Fidel Lopes (em Zaanstad) e Jessie Silva (em Schiedam) foram os únicos descendentes de cabo-verdianos eleitos deputados municipais nas suas respectivas cidades, nas eleições que decorreram, na Holanda, entre 14 e 16 de Março. Os resultados mostram que a adesão às urnas foi das piores de sempre, com apenas 50,3 % dos eleitores a irem às urnas, a nível nacional. Aquém das expectativas ficou, igualmente, a adesão da comunidade cabo-verdiana, especialmente em Roterdão, onde reside a maioria, onde apenas cerca de 39% de 500 mil eleitores inscritos, foram votar. Agora, deixa de estar representada nesse conselho municipal.
Fidel Lopes, 34 anos, nasceu em Roterdão, mas é filho de pai nascido e criado em Cabo Verde, na Ribeira Grande de Santo Antão. “O meu pai veio para a Holanda, com a família, quando tinha 17 anos”, recorda, com saudade, pois, o pai faleceu há três anos atrás.
A residir em Zaanstad, um município perto de Amsterdão, Fidel era o número dois da lista do VVD, partido popular para a liberdade e democracia. Um partido liberal, sendo, actualmente, a força maioritária que sustenta o Governo daquele país.
Conforme contou ao A NAÇÃO, há vários anos que está ligado ao partido, mas esta foi a primeira vez que fez “uma tentativa séria de ser eleito” e, pelos resultados obtidos, valeu a pena. O seu partido recebeu 6100 votos, cinco lugares na mesa (dos 39 disponíveis), e ele, pessoalmente, quase teve 600 votos.
“Zaanstad é um ótimo município para viver, trabalhar e fazer negócios. Sob o lema ‘Zaanstad fica bom, melhora’, estou feliz em representar os moradores e empresários, no concelho da cidade. No conselho municipal estamos muito próximos das decisões que têm um grande impacto no dia a dia das pessoas. Juntamente com os moradores e empresários de Zaanstad, enfrento os desafios da vida quotidiana. É assim que preparamos Zaanstad para o futuro. Eu gosto de fazer um esforço para um ambiente financeiramente saudável, sustentável e seguro para todos os habitantes”, explicou.
Importância da língua para a integração
Agora que você foi eleito, defende que falar a língua (holandesa) é importante para a integração dos cabo-verdianos. “Oferecemos cursos acessíveis para aprender o idioma aos recém-chegados e combater o analfabetismo. Assim, esperamos o máximo esforço de todos para aprenderem o holandês”.
Fidel diz ainda que “há muitos recém-chegados, em Zaanstad, que encontraram o seu próprio caminho e se integraram na nossa sociedade”. “Eles aproveitaram as oportunidades que o país oferece. Temos orgulho disso e esperamos o mesmo dos outros”, apela.
Em 2010, Fidel veio conhecer Cabo Verde. “Passei três semanas em Cabo Verde, com o meu pai e a minha irmã. O meu pai achava que deveríamos ver e experimentar o ‘seu’ país. Fizemos um tour pelas ilhas de Santiago, Sal, São Vicente e, claro, terminamos em Santo Antão, onde conhecemos alguns membros da nossa família lá”, recorda.
A par da política trabalhou na área tecnológica, embora tenha se formado em gestão escolar, para ser diretor de escola, mas acabou por não seguir este caminho. “Tive a minha própria empresa, durante 13 anos, onde fui diretor operacional de desenvolvimento de software.
No ano passado, vendi esta empresa para, entre outras coisas, libertar tempo para a minha carreira política. Agora, sou gerente operacional em uma empresa de arquitetura”.
Jessica Silva vai lutar pela igualdade de oportunidades
Jessica Silva, segunda da lista do PvdA, também foi eleita, mas em Schiedam, sua cidade natal. Filha de pai de São Vicente e mãe de São Nicolau, diz-se “muito grata” pela eleição e pelo apoio de todos, tendo conquistado 395 votos.
Entre outros desejos, primeiro quer apostar na literacia. “Investir em oportunidades iguais e em boas capacidades de leitura, escrita e digital, para todas as pessoas que vivem em Schiedam”, elencou sobre alguns dos projectos que pretende empreender. Aquando da entrevista ao A NAÇÃO número 758, de 10 de Março, antes do pleito eleitoral, Jessica garantiu que se fosse eleita ia ouvir as pessoas da comunidade para “resolver problemas na área da língua, escola, trabalho, saúde”, entre “outros assuntos”, importantes.
Apelo ao voto dos cabo-verdianos em prol do colectivo
Já Jane Ortet, do Denk, e Isabel Monteiro do PvdA, não conseguiram ser eleitas, mas nem por isso vão pôr a política de parte.
Ortet conseguiu 394 votos, subindo do número oito para o número cinco. Foi por pouco, pois o partido conseguiu ganhar quatro assentos.
Jane, que é professora de história de África, acredita que o resultado “não é o fim”. “Isto não tem haver com ser eleita, mas sim com o facto dos cabo-verdianos usarem o voto enquanto colectivo”, apela. Por isso, garante que, nos próximos quatro anos, vai continuar a dar o seu “melhor” para “orientar os cabo-verdianos e outras comunidades negras, a fazerem demandas políticas e verem os benefícios de votarem colectivamente”.
Também Isabel Monteiro, número quatro da lista do PvdA, na cidade de Capelle ann den IJssel, onde o partido conseguiu apenas dois assentos. Contudo, segundo avançou ao A NAÇÃO, vai ficar Conselheira Cívica.
“Fico um pouco triste porque poucas pessoas foram votar, apenas 43%, na Capelle ann den IJssel. Era bom termos tido mais votos, porque fizemos muitas coisas boas, aqui”, lamenta. Mesmo assim, promete continuar ligada à política a lutar por questões como a saúde educação.
Vários candidatos cabo-verdianos
Recorde-se que estas eleições municipais na Holanda ficaram marcadas por uma boa adesão dos cabo-verdianos às listas, conforme demos conta no A NAÇÃO número 758, de 10 de Março, numa antevisão do pleito eleitoral.
Cerca de 20 partidos concorreram às municipais, só em Roterdão. Dos 352 municípios que existem na Holanda, estima-se que, a nível nacional, apenas cerca de 13 partidos têm representação em todo o país, havendo uma forte representação de partidos locais ao nível de cada município. Outros descendentes como o jovem Gabriel Barros e Nelson Rodrigues, de quem dêmos conta na referida reportagem anterior, também não conseguiram se eleger.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 760, de 24 de Março de 2022