O novo presidente do PAICV, que será consagrado no XVII Congresso do partido, neste fim-de-semana, na Praia, afirma que vai exercer o mandato de três anos voltado para servir o partido, no sentido de melhorá-lo, engrandecê-lo e proporcionar a sua modernização. Garante que será um líder por inteiro, assumindo claramente que não é “um líder de transição”. Rui Semedo diz ainda que não considera Janira Hopffer Almada como uma “líder sombra” do PAICV.
Este congresso do PAICV não está a ser tão mediatizado como os anteriores. Qual é a razão dessa pacatez?
Eventualmente, o contexto em que vivemos faz com que outras questões sejam mais mediatizadas. Vivemos um contexto especial em que as pessoas estão voltadas para a busca de soluções dos problemas que as afectam.
Mas, também acho que são os factores ligados à crise, designadamente a crise pandémica, económica, social e sanitária e agora a guerra na Ucrânia, que beliscou a paz, essencialmente na Europa, mas com um impacto global.
As pessoas estão voltadas para essas questões e com alguma razão, porque a situação é muito crítica, há muitas incertezas e as pessoas têm razão para estarem preocupadas com outras agendas que não sejam apenas as agendas político-partidárias.
Moção de Estratégia
Quais são as linhas gerais da sua Moção Estratégica?
Trabalhamos a questão do partido, que é uma questão central, porquanto os congressos servem um pouco para avaliar o desempenho do partido, as suas propostas, a forma de ultrapassar os constrangimentos e projetar novas formas de agir.
De qualquer maneira nós avaliamos o contexto em que vivemos e que tem todas essas variantes que já falámos. Quando fizemos as eleições internas não havia este último item relacionado com a segurança mundial, que entrou na agenda com muita força. Por conseguinte, avaliámos o contexto, avaliámos a questão das políticas actuais e avaliámos as propostas para um melhor desempenho na governação do país, tais como a transparência, a prestação de contas, os itens da boa governação do país e das reformas que precisam ser empreendidas.
Segurança: uma dimensão crítica
E em relação à segurança?
Na questão da segurança, nasua dimensão interna, deve-se realçar que há poucos dias o ministro da Administração Interna e o director nacional da Polícia Nacional acabaram por reconhecer que, afinal, havia crescimento da criminalidade.
PAICV tem vindo a denunciar a situação da criminalidade, nomeadamente a criminalidade urbana, mas o Governo sempre negou que a situação estava a agravar-se. Agora que chegamos num ponto em que é impossível esconder os factos, o Governo vem a público reconhecer que, afinal, em 2021, a criminalidade aumentou em mais de 30%.
Isto significa que o PAICV tinha razão quando estava a apresentar a dimensão da segurança como um aspeto crítico que precisava de cuidados especiais. A situação agravou-se não obstante os investimentos anunciados, dos fatores inibidores que foram implementados e do aumento de meios para a dimensão da segurança, designadamente a implementação do sistema de videovigilância. Mesmo assim temos o aumento da criminalidade à vista de todos.
“Não sou um líder de transição!”
Terminará o seu mandato ainda no decurso desta legislatura, o que significa que haverá um outro congresso do PAICV antes das eleições legislativas de 2026. É um líder de transição ou renovará o mandato para concorrer ao cargo de primeiro-ministro?
Tenho dito sempre que os mandatos não podem ir para além dos limites fixados. Tenho um mandato de três anos, despois desse período eu me submeterei a uma avaliação dos eleitores internos, também a uma avaliação da sociedade e à minha autoavaliação.
Depois dessas avaliações tomarei uma decisão. Vou exercer este mandato voltado para servir o partido, no sentido de melhorá-lo e engrandece-lo, mas voltado, também para a sua transformação e modernização, assim como para preparar o partido para os próximos desempenhos eleitorais.
Sou um líder por inteiro, vou assumir o meu mandato por inteiro, assumindo os compromissos que tenho com o partido. Não sou um líder de transição!
Um partido de todos
Um dos pontos críticos do seu partido é a diversidade interna, por muitos interpretada como falta de unidade. Vai reforçar o direito às tendências ou vai insistir no dirigismo de cúpula?
Temos que encarar esta dimensão plurigeracional do PAICV, com várias sensibilidades, como um partido democrático livre que permite a expressão das sensibilidades. As tendências, que não são promovidas pela cúpula, têm de ser respeitadas, enquadradas e aproveitadas como um recurso do partido.
A diversidade é uma riqueza e um partido que tem contribuições diversas a receber, quer do ponto de vista das gerações, quer do ponto de vista das sensibilidades, é um partido rico. Não haverá dirigismo, porquanto não faz parte do meu estilo, mas haverá um partido de todos.
Regresso de Janira ao Parlamento
Janira Hopffer Almada, que acaba de regressar ao Parlamento, será uma líder sombra ou há um entendimento de colaboração estreita?
Um ponto assente é que Janira saiu. Saiu assumindo que deixaria as portas abertas para que o partido encontrasse uma nova solução para prosseguir o seu caminho normalmente. Nesse aspeto eu não tenho receios nenhuns. Não a considero uma líder sombra, porquanto pôs fim à sua liderança por vontade própria. Janira Hopffer Almada, tal como os outros antigos líderes do PAICV, são recursos que o partido deve aproveitar.
Uma franja significativa do seu partido defende uma profunda e alargada renovação dos órgãos. Até que ponto essa reivindicação será atendida nas listas que serão sufragadas no congresso?
Vamos fazer esse esforço. As listas, normalmente, buscam esses equilíbrios. Vamos ter de buscar equilíbrios regionais, não serão equilíbrios ótimos, mas temos que buscar equilíbrios do género, etários e o equilíbrio das sensibilidades.
Para além disso, teremos que incorporar os equilíbrios das competências e das valências individuais, porque o partido precisa ter competências diversificadas em várias áreas do saber e do desenvolvimento.
Quem são os candidatos a vice-presidente do PAICV?
Não avançaria ainda os candidatos a vice-presidente, porque ainda estou a tentar fechar o terceiro candidato a vice-presidente. Estamos à procura de equilíbrios. O que lhe posso garantir é que os dois vice-presidentes (Nuias Silva e João Baptista Pereira) vão continuar.
O outro vice-presidente será uma mulher?
Em princípio sim.
Já tem um nome para o cargo de secretário-geral?
Ainda não, estamos a trabalhar.
Fala-se de Démis Almeida e até mesmo de Fleisberto Vieira, confirma?
Não confirmo nenhum desses nomes.
“Governo perdeu tempo e oportunidades“
Que avaliação faz da governação do país?
Há uma perspectiva que devemos condenar, que é o eterno recomeço com as mudanças de Governo. O actual Governo perdeu tempo e oportunidades. Perdeu tempo nas reformas dos sectores mais importantes, perdeu recursos e agora quase que volta para o retomar de algumas questões.
Isto está patente no sector dos transportes, nas reformas do Estado, no setor da habitação, na saúde, na educação. Nos transportes é mais evidente porque voltamos à estaca zero para o retomar das medidas e das soluções.
Por outro lado, o país enfrenta uma crise económica e social profunda e temos pessoas a passar por situações críticas. Aí o Estado deve ter uma solidariedade mais ativa para fazer face à situação.
O Governo propôs algumas medidas, mas não foi a fundo, no sentido de encontrar formas mais consequentes, nomeadamente, a reforma tributária num contexto de crise e num contexto de aumento permanente quer dos preços, mas, também, das condições que deterioram a qualidade de vida das pessoas.
Necessidade de um Estado mais solidário
Como é que tem sido o diálogo entre o Governo e a oposição?
Ainda não temos o diálogo óptimo! Tem havido alguns encontros, depois da nossa insistência de que o país precisa ser governado em diálogo permanente.
Não é dizer que o país deve ser governado em coligação, porquanto há um partido com maioria clara para governar. Mas há questões essenciais, por exemplo, este contexto de crise exigiria um diálogo permanente para que seja colocado em cima da mesa o quadro em que vivemos, as questões mais críticas do país e da necessidade do envolvimento de todos na construção de soluções e caminhos para o desenvolvimento do país.
Coloquei também em cima da mesa a necessidade de um Estado social neste momento de crise: um Estado mais solidário e mais amigo; um Estado mais presente; um Estado que não deixa ninguém para trás e um Estado capaz de arrastar os outros no sentido de terem as condições para poderem enfrentar esta situação de grandes dificuldades.
Próximas autárquicas: ganhar mais câmaras
A sua primeira grande prova de fogo serão as eleições autárquicas. Quais são as suas expetativas em relação a esse pleito eleitoral?
Ainda é cedo, mas de qualquer maneira falamos mais de objectivos. Nós temos o objectivo de aumentar o nosso desempenho eleitoral, o que significa ganhar mais câmaras e ter maior presença nas assembleias municipais. Este é o objetivo e queremos melhorar o panorama de representação política autárquico por parte do PAICV.
Qual é o posicionamento do PAICV em relação à revisão constitucional?
Estamos a avaliar essa questão. O PAICV tinha feito uma proposta de revisão, no anterior mandato, que não foi até às últimas consequências, mas, neste mandato, vamos trabalhar a dimensão da revisão constitucional.
É claro que a revisão constitucional tem, por um lado, melhorar as condições para termos mais liberdade, mais democracia e mais desenvolvimento.
A questão da dimensão democracia está relacionada com a participação das pessoas tem de ser sempre revisitada.
A questão da credibilização da nossa democracia tem de ser também revisitada para podermos criar as condições para que as regras do jogo democrático sejam cada vez mais claras, cada vez mais consensuais e cada vez mais confiáveis. Há também a questão da justiça: no momento da revisão da Constituição temos que discutir quais as áreas que poderão ser revistas.
Temos que ter uma Constituição que permita o crescimento das instituições, o fortalecimento das liberdades, a consolidação da democracia e a promoção do desenvolvimento.
Estatuto Especial da Praia e Regionalização
O Estatuto Especial da Praia e a Regionalização são dois diplomas que há muito estão encalhados no Parlamento. O PAICV pretende viabilizar esses dois instrumentos?
Nunca tivemos qualquer problema em relação à implementação do Estatuto Especial da Praia. Questionamos, sim, o modelo que se queria impor, idem com a regionalização. Nunca nos posicionamos contra a regionalização, posicionamo-nos contra o modelo proposto da regionalização.
Qualquer destas soluções, quer para o Estatuto Especial da Praia, quer para a regionalização, que tem uma implicação mais abrangente a nível nacional, teremos que encontrar soluções que se ajustem ao modelo de desenvolvimento que queremos, ao modelo de participação que queremos, ao modelo de contribuição para participação no poder, mas também ao modelo que promova as condições para o desenvolvimento integral do país.
O que para nós é um ponto assente é que temos que encontrar modelos que permitam que as ilhas sejam integradas, que ninguém e nem uma ilha seja marginalizada e que sejam aproveitadas as potencialidades de cada ilha.
O PAICV vai apresentar novas propostas de regionalização e do estatuto especial da Praia ou vai deixar tudo nas mãos do Governo?
Seria a nível do Grupo Parlamentar, mas vamos analisar. Já tivemos propostas em qualquer das áreas, portanto, é fácil voltar a ter propostas nesses setores.
Que mensagem deixa aos militantes e aos cabo-verdianos, na véspera deste Congresso do PAICV?
Aos militantes deixamos uma mensagem de entrega e dedicação, no sentido de trabalhar para termos este partido grande, que sempre foi grande e que merece continuar a ser grande para cumprir a sua missão. Todos os partidos são fundamentais para a democracia e o PAICV tem a consciência do seu lugar e do seu papel.
O PAICV deu grandes contribuições para o desenvolvimento do país e tem de continuar a estar identificado profundamente com as preocupações, os anseios e motivações dos cabo-verdianos para poder continuar a dar respostas enquanto partido útil, moderno e inovador e de um partido que tem propostas claras para o desenvolvimento.
Aos cabo-verdianos dizer que estamos aqui presentes, enquanto partido, para sermos também avaliados pelos cabo-verdianos, com as nossas propostas, abertos a críticas, e contamos com os cabo-verdianos nesta nova fase de relançamento do PAICV.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 762, de 07 de Abril de 2022