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Economia

Escalada de preços: comerciantes e vendedeiras sem certeza do amanhã

As consequências da invasão russa à Ucrânia estão a chegar a Cabo Verde aos poucos, impactando na vida dos cabo-verdianos. Após a crise imposta pela seca e pela pandemia, o aumento do preço dos produtos de primeira necessidade não para de se agravar. Com a especulação a dar sinais de alastramento, o Governo conta anunciar a qualquer momento medidas de mitigação.

Se há dois anos, na situação provocada pela pandemia, os produtos quase que duplicaram de preço, hoje, com a guerra na Ucrânia, há mercadorias cujo valor no mercado triplicou. São os casos do óleo de cozinha, azeite, farinha de trigo, cereais, milho, manteiga, ovos, entre outros, presença cada vez mais rara na mesa das famílias de baixa renda, com salário mínimo de 13 mil escudos.

Na cidade da Praia, ultimamente, um quilo de farinha de trigo subiu de 55 para 100 escudos, o óleo de cozinha de 170 para 350, massa espaguete de 60 para 100 escudos, pão carcaça de 10 para 20 escudos, relembrado que o preço destes produtos básicos varia de loja para loja, sempre em cadeia.

Em São Vicente, numa das mercearias mais movimentadas da Ribeirinha, um litro de óleo inicialmente vendido por 130 escudos aumentou para 190 na pandemia e agora para 290 escudos. Os ovos passaram de 15 para 18 escudos, um quilo de farinha de trigo de 45 para 70 escudos, açúcar de 55 para 95 escudos (kg), manteiga um quilo de 220 para 360 escudos.

Segundo o dono da loja, Silvino Sousa, o impacto desses aumentos já é visível. “As vendas enfraquecem muito. Os produtos que mais vendíamos subiram todos de preço e hoje vendemos menos porque os clientes não querem levar a mesma quantidade por um preço mais elevado”, explicou.

Sobreviver

Para além das famílias que já se queixam da diminuição do poder de compra, as consequências são mais visíveis nos pequenos comerciantes e vendedeiras ambulantes, sobretudo aqueles cujos produtos são à base de farinha e óleo. Ivânia, uma jovem na casa dos trinta anos, faz pastel, rissóis, bonetes, bolinhos, entre outros, há mais de 10 anos, para vender na paragem de autocarro em Platô, na cidade da Praia.

Ultimamente, segundo contou ao A NAÇÃO, com a escalada do preço dos produtos que são a base para o seu negócio, não viu outro jeito se não subir o preço ou diminuir a quantidade.

“Vendíamos quase tudo pelo mesmo preço, 10 escudos por cada unidade. Depois que o óleo passou a custar os olhos da cara, assim como a farinha que duplicou o preço, não vimos outro jeito senão subir o preço. Aumentamos cinco escudos, uma quantia que não justifica muito mas que não vai afastar a clientela. Mesmo assim, há quem entenda a situação já que a subida é generalizada, mas há outros que desistem de comprar na hora”, contou a jovem moradora em Eugénio Lima, mãe de três filhos, todas a depender unicamente dela.

Com o dinheiro da venda ambulante que faz no Platô, Ivânia diz que hoje já não dá para ir ao supermercado e comprar tudo o que precisa para sustentar a família ao longo do mês. Que a sua nova política tem sido “esquecer a maioria e comprar apenas o essencial”.

Sacrifício

A jovem diz compreender a situação difícil que se enfrenta tendo em conta que o problema é mundial. Mas entende também que o Governo tem de arranjar alguma solução para socorrer os mais vulneráveis, como ela.

“De banheira à cabeça, temos de estar de olho nos clientes e nos fiscais para não perdermos o dia. Já que a situação é complicada para todos e o Governo não tem trabalho digno para todos, então que nos deixem vender na rua, apenas estamos a procurar o sustento para a nossa família”, protestou a jovem que diz acordaràs 3 horas da madrugada e sai para vender e volta a casa por volta das 18 horas, uma rotina diária para garantir o sustento.

Em São Vicente, A NAÇÃO abordou a vendedeira ambulante de donetes, Juliana Pires. Há 17 anos neste ramo, esta cidadã de 49 anos confessa que, com o aumento dos preços de todos os bens que utiliza na confecção dos seus produtos, tem sido difícil seguir em frente.

“Eu vendia donetes por 10 escudos, com o aumento dos produtos tive que aumentar para 15 escudos, e ultimamente as vendas têm sido muito fracas. Tenho saído às ruas e quase que não consigo vender”, contou.

Juliana diz que se antes conseguia vender 10 donetes por 100 escudos, hoje os seus clientes preferem levar 6 pelo mesmo preço, uma situação que já reflecte negativamente nas vendas. “Há dias em que só saio para vender uma vez por semana porque já não tenho dinheiro para comprar os produtos e correr o risco de não vender e voltar com elas para casa”.

Pires diz ainda que, para além das vendas ambulantes, conseguiu colocar os seus donetes numa mercearia, mas não tem tido muito sucesso: as vendas têm sido fracas e muitas das vezes fica no prejuízo. “Às vezes fico no prejuízo porque passado três a quatro dias, se não forem vendidos, tenho de os ir buscar”, lamenta.

Diante destas dificuldades, sem muito rendimento, confessa que prefere economizar os ganhos para pagar a renda no final do mês ao invés de comprar algo para comer. “Praticamente que não ganho muito com as vendas, mas só continuo a tentar porque tenho uma renda mensal de sete mil escudos, junto com as outras despesas de luz, água, gás e comida e ainda a minha filha de 14 anos para sustentar”, termina.

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 760, de 24 de Março de 2022

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