Em Abril de 1922, a dupla portuguesa Gago Coutinho e Sacadura Cabral efectuou a travessia do Atlântico Sul, tendo as ilhas de São Vicente e Santiago como duas das suas escalas. Um acontecimento cujo centenário agora se assinala, sem deixar Cabo Verde fora do roteiro.
Numa altura em que a aviação dava os seus primeiros passos, Gago Coutinho e Sacadura Cabral realizaram o que parecia então ser impossível: através de um hidroavião, o “Lusitânia”, ligaram Lisboa (Portugal) ao Rio de Janeiro (Brasil). Cabo Verde (São Vicente e Santiago), a par das Canárias, fez parte dessa travessia inédita, sem paralelo nos anais da história da aeronáutica.
O “Lusitânia” chegou ao Mindelo, a 05 de Abril de 1922, aos comandos de Gago Coutinho, cartógrafo da Marinha, e Sacadura Cabral, piloto com conhecimentos complementares, tidos como decisivos para o sucesso dessa viagem.
O hidroavião Fairey III D Mkll– o primeiro de três usados naquela histórica travessia – amarou na baía do Mindelo, ilha de São Vicente, depois de uma viagem de 10 horas e 43 minutos para percorrer 1.572 quilómetros, desde as Canárias, primeira paragem após a saída de Belém, Lisboa, em 30 de Março.
Em São Vicente, os dois “aviadores” foram recebidos como heróis por populares. Permaneceram mais de dez dias na ilha, em reparações do hidroavião para, posteriormente, prosseguirem a viagem, com destino à Praia, ilha de Santiago, onde amararam a 17 de Abril, fazendo 315 quilómetros em pouco mais de duas horas.
Estes dois marcos históricos permanecem nas memórias dos cabo-verdianos e estão visivelmente representados por dois monumentos, uma na ilha de São Vicente e outro em Santiago. O da Praia está localizado na Achada Grande Frente, esquecido e em degradação, no espaço que resta do antigo aeródromo Francisco Mendes.
A outra homenagem aos “aviadores”, no Mindelo, é conhecida popularmente por monumento do Póss (pássaro), situada na rua da Praia, de cara voltada para o mar, junto à baía.
Segundo Edson Brito, historiador afecto à Direção de Monumentos e Sítio, os dois monumentos alusivos a esta travessia “estão inventariados e merecerão as devidas atenções por parte do IPC (Instituto do Património Cultural)”.
Especialmente em relação ao monumento ao “Póss”, no Mindelo, há muito a precisar de obras de recuperação e conservação, “esteve no inventário nacional realiza do em São Vicente em junho de 2019. Na altura o estado de conservação não era o mais ideal, condição esta que vêm degradando desde então”.
Brito acrescenta também que o IPC, enquanto entidade responsável pela salvaguarda dos bens de cariz cultural, “procura responder aos desafios aos quais está indigitado mormente o restauro, a reabilitação e a valorização de equipamentos culturais, espalhados por todo o território nacional”.
Comemorações
No que tange às comemorações do primeiro centenário da Travessia Aérea do Atlântico Sul foram realizadas actividades tanto no Mindelo como na Praia. “Cabo Verde: Os caminhos da História” assim se chamou, teve três vertentes: educação, cultura e cidadania, envolvendo entidades públicas e privadas locais, incluindo
conferências internacionais a dinamizar conjuntamente com as universidades cabo-verdianas.
Mindelo acolheu uma série de conferências na Universidade Técnica do Atlântico (UTA) e a inauguração de uma exposição intitulada “A Primeira Travessia Aérea do Atlântico Sul”.
Já na Praia, o programa foi mais discreto. Deve cingir-se a uma exposição itinerante que irá ser exibida no Centro Cultural Portugês, ainda sem data marcada. Também não há notícias do destino a dar ao que resta do monumento no antigo aeródromo da Praia dedicado a Gago Coutinho e Sacadura Cabral.
Cabo Verde apresenta Atlas do seu património à Unesco
Foi apresentado, esta semana, na Praia, o Atlas da Lista Indicativa dos Bens, materiais e imateriais, de Cabo Verde, a ser entregue à Unesco, para constarem da lista do património mundial da humanidade daquela agência das Nações Unidas.
A apresentação do inventário aconteceu na terça-feira, 19, na Praia, e esteve enquadrada nas comemorações do dia internacional dos Monumentos e Sítios, 8 de Abril.
De acordo com a coordenadora desse projecto, Ivalena Rosário, na lista apresentada constam o Parque Natural de Cova-Paul-Ribeira da Torre, na ilha de Santo Antão, o sítio histórico de Salinas de Pedra de Lume, na ilha do Sal, o complexo de Áreas Protegidas de Santa Luzia, ilhéus Branco e Raso, o Centro Histórico da Cidade da Praia, o Campo de Concentração do Tarrafal, o Centro Histórico de São Filipe, o Parque Natural na ilha do Fogo, e ainda o Centro histórico de Nova Cintra, na ilha da Brava.
O acto de apresentação do Atlas da Lista Indicativa de Cabo Verde, que foi presidido pelo ministro Abraão Vicente, quer ser um instrumento de conhecimento didático-pedagógico, que reúne um conjunto de informações sobre os Bens que constam da Lista Indicativa de Cabo Verde.
O objectivo, segundo aquele governante, é despertar o interesse para a salvaguarda dos Bens integrantes do referido Atlas, estimular a inclusão dos Bens nos roteiros turísticos nacionais e disponibilizar ao público, nomeadamente, os estudantes e investigadores, uma base de informações sobre os bens constantes da Lista Indicativa de Cabo Verde.
O Dia Internacional dos Monumentos e Sítios foi estabelecido pela International Council on Monuments and Sites – ICOMOS (Conselho Internacional de Monumentos e Sítios) em 1982. Desde então, o intuito é valorizar o potencial do património cultural na construção de uma ação climática transformadora, através da salvaguarda de todo o tipo de património cultural.
Tiana Silva
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 764, de 21 de Abril de 2022