PUB

Diáspora

Associação de emigrantes avança com petição pública e ameaça congelar remessas e encomendas

Os emigrantes representados pela Associação Vozes dos Emigrantes Cabo-verdianos (AVECV) ameaçam congelar o envio de dinheiro (remessas), encomendas e bens para Cabo Verde, caso não haja uma resposta atempada a uma petição pública que deu entrada no dia 27 de Abril, no Parlamento. Nessa petição, os signatários denunciam situações de alegada discriminação e de desrespeito por parte das autoridades. Entre outras medidas, reivindicam a “imediata eliminação” da taxa de 200 contos na impostação de viaturas. Contactado pelo A NAÇÃO, o presidente da AVECV, Danielson Fontes, garante que a petição é para valer.

Os autores da iniciativa, inédita em Cabo Verde, dizem que, enquanto emigrantes, não se sentem “representados” pelo Estado e que são “desrespeitados” nos seus direitos. Consideram, por outro lado, que mereciam tratamento especial, por serem “um activo financeiro e indispensável fonte de rendimentos no território nacional”

Este desabafo consta de uma petição pública da AVECV, presidida por Danielson Fontes, com sede na Praia e endereçada ao presidente da Assembleia Nacional, Austelino Correia.

Taxa de 200 mil escudos é “abusiva, excessiva e ilegal”

No documento, que A NAÇÃO teve acesso, a AVECV reivindica a “imediata eliminação” da taxa de 200 mil escudos cobrados pela alfândega na importação/exportação de viaturas, por considerarem que a mesma é “abusiva, excessiva, ilegal” e que “lesa o direito à importação e os direitos dos emigrantes”.

Os signatários dizem ainda que, infelizmente, só recebem atenção do Estado de Cabo Verde durante o período das eleições legislativas, presidenciais e autárquicas.

“Como é sabido e sentido por nós, enviamos, de forma permanente e contínua, ajudas ao desenvolvimento de Cabo Verde, seja no envio de dinheiro (remessas dos emigrantes) às famílias residentes em Cabo Verde, mas também aos concidadãos carenciados e em vulnerabilidade social e, por outro lado, enviamos encomendas em géneros alimentícios, vestuários, mobiliários e transportes, que muito contribuem em elevadas receitas para o Estado, junto às repartições das alfândegas, em cobrança de taxas, impostos e direitos alfandegários”, realça a petição da AVECV.

Tratamento discriminatório e injusto” das instâncias aduaneiras

Os signatários dizem também que, ao contrário das suas contribuições – “inegáveis, notórias e relevantes” –, recebem da administração pública, especialmente nas instâncias aduaneiras, “tratamento discriminatório, injusto e indigno, factos acontecidos em grande medida nos portos da Praia, Fogo, Brava e Mindelo”.

Essa petição considera ainda que, não obstante esse tratamento “indigno e discriminatório”, as altas taxas e direitos aduaneiros “estão fixadas de forma “desproporcional” em relação às vantagens e benefícios que o Estado aufere com as encomendas e remessas dos emigrantes.

“As taxas e impostos cobrados nas alfândegas precisam ser imediatamente actualizados e revistos”, alegam os autores da petição que consideram que essas taxas e impostos merecem ser reduzidos “ao máximo de 10 por cento (%) do valor venal das encomendas enviadas pelos emigrantes”.

Peticionam, igualmente, e invocam a isenção da “famosa” taxa de armazenamento alfandegário, “quando as encomendas e bens que dão entrada nas alfândegas permanecem guardados por muito tempo nessas instâncias. Não é um favor, mas sim um direito nosso”.

Revisão da Lei do Emigrante Investidor

Na petição, a AVECV fala também da Lei nº 73/IX/2020 de 2 de Março aplicável aos emigrantes e designado como Lei do Emigrante Investidor. Conforme a mesma fonte, essa Lei precisa ser revista e alargada, como forma de permitir que os emigrantes possam ter direito de importar os seus próprios bens e equipamentos.

Ou seja, querem que lhes seja facultada a isenção “plena” de direitos e taxas aduaneiras, não apenas em situações de regresso definitivo do emigrante a Cabo Verde, mas, também, quando os mesmos enviam encomendas ou bens, que “muitas vezes são doações, ajudas a famílias, ainda que estas possam necessitar de vender essas encomendas para a melhoria do seu sustento”.

A AVECV afirma ainda que a mesma Lei precisa ser revista, por considerar que o regime fiscal nela previsto, para efeitos de concessão de benefícios fiscais ao emigrante investidor, exige uma contabilidade organizada e “por vezes, o emigrante ainda é um pequeno comerciante, com um volume de negócios que não justifica elevar o seu custo com a organização da sua contabilidade”. Ou seja, sem uma contabilidade organizada, “o emigrante fica sem poder ter acesso aos benefícios fiscais que a Lei lhe concede”.

Alteração do artigo 20º do código de benefícios fiscais

A associação defende, igualmente, uma alteração do artigo 20º do código de benefícios fiscais, no sentido de alargar os bens e materiais que gozam de isenção de direitos aduaneiros, assim como a ampliação dos sujeitos ou entidades que devem gozar da isenção de direitos aduaneiros, “contemplando, com a revisão, o enquadramento dos emigrantes”.

“Tanto o código aduaneiro, bem como os regimes jurídicos gerais administrativos carecem de revisão e alteração para expurgar as exigências burocráticas que, exageradamente são pedidos aos emigrantes, quando enviam suas encomendas ou bens, fazendo-os esperar, exageradamente, um longo período para o levantamento dos seus pertences”, alerta a AVECV.

Ameaças

A petição da AVECV deu entrada no Parlamento a 27 de Abril e só no dia 13 deste mês é que a mesma foi baixada para a 1ª, 2ª e 4ª comissões especializadas. Neste ínterim, estourou o prazo de 45 dias que foi estipulado no documento para a obtenção de uma resposta.

Os peticionários esperavam uma “imediata” apreciação do documento na plenária, mas esses atrasos de quase dois meses, entre a entrega e o seu encaminhamento às comissões especializadas, deixam entender que, tão cedo, o mesmo não será apreciado.

O certo é que a petição continha este aviso: “Advertimos que, em caso de não tomadas de decisão no espaço de 45 dias após a data do recebimento dessa petição, os peticionantes e todos os emigrantes na diáspora entrarão em modo ‘resistência’ tutelando os seus direitos e não enviando nenhuma mercadoria, encomendas bens ou dinheiro (remessas)”. Essas medidas, conforme a petição, poderão durar, no mínimo, entre quatro e nove meses.

A petição é para valer, garante Danielson Fontes, presidente da AVECV

Danielson Fontes, Presidente da Associação Vozes dos Emigrantes Cabo-verdianos (AVECV)

Contactado pelo A NAÇÃO, o presidente da AVECV, Danielson Fontes, que reside habitualmente nos Estados Unidos da América (EUA), garante que essa associação tem, neste momento, cerca de 100 sócios espalhados entre Europa (Portugal, Espanha, Inglaterra, Holanda e França) e os EUA, oriundos de diversas ilhas de Cabo Verde.

Fontes esclarece que o número de sócios poderia ser maior se não fosse um problema registado numa plataforma internacional para a angariação de novos membros e do valor inicial da quotização que era de 10 euros ou 10 dólares por mês.

“A partir de agora vamos estabelecer uma quota mensal no valor 20 dólares ou 20 euros por ano, por forma a podermos ter um maior número de associados”, afirma o presidente da AVECV, que justifica a redução do valor da quota mensal, com reclamações de muitos emigrantes que consideram que uma quota anual de 120 euros é “excessivo”.

Danielson Fontes nega, porém, que a petição tenha como objectivo principal a eliminação da taxa de 200 mil escudos cobrados pela alfândega na importação/exportação de viaturas.

“O documento começou a ser elaborado em Novembro do ano passado, ou seja, dois meses antes da entrada em vigor do Orçamento do Estado para 2022. Com a petição já pronta, deparámos com mais esse problema, então, decidimos introduzir um pedido no sentido da eliminação dessa taxa”.

E sobre a declaração esta semana do primeiro-ministro, em relação à situação de emergência social e económica, o presidente da AVECV afirma que essa situação não inviabiliza o conteúdo da petição dos emigrantes.

Pelo contrário, advoga, “se Cabo Verde está a passar por uma situação de calamidade, como acabo de ouvir no debate no Parlamento, a primeira medida que os governantes deveriam tomar era abrir as alfândegas para permitir a entrada de géneros alimentícios que são enviados por emigrantes de diversas paragens”.

A seu ver, com essa medida, que não incluiria outros tipos de encomendas e bens, os emigrantes pagariam apenas o custo de transporte dos géneros alimentícios que enviam para as famílias e para outras pessoas mais carenciada, aliviando a situação em que se encontram.

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 773, de 23 de Junho de 2022

PUB

PUB

PUB

To Top