Por: Arsénio Fermino de Pina *
A última reunião sobre o clima – COP 26 – terminou a 13 de Novembro e foi cheia de boas intenções, mas pobre em objectivos quantificados e datados, o que desesperou os contestatários, maioritariamente jovens e futuras vítimas dos abusos do uso dos combustíveis fósseis e do egoísmo de certos governantes. Nessa reunião realizada na Escócia, não compareceu o presidente da China, actualmente a maior poluidora mundial, nem o da Rússia, o quinto na lista dos grandes poluidores do meio ambiente, sobretudo da atmosfera. Há grandes poluidores atmosféricos que só aceitam atingir a neutralidade carbónica, isto é, deixarem de produzir gases com efeito de estufa no ano 2070 e não em 2030 ou 2050, como a Índia, o terceiro maior poluidor mundial, o que é manifestamente uma incongruência, dado que nessa data, mantendo-se os níveis actuais bastante altos de poluição atmosférica com aumento de temperatura global, países (inicialmente ilhas, no Pacífico, Mediterrâneo, Índico, Antilhas e noutras zonas) e cidades costeiras, já terão desaparecido, submersos, em consequência da subida da água dos mares. Imagine-se a tragédia desses factos! Como resolver a migração e fixação das populações desses países desaparecidos, se, nos tempos que correm, há graves problemas com os migrantes que fogem da miséria, guerra e perseguições políticas e religiosas rumo à Europa?
Constata-se que certos governantes, do tipo de Trump, que abandonou estupidamente o Acordo de Paris, e Bolsonaro, que tem estado a destruir a floresta da Amazónia para criação de gado e agricultura intensiva, não fazem a mínima ideia, ou não acreditam, na situação actual nem nos factos apontados por cientistas que vêm estudando, há anos, os efeitos do aquecimento global devido ao uso imoderado de energias fósseis (carvão, petróleo e gás) e da destruição de florestas. A luta dos jovens, de seus apoiantes e a movimentação agressiva da sociedade civil, apoiadas em factos irrefutáveis, parece-nos ser a única maneira de convencer os governantes da emergência da situação, pondo de lado medidas paliativas e adoptando acções verdadeiramente revolucionárias, que subvertam totalmente o egoísmo, o lucro, das grandes empresas produtoras de combustíveis fosseis e a estupidez de certos governantes comprometidos com as mesmas empresas. Persistindo na política que se vem seguindo estaremos, como afirmou o secretário geral das Nações Unidas, A. Guterres, a cavar a nossa própria sepultura. Há certos limites que desconhecemos que não podemos atingir por serem irreversíveis, isto é, se chegarmos a eles, não haverá remédio, estaremos irremediavelmente condenados, por mais acções que viermos a tomar.
Vejamos alguns factos em que os governantes não querem acreditar ou que julgam ultrapassáveis, quando cientistas de alto gabarito, que dedicaram toda a vida ao estudo das causas do aquecimento global, confirmam, para fazermos uma ideia dos perigos que nos rondam e entendermos as alterações climáticas e as consequências que delas vimos sofrendo.
A temperatura média atmosférica tem aumentado a um ritmo preocupante com consequências devastadoras devido ao chamado efeito de estufa, provocado pelo uso e abuso de energias fósseis com produção de bióxido de carbono (CO2), óxido nitroso e metano.
Aumento da temperatura média atmosférica, da água do mar com o consequente aumento da evaporação de vapor de água para as nuvens, saturação da água do mar em CO2 e aumento da sua acidez, a qual leva à libertação de CO2 de certos sais que o contêm para a atmosfera, destruição de corais devido ao aumento da temperatura e acidificação da água do mar, diminuição da espessura do gelo dos polos e sua fragmentação em grandes blocos (icebergs) que se espalham pelo oceano, bem como do degelo dos glaciares das montanhas cuja água se escoa para lagos ou para o mar através de rios. A diminuição da quantidade de gelo e de glaciares tem outra consequência grave: por serem brancos brilhantes reflectem para o espaço 35% da luz solar, contribuindo para o arrefecimento do planeta, efeito que desaparece, passando o solo a reter o aumento de temperatura. O aquecimento da água do mar provoca libertação de vapor de água para as nuvens e esse vapor de água absorve calor da radiação solar alterando a circulação das correntes aéreas, provocando chuvas torrenciais, inundações catastróficas, ciclones ou tufões devastadores nalgumas zonas e secas noutras, de que já temos alguns exemplos recentemente. As nuvens normais são brancas e reflectem a luz solar, o que já não acontece quando carregadas de vapor de água, que absorvem calor.
Calcula-se que se todo o gelo dos polos, da Gronelândia, dos glaciares das montanhas se derreter, isso levaria a uma subida de 20 metros do nível da água do mar, que nem um novo Noé nos valeria.
A água proveniente do degelo polar e dos glaciares das montanhas que não vai parar ao mar leva à formação de lagos e lagoas em certas regiões e, com o aumento do calor, cria-se um ambiente propício ao desenvolvimento de bactérias que produzem mais CO2, e até de metano proveniente dos fundos lacunares contendo restos de plantas e animais, o que complica mais a situação por o metano ter trinta vezes mais poder de efeito de estufa do que o CO2. O aquecimento global permite a existência de insectos, bactérias e parasitas causadores de doenças antes localizadas nos trópicos.
As florestas tropicais e das periferias árticas absorvem cerca de 30% do CO2, outro tanto pela água do mar e pelo plâncton, mas tanto as florestas como o plâncton estão sendo destruídos pelo aumento da temperatura ambiental e da água do mar, o que têm provocado incêndios florestais, além do facto de uma enorme percentagem dessas florestas estarem a ser destruídas para implantar agricultura intensiva e para pastagem de animais para produção de carne. Veja-se o que se passa na Amazónia com a política de Bolsonaro, em certos estados da América do Norte com o corte de árvores para fins industriais e de construção, a substituição da floresta na Indonésia por palmeiras produtoras de óleo transformado em combustível. Quando se destrói uma floresta, o carbono que as árvores continham e absorviam passa para a atmosfera, deixando também de produzir oxigénio e certo grau de frescura da atmosfera pela libertação de vapor de água pelas folhas.
As zonas de tundra do norte europeu, de terra congelada chamada permafrost contendo detritos vegetais e animais, armazenam grandes quantidades de CO2 e metano. Com o aquecimento global vêm sendo derretidas libertando mananciais de CO2 e metano. Nessas zonas, fazendo-se furos no permafrost e acendendo um fósforo, o orifício do furo acende-se como se fosse uma boca de fogão a gás, por libertar metano.
A corrente marítima quente do Golfo do México, que costeia os Estados Unidos no sentido do Polo Norte beneficiando os países por onde passa, corre o risco de mudar de trajecto dado o arrefecimento da água do mar a norte provocado pelos blocos de gelo desprendidos do Polo Norte e da Gronelândia.
Não há dúvidas de que é o homem o grande causador do aquecimento global e das consequentes alterações climáticas pelo seu egoísmo, pelo capitalismo desabrido, a estupidez de alguns governantes e a ganância do lucro. Há e sempre houve alternativa para isso, mas as ambições dos poderosos promotores e beneficiários dos combustíveis fósseis têm obstaculizado o avanço na sua substituição pelas chamadas renováveis, que não produzem CO2, nem óxido nitroso nem metano: energia solar, eólica, hídrica, das ondas do mar e nuclear. A nuclear é a que provoca mais contestação, mas as novas centrais nucleares são muito mais seguras e há grandes investimentos, como expliquei num artigo recente sobre as investigações e investimentos de Bill Gates, para neutralizar os riscos da energia nuclear. Há países que têm investido grandemente nestas energias, como os do norte europeu, Estados Unidos, China, Rússia, Marrocos, Arábia Saudita acautelando a era pós-energia fóssil. Como esse tipo de energia está sendo mais procurada, defendida e desenvolvida, tem baixado de preço e pode ser mais largamente utilizada, mesmo pelos países do chamado Terceiro Mundo. O nosso futuro está nas energias renováveis e bom será que tudo se faça para o seu desenvolvimento e utilização, canalizando para elas os grandes subsídios e investimentos que têm sido dedicados às energias fósseis.
A reunião chegou a um acordo final, um tanto decepcionante, mas um passo em frente que terá de ser levado a sério, implementado e controlado regularmente: os países mais poluidores e ricos devem financiar os mais pobres para lhes permitir a transição sem grande sofrimento para a descarbonização, tanto em meios financeiros como tecnológicos; há que suspender a destruição de florestas ou sua substituição por outras como as da Indonésia de palmeiras produtoras de óleo para fins energéticos, e intensificação da rearborização até ao ano 2030; diminuição gradual do uso do carvão (infelizmente não sua suspensão até 2030, como proposto inicialmente por objecção da Índia, grande utilizadora desse combustível); diminuição de 45% até 2030 do uso dos combustíveis fósseis; substituição dos automóveis a gasolina por automóveis eléctricos.
Parede Novembro de 2021
*Pediatra e sócio honorário da ADECO)
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 754, de 10 de Fevereiro de 2022