Nem tudo foi tão pacífico no último Congresso do PAICV, como se procurou fazer crer. Entre altos e baixos, houve momentos de fortes críticas à liderança do partido, entre as quais o alegado descaso em relação à Câmara Municipal da Praia e da gestão do “caso” Samilo Moreira. Para os mais atentos, não foi um “congresso de reunificação” do partido, agravado, ainda por cima, com o “até já” de Janira, sinal de que a liderança de Rui Semedo é a prazo.
Os apoiantes da antiga líder do PAICV, Janira Hopffer Almada, tanto para o Conselho Nacional como para a Comissão Política, com uma ou outra mudança, acabaram sufragados, agora na lista de Rui Semedo, no XVII Congresso do partido que decorreu no passado fim-de-semana.
Não houve, assim, a prometida inclusão das sensibilidades, como tinha anunciado Rui Semedo, na entrevista concedida ao A NAÇÃO, no número anterior.
Filú e José Maria Veiga no Conselho Nacional
Do chamado “Grupo de Reflexão”, críticos da anterior direcção e não só, entraram apenas Felisberto Vieira e José Maria Veiga, mas para o Conselho Nacional, um órgão que reúne de seis em seis meses.
A entrada de Sara Lopes também para o Conselho Nacional, depois de vários anos fora da política activa, foi outra nota de destaque, assim como o regresso de Cristina Fontes Lima, que integrou o secretariado do partido. Indefectíveis de José Maria Neves, nem Sara nem Cristina afinavam pelo mesmo diapasão de JHA.
Rosa Rocha: a escolha para vice-presidente
De resto, como já era previsível, Nuías Silva e João Baptista Pereira mantiveram-se nos cargos de vice-presidente. Rosa Rocha é o nome feminino encontrado para um dos lugares de vice-presidente do partido. E Julião Varela, que também vinha do mandato de JHA, como secretário-geral, manteve-se no cargo.
Conforme um destacado militante, o último congresso do PAICV “foi mais do mesmo”, porquanto “não houve a tão propalada unificação e, nem tampouco, a almejada renovação. Colocar Felisberto Vieira e José Maria Veiga no Conselho
Nacional não significa a integração de outras sensibilidades nos órgãos do partido”.
Reações de José Sanches
José Sanches, um dos críticos e adversários de JHA, excluído dos corpos dirigentes ora eleitos, diz num artigo de opinião deste número do A NAÇÃO, que o XVII Congresso do PAICV criou muita espectativa na sociedade na questão de renovação dos órgãos nacionais do partido, contudo, “podemos afirmar que não se conseguiu a renovação dos órgãos nacionais”.
“O que aconteceu”, sublinha, “foi apenas a saída da anterior presidente para a entrada de um novo presidente, criando uma vaga na vice-presidência que acabou por ser preenchida. Este fato, meche com o adágio popular que diz: em equipa que ganha não se mexe”.
Sobre a tese de coesão interna, aquele antigo deputado e adversário de JHA, aliado de Felisberto Vieira, diz que essa premissa não se concretizou no último congresso do PAICV, salientando igualmente que “não se pode falar em coesão quando no conselho nacional em 54 membros eleitos no congresso, repescas dois militantes que no passado confrontaram a anterior liderança e propala-se que já temos coesão e unidade”.
Até já de Janira
O facto de o presidente do PAICV, Rui Semedo, não ter assumido a possibilidade de se candidatar ao cargo de primeiro-ministro nas eleições legislativas de 2026, terá gerado uma certa insatisfação no seio de alguns militantes.
Estes estribam-se na ideia de que o lugar está a ser guardado para a antiga líder do partido, Janira Hopffer Almada. É que, normalmente, o líder que vem do penúltimo Congresso “é candidato a primeiro-ministro”.
Aliás, o enigma em relação ao regresso de JHA à liderança do PAICV adensou-se ainda mais quando esta deputada nacional, que ficou fora dos órgãos do partido, publicou um post no Facebook, logo após o término do congresso, com o seguinte teor: “O tempo faz milagres…! Até já !!!”.
Júlio Correia pede mais “seriedade e responsabilidade”
A publicação da antiga líder do PAICV provocou uma reacção do antigo secretário-geral do partido, Júlio Correia, do chamado Grupo de Reflexão, que, também na mesma rede social, comentou o “enigmático ‘até já’” de JHA.
“O ‘Até já’, posto no contexto político de quem pelo menos aparentemente não tem estado, pode ter muita interpretação. Uma delas é querer o melhor dos dois mundos, que não é o mais decoroso. Não se pode guardar a vez sem se pôr na fila.
Isto lembra ao antigamente, quando nas bichas do cinema da Praia certas pessoas marcavam lugares com pedras e iam à vida, regressando em cima da hora de comprar os bilhetes. Outrora era assim… tempo do ‘até já’. Por mim, já era tempo de olharmos para as coisas com mais seriedade e responsabilidade”, enfatizou.
Aliás, conforme um outro destacado militante do PAICV, JHA, que se apresentou no congresso com a sua falange de apoio, foi “muito ovacionada” no conclave. Ou seja, mesmo ausente, a sua presença é ainda muito forte no partido, com todos os riscos que isso poderá significar para o novo líder, Rui Semedo, e todo o sistema tambarina.
Ambições de Francisco Carvalho
Apenas dois presidentes de Câmaras Municipais lideradas por autarcas do PAICV, neste caso Nelson Moreira (Ribeira Grande de Santiago) e Francisco Carvalho (Praia) ficaram de fora da Comissão Nacional (CN) do partido.
Rui Semedo esclareceu que foi adotado o princípio universal no qual todos os presidentes das câmaras municipais afectos ao PAICV deveriam ser eleitos nas listas do CN, pelo que admitiu falhas em relação a Nelson Moreira, alegando que “foi um erro e uma falha grave”.
Já em relação ao presidente da Câmara Municipal da Praia, revelou que não integrou a lista a pedido do próprio Francisco Carvalho, asseverando que pretende concentrar “toda a sua atenção na autarquia da Praia”, pelo que entendeu por bem ficar de fora deste órgão.
Mas, para alguns dirigentes do PAICV contactados por A NAÇÃO, a justificação de Francisco Carvalho “não cola”, porquanto a CN reúne-se uma vez por semestre.
Conforme as mesmas fontes, Carvalho não terá ficado muito contente com o facto não ter sido escolhido para o cargo de vice-presidente do PAICV.
A NAÇÃO sabe que João Baptista Pereira, que continuou como vice-presidente, tinha manifestado ao presidente do partido em ficar de fora desse cargo caso Rui Semedo assim entendesse, como forma de o mesmo poder atender outros “apetites”, como era o caso de Francisco Carvalho.
Ainda de acordo com os nossos interlocutores, Francisco Carvalho recusou o lugar no CN por entender que a cúpula do PAICV não lhe tem apoiado na sua luta à frente da CMP e por Samilo Moreira, vereador desprofissionalizado dessa autarquia, não ter sido expulso do partido na sequência das desavenças entre os dois.
Com este posicionamento, Francisco Carvalho fica a “correr solto” e, caso venha a reconquistar a CMP nas eleições autárquicas de 2024, é bem provável que venha a concorrer à liderança do PAICV em 2025.
Rui Semedo quer um PAICV inovador e aberto à sociedade
No encerramento do XVII Congresso que decorreu no passado fim-de-semana, na cidade da Praia, o presidente do PAICV, Rui Semedo, prometeu trabalhar para manter acesa a chama da liberdade e democracia, “num momento de grande complexidade para o país”.
Ou seja, “um partido inovador, presente, incorporador dos valores da modernidade, aberto à sociedade e promotor de uma cultura democrática, virada para um intenso diálogo nacional”.
Rui Semedo definiu também o último Congresso, como sendo “muito importante” e “um grande momento” de partilha de ideais, propostas, contribuições, sentimentos e forças, que redundou na eleição dos órgãos nacionais, baseados “num grande equilíbrio”, listas integradoras, quer em termos de géneros masculino/feminino, quer em termos etários, de modo a trabalhar para a influenciação da política nacional.
Considerando que Cabo Verde vive momentos difíceis, agravados com desafios provocados pela crise e pela “política inadequada ao momento actual, com alta extraordinária de preços de produtos essenciais com a diminuição clara no poder de compra” e agravamento do desemprego, o presidente do principal partido da oposição pediu a todos para combater os desperdícios e a insegurança interna.
Vencer a crise, relançar a economia, minimizar as dificuldades, proteger os mais vulneráveis, eliminar gastos desnecessários foram apontados por Rui Semedo como grandes reptos para que Cabo Verde vença a insegurança alimentar e energética, pela via de logística de armazenamento e aumento de produção nacional.
Tratamento igualitário a todos os cabo-verdianos para evitar o atentado à liberdade e à democracia e, a promoção do emprego, da saúde, assim como o combate às assimetrias regionais e sociais e habitação condigna foram, igualmente, referenciados por Rui Semedo como políticas assertivas, que o país carece, para o bem-estar dos seus filhos.
Rui Semedo sucedeu a Janira Hopffer Almada, que colocou o cargo à disposição na sequência dos resultados das eleições legislativas de Abril de 2021, que ditaram a vitória do MpD. Deputado nacional do PAICV, tem sido ele, juntamente com João Baptista Pereira, a protagonizar os momentos de maior embate com o Governo e a bancada do MpD.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 763, de 14 de Abril de 2022