela construção de uma outra alternativa, conforme está, tanto quanto sei, estipulado no contrato; a Câmara poderia não ter autorizado a demolição enquanto não conseguisse uma alternativa e um acordo com o Clube de Ténis.
Não quero entrar no campo de intenções; sei que o processo todo merecia um outro desfecho até em nome do interesse público.
O Clube de Ténis é uma entidade privada que fez ao longo de mais de 50 anos de serviço público. O fez porque era o único local onde pudéssemos, em toda a ilha de Santiago, praticar a modalidade. Todos os jovens que aprenderam a jogar ténis o fizeram de forma gratuita e cabe ao Estado, nomeadamente, a Câmara Municipal da Praia, à semelhança do que faz com outras modalidades, apoiar a prática desportiva e, por conseguinte, o Clube de Ténis da Praia. Por isso, invocar o argumento de que os contribuintes não devem suportar os encargos para financiar um Clube Privado não é um argumento, de todo, justo.
Por último, queria apelar ao bom senso de todos os envolvidos ( a Câmara Municipal da Praia e o Clube de Ténis) e encontrar, perante o desastre que foi o processo em toda a sua dimensão, uma solução que possa melhor servir a nossa comunidade.
Na minha perspetiva a melhor solução passa pela cedência de um novo terreno por parte da Câmara para a construção de um novo Clube e o valor integral que Embaixada pagou pelo terreno deverá ser utilizado integralmente nessa nova construção. Tendo em conta que o valor para a construção de um novo Clube – nos moldes em que foi projectado – é superior ao valor que os americanos pagaram pelo terreno, a urgência passa pela construção de novos campos e tentar em simultâneo com a CMP e o próprio governo encontrar formas alternativas de financiar o valor em falta. Mas, por favor, deem aos nossos jovens o seu campo para jogaram ténis.
Já que não podemos ter o Clube de volta pelos menos nos deem um lugar para praticar o nosso desporto. Pelo menos isso.
*Sociólogo e tenista
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 777, de 21 de Junho de 2022