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Nosso património

Por: Carlos Carvalho

(A refelexão que se impõe/impunha)

Este artigo sai uns dias após a celebração do Dia Mundial dos Monumentos e Sítios, dia 18 passado. É óbvio que o mesmo foi escrito antes do Dia das Comemorações.  Ele vem, pois, numa espécie de “honrar” este importante dia.  São 3 os motivos que me levam a esta reflexão.  Seguem conforme a ordem do desenrolar dos factos: 

A discussão sobre “O Estado da Arte da Cultura” havida recentemente na nossa AN (06/04).

O “rombar” de um emblemático sobrado em pleno Centro Histórico da Cidade de S. Filipe, conhecida como Cidade dos Sobrados (07 ou 08/04) e  

O Dia 18 de abril que foi consagrado pela UNESCO “Dia dos Monumentos e Sítios”. 

Sigamos, pois, a ordem dos acontecimentos. 

É óbvio também que, pelo espaço que o jornal nos reserva não dará para uma reflexão aprofundada que se impõe/impunha. 

  

A política do património… que não existe  

Há umas duas semanas, ouvimos o debate dos deputados de nossa República com SE o Ministro da Cultura sobre a Cultura e, claro está, sobre a política em relação ao nosso património edificado.  

Fiquei frustrado porque o modelo de discussão adoptado não deu para os “não entendidos” tirarem ilações sobre os argumentos esgrimidos por uns e por outros… já que ora se discutia história-herança, ora se discutia mar-piscadoris, e até se esqueceu que boa parte de nosso património cultural está, imagine-se…no mar!!  

Não se falou, por exemplo, em nenhum momento, daquele que constitui, seguramente, hoje, uma das vertentes mais interessantes de nosso património, o subaquático. 

Ouvido o debate, pus-me a pensar sobre o que vem acontecendo, por exemplo, com o nosso património edificado, sobretudo nos últimos tempos. 

Do debate, ouviu-se, para não variar…que NUNCA se investiu tanto no nosso património.  

A verdade dos factos 

É verdade que vários edifícios e monumentos, sobretudo religiosos, foram efectivamente reabilitados. 

Uma “grande” infraestrutura cultural está sendo edificada para os mindelenses.   

Ao que parece, várias outras intervenções estão programadas. 

Isto tudo é positivo, sim!! 

Mas estas intervenções são pacíficas?? Elas foram tecnicamente bem conseguidas?? 

Respondendo a estas perguntas-base, sobre algumas delas houve sérias e fundadas críticas de técnicos com larga experiência na temática, sem que “quem de direito” tenha sequer dado ao trabalho de questionar de sua fundamentação. Simplesmente, as críticas foram ignoradas, caíram em saco roto…e inauguraram-se obras…com pompa e circunstância!! 

E… os custos, que se apregoa terem sido nelas investidos, correspondem?? Não foram inflacionados, só para aumentar os custos dos investimentos?? 

É que, num passado recente, por muito menos, fez-se intervenções de maior envergadura.  

Monumento V Conjunto 

Reabilitar um Monumento é uma coisa. Conservar um Conjunto é bem diferente. 

Ninguém, dos que mais nos visitam, vem às nossas ilhas para ver um emblemático, dalgum valor, de per si, monumento.

 

Simplesmente, NÃO O TEMOS!! 

Assim, reabilitar monumentos dispersos que ninguém normalmente visita… descuidando/descurando o conjunto que efectivamente pode constituir interesse para quem nos visita… é não entender nada da matéria. 

E… nem custa aqueles balúrdios que se propala na reabilitação dos edifícios.  

Ainda sobre factos. 

Vários Centros Históricos de nossas cidades foram, pomposamente, declarados patrimónios nacionais.  

Mais uma vez, se questiona a tecnicidade dessas decisões.  

É que os Centros Históricos são mesmo Centros Históricos. Neles, não deve caber tudo. Nalguns casos, as áreas declaradas PN são tão vastas daí que se torna impossível fazer a gestão desses Centros.  

Pior.  

Alguns desses CHs declarados PNs constam da Lista Indicativa (LI) que o país apresentou à UNESCO. A apresentação de uma Lista Indicativa é condição sine qua non para o país apresentar a candidatura de um Monumento ou um Sitio à inscrição na Lista do PM. 

Nenhum desses Centros tem um Plano de Gestão, umas Normativas legais quaisquer, umas Linhas Orientadoras quaisquer de como devem ser geridos, para condicionar/diminuir sua degradação, o depauperamento de seus estados de preservação/conservação. 

E…esses CHs, Patrimónios Nacionais, possíveis candidatos a Património Mundial, estão aí ao Deus dará… a… analisando com critérios sérios, quase nenhum merecer sequer o estatuto que, hoje, ainda ostenta.  

E … esta tarefa é da competência da instituição que responde pela preservação de nosso património construído. 

 

A cidade dos sobrados 

Nem se acabou de discutir a política cultural na AN, o país ouviu estupefacto a Comunicação Social nos informar que um dos mais emblemáticos sobrados, conhecido por sobrado do Ubaldinho, situado em pleno Centro Histórico da Cidade de S. Filipe, foi botadu baxu… botadu na txon… – imagine-se!!! – para restauro. 

O mesmo órgão fala de: 

“A sua demolição para o restauro surpreendeu…” 

Não dá para entender!! 

Ainda fiquei na dúvida… até obter a confirmação de que foi efectivamente                                                                                                      demolido!! 

É que na ciência do património, quando se demole não se restaura, constrói-se.  

Restaurar e construir são dois conceitos incompatíveis. Aliás, não coexistem!! 

Sobre o sobrado k botadu baxu, fomos informados que o projecto para a construção ou reabilitação foi aprovado em, imagine-se…2018!! porque corria o risco eminente de desabar!!  

E… chegamos a Abril de 2022… o sobrado ainda não desabara. 

E… chegaríamos a 2023 ou mais… ele não desabaria ainda!!  

Isto é do cabo-da-esquadra, como dizia meu amigo Mário Fonseca!!   

Nisto tudo, algumas questões se impõem: 

Quem decidiu sobre a demolição?? 

Quais os estudos feitos para determinar a “enfermidade”, patologia, de que padecia/padece o sobrado??   

Quem foram os experts que determinaram seu estado de coma…e de morte certa?? 

Qual foi o papel da instituição (e de sua tutela) que tem por obrigação cuidar da saúde de nosso património no que acontecera??

Até esta não se ouviu uma única palavra sobre o assunto.  

Ninguém tugiu/tuge… nem mugiu/muge!! 

 

PDU de S. Filipe 

Também lemos/ouvimos que o projecto é consistente e seguia as recomendações do PDU de S. Filipe, elaborado ainda nos finais de 80, inícios de 90… e que, afinal, manter-se-ia a estrutura exterior do edifício; manter-se-iam as fachadas, todo o exterior seria mantido. 

Uma grande trapalhada!! 

Igreja de N. S. da Conceição  

Tudo isto me fez lembrar o que me contara o Reverendo Padre Ima sobre uns “experts” que aconselharam romba Igreja de N. S. de Conceição porque não aguentava mais… a cair. 

Ainda lá está… de pedra e cal… a servir de exemplo!!! 

Diga-se de passagem, que o PDU de S. Filipe, finalizado em 1991, é um extraordinário instrumento de trabalho que devia ser conhecido di cor i saltiadu por qualquer gestor do património do país e de S. Filipe, em particular…para evitar que aconteça o que aconteceu!! 

Concluindo esta parte:

O que seria de bom tom no caso do sobrado?? 

Em vez de bota baxu, para construir igual, o que se impunha era reabilitar, com a tecnicidade que se exige, para que sirva de exemplo de uma intervenção bem-sucedida/conseguida num Centro Histórico, potencial candidato a Património Mundial, já que consta da Lista Indicativa de Cabo Verde desde 2004/5!! e seja apresentado, com orgulho, aos visitantes da cidade.  

Que o que acontecera sirva de lição!!  

 

Dia dos Monumentos e Sítios. 

18 de Abril foi consagrado pela UNESCO “Dia dos Monumentos e Sítios”. 

Neste dia, um pouco por todo o lado, celebra-se os monumentos e os sítios. Reflete-se sobre o estado dos monumentos e sítios: preservação, conservação, consolidação, divulgação, promoção, etc..  

Cabo Verde não foge à regra… porque pelo menos tem um Sítio que essa organização mundial classificou Património da Humanidade, o Centro Histórico da Ribeira Grande, Cidade Velha.  

E… pretende ter mais!!! 

 

Nosso Património Maior  

Sobre o nosso único Património Mundial, já bastas vezes falei/escrevi…e havia resolvido não voltar a falar para não se pensar que…  

Mas, como sinto ter alguma responsabilidade no seu reconhecimento mundialmente, desde 2009, reforço, em celebração do dia 18, minha preocupação em relação ao seu estado de conservação. 

Quem viu a Cidade em 2009 … e a vê… hoje!!! Que diferença… para PIOR!! 

No jogo do gato e do rato… NINGUÉM assume culpa em relação ao estado de sua preservação/conservação!!    

Cada uma (instituição nacional-responsável v instituição local, também responsável) empurra a responsabilidade para o outro…e o estado do Sítio- PM continua se deteriorando!!  

Ninguém ousa pegar o touro pelos cornos!!! 

Até que… um dia… 

Esta… sem muita profundeza… porque o espaço não permite…uma pequena reflexão que se impõe/impunha fazer… sobre o Estado da Arte, pelo menos no que se refere ao nosso Património Edificado. 

Nesta reflexão, claro, não entra a análise aos outros patrimónios… igualmente sem uma política clara…definida…por quem de direito… 

E, vamos indo ao sabor do vento, ou de quem pode e … manda.  

Tenho dito. 

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 764, de 21 de Abril de 2022

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