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Colunistas

Do interesse da Cooperação Chinesa

Por: Arsénio Fermino de Pina*

Tenho publicado alguns artigos favoráveis à cooperação com a China e irei explicar a razão, quando a comunicação social faz eco, com muita insistência na condenação que lhe dedicam os EUA e a União Europeia. O facto de ser favorável a muitos aspectos ligados à cooperação com a China não quer dizer que abomine a com os EUA e a Europa, dado que vivo no Ocidente, a minha cultura é ocidental, tenho beneficiado e admiro os ideais e as práticas da democracia, mormente dos benefícios do Estado Social ou da Providência depois da Revolução de Abril Portuguesa, ter conhecido o sistema de partido único salazarista de direita, de alguns países africanos onde trabalhei, o de esquerda entre nós, em Cabo Verde.

Só não conheci nem vivi em sistema comunista, que acreditava, na juventude, ser regime ideal, por o julgar, iludido por propaganda enganosa e desinformação o arauto da liberdade a todo o pano, da igualdade e respeito dos direitos humanos. Em boa verdade, os regimes comunistas foram e são tão maus como os fascistas, ou piores, com os seus dogmas indiscutíveis, devido ao seu hermetismo que impede a comparação com outros regimes e vivências, como aconteceu na União Soviética e se passa na Coreia do Norte.

Os colegas cooperantes russos com quem convivi em Cabo Verde, depois da independência, eram formatados para a obediência, enquanto os cubanos eram mais abertos e conviviais, aceitando a discussão e até a crítica do regime cubano, por terem conhecido ou ouvido falar de outros regimes e vivências, o que não acontecia com os russos.

Ouvimos dizer, com bastante frequência, que a actual geração de jovens é a mais culta e bem formada, quando se deveria dizer ser a geração com mais oportunidades para o ser, pois creio que as gerações anteriores o eram mais, certamente que em menor número, por as oportunidades terem sido menores. Um inquérito do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa revelou que 61% dos portugueses não leram um livro em papel em 2020, e que 39% que disseram ter lido, a maioria leu muito pouco.

A geração actual entretém-se com televisão (90%), telemóveis e internet para se informar, o que impossibilita a leitura, por exemplo, de Os Maias, de Eça de Queiroz, ou Dom Quixote, de Cervantes, num visor de TV, do smartphone ou da Internet. Publiquei dez livros em português, dois em francês (no Gabão e Rep. Centro Africana) e tenho quatro preparados para publicação, que não farei, porque já não se lê, ou lê-se muito pouco.

Outrossim, entre nós, em Cabo Verde, não obstante o aumento do número de escolas primárias, secundárias e “universidades”, a qualidade do ensino deixa muito a desejar, por os excelentes professores que se formaram no Seminário-liceu de S. Nicolau já não existirem, para o primário e secundário, e qualquer alfabetizado à pressa já pode ser professor primário; teima-se em equiparar o crioulo ao português, o que até levou a que, no Brasil, os nossos estudantes bolseiros a cursos superiores, por não dominarem o português, se ter aventado a hipótese de criar cursos de português para esses estudantes antes de entrarem na universidade. Em Portugal, as maiores dificuldades dos nossos estudantes universitários é expressarem-se mal em português.

Que se estude o crioulo, ou a nossa “língua” com as suas variantes, como dizem alguns, muito bem, mas equipará-lo ao português, é mesmo leviandade, venha donde vier, mesmo que venha dessa nova geração dita mais culta e melhor de todas, ou de mais alto.

Bem, estou falando de regimes e de épocas e isso irá ajudar-nos, talvez,  a entender o progresso da China e a idiossincrasia do seu povo, que nunca conheceu a liberdade, sempre privilegiou o colectivo, foi invadida e dominada por mongóis, japoneses e colonizado por ingleses até ter adoptado o comunismo com Mao Tzé Tung e Chu En Lai, que o libertaram de sujeições degradantes, em 1948, e, mais tarde, após a morte de Mao, pelo génio de Deng Xiaoping, que conhecia o Ocidente por ter vivido em França, no Tibete e na Rússia, a adoptar a economia de mercado nalgumas regiões, ao lado do comunismo, controlada pelo Partido Único Comunista, por saber que a riqueza se cria nas empresas, que a iniciativa privada comanda e dinamiza a inovação, a criatividade, o aumento da produção e daí a criação de emprego, o aumento dos salários e a melhoria do bem-estar das populações, quando bem regulamentada sob a batuta da justiça, a ponto de rapidamente ter retirado da miséria centenas de milhões de chineses e entrado na senda do desenvolvimento económico e tecnológico, a competir com os EUA e até os ultrapassar em tecnologia, sendo, agora, a segunda potência económica mundial.

Os chineses não se preocupam muito com os direitos humanos, dado que nunca os tiveram, contentando-se em viver muito melhor com os benefícios do seu desenvolvimento económico, social e tecnológico.

Critica-se o China por não valorizar, como o Ocidente, os direitos humanos, mas tolera-se a Arábia Saudita, uma teocracia que nem constituição possui, os Emirados Árabes Unidos, o Paquistão que escondeu Bin Laden e serviu de refúgio aos talibans, as ditaduras de direita da América Latina, tolerou-se a ditadura salazarista, espanhola e grega dos coronéis por serem anticomunistas, países que também não respeitam nem respeitaram os direitos humanos. Perguntaram ao Presidente Roosevelt porque os EUA toleravam a Arábia Saudita, e a resposta foi que, embora os seus governantes fossem uns grandes filhos da p…, eram amigos, vendiam o seu petróleo somente em dólares, depositavam as suas fortunas nos bancos ocidentais e faziam as suas aquisições nos EUA e Europa.

O Ocidente está preocupado com o apoio da China ao continente africano, iniciado, timidamente, comercialmente, melhorado gradualmente em 1980 com alguns apoios e dádivas, mais recentemente, em grande escala, com construção de infraestruturas – estradas, pontes, caminhos de ferro (como o de Djibuti que desencravou a Etiópia e outros países para a importação e exportação), barragens, portos com cais bem equipados, fábricas de transformação das suas riquezas naturais (matérias-primas), etc., que os colonialistas nunca fizeram, ou quando o faziam eram exclusivamente em benefício próprio.

Em Portugal, por exemplo, era proibido construir fábricas de transformação nas colónias desde o tempo da D. Maria I, para que a transformação se fizesse na metrópole, com enorme mais-valia, a exportar para as colónias e outros países. Recentemente (nesta semana) reuniu-se a União Europeia e a União Africana, preocupadas com o facto de a Rússia e a China estarem a ganhar preponderância em África. Uma das medidas dessa reunião foi produzir vacinas e testes em alguns países africanos (África do Sul, Etiópia, Quénia e Tunísia) com transferência de tecnologia, mas sem abrir mãos das patentes das vacinas que têm dado lucros fabulosos, quando a China, no Forum em Dakar de 2021 – que marcou os 20 anos da parceria sino-africana -, já tinha decidido financiar a produção de vacinas anti Covid-19 e outras no Egipto, Marrocos e Argélia, e já em 2020 financiou a construção de fábricas para produção de testes na Etiópia.

O Presidente da África do Sul reconheceu que a China, desde o princípio da pandemia, forneceu apoio sem falha à África. Os financiamentos das infraestruturas dos países pobres são, em grande maioria, geralmente doações, mas dos países ricos são empréstimos pagos em dinheiro ou em matérias-primas ao preço do mercado. Nas construções, cerca de 80% dos trabalhadores são nacionais e 20% chineses qualificados. Algumas empresas chinesas instaladas no estrangeiro utilizam pessoal desses países e fornecem produtos aos países onde estão e exportam. Além disso, treinam o pessoal que trabalha com eles de modo a que possam criar empresas nacionais. A China é o segundo contribuidor financeiro para as actividades de paz das Nações Unidas em África.

Os financiamentos chineses de 2007 a 2018, segundo um estudo da John Hopkins, destinavam-se a cerca de 5.000 projectos e ultrapassaram 207 biliões de dólares. A construção de grandes infraestruturas no estrangeiro deve-se também ao facto de o seu mercado interno chinês se ter saturado. Tem aumentado a quota parte das empresas privadas chinesas, praticamente inexistentes no início das cooperações, mas que agora representam 70% dos investimentos.

Nós, cabo-verdianos, temos beneficiado bastante com a cooperação chinesa, desde a construção do nosso Parlamento, no início da independência, recentemente, do Campus Universitário na cidade da Praia com faculdades, anfiteatros, laboratórios, bibliotecas e residência para os estudantes. O economista guineense Carlos Lopes é favorável à parceria com a China desde que se previna a concorrência com as empresas nacionais, a exemplo do que vem acontecendo com Marrocos, Djibuti e Etiópia.

A parceria dos países africanos com a China forçará os países que sempre nos exploraram a não mais continuar a considerar a África como uma fonte de matérias-primas e de mão de obra baratas de que podem servir-se como coisas suas ou a preços que eles próprios determinam.

Parede, Fevereiro de 2022                                                                                                                                         

*Pediatra e sócio honorário da Adeco

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 758, de 10 de Março de 2022

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