Ainda que com algumas esperanças, o economista José Agnelo Sanches traça um cenário pouco positivo das perspectivas de desenvolvimento económico para 2022. Num país de possibilidades económicas “limitadas” e com um sector privado “bastante frágil”, alerta para a situação de “aumento de pobreza” e “aprofundamento” das desigualdades sociais, e apela à adopção de “políticas correctivas”. A retoma, adverte, vai depender da implementação de “medidas concretas” para as empresas.
Diante do cenário montado, 2022 não será um ano fácil para Cabo Verde, pelo menos em termos económicos. Isso acabará por afectar as famílias, que não ficarão imunes à inflação e que acabarão, também, por pagar o peso da factura do Orçamento de Estado (OE) de 2022 e do défice da dívida pública.
Este é parte do quadro traçado pelo economista José Agnelo Sanches quando instado sobre se, em termos económicos, no geral, 2022 vai ser um ano bom, ou mau, para estas ilhas.
Como iremos ver ao longo da entrevista, muito do desempenho económico irá depender das medidas implementadas, mas, também, da conjuntura externa, não fosse este um país insular, com pouca indústria e com uma economia ainda muito presa ao turismo.
Na sua análise, o nosso entrevistado começa por avançar que o OE “merece destaque” nas perspectivas económicas, por “enquadrar a previsão da evolução da economia do país e permitir aos agentes económicos anteverem os sinais de alterações sobre o seu nível de bem-estar e de actividade”.
Primeiramente, isso tem a ver com “as expectativas referentes à evolução dos níveis de preços (inflação) no mercado nacional, sendo que o Executivo perspetiva uma taxa de inflação na ordem de 2%”.
Antes de tudo, prossegue, “pelo simples facto de se prever uma alteração, isto é, um aumento em mais 1% sobre os níveis de preço, já é um forte indício de que o poder de compra dos agentes económicos poderá ser afectado”, pois, “ainda que com a redução do IVA prevista em alguns produtos, o simples facto de não se preverem reajustes salariais, a evolução poderá superar aquela redução, os efeitos seriam diluídos pela própria inflação que os tornará irrelevantes (em termos reais) no que se refere à melhoria da qualidade do poder de compra”.
Inflação e recessão
Depois, e como resultado do descrito em cima, o economista defende que, “tendo em conta a forte dependência do mercado externo da economia cabo-verdiana, é preciso ter em conta que o mundo económico, em 2022, será guiado, principalmente, pela variável inflação”.
“Passamos de uma realidade deflacionária para uma inflacionária, com os bancos centrais forçados a aumentar juros, principalmente nos Estados Unidos e nos países em desenvolvimento”, elucida, para avançar que, nesse sentido, para Cabo Verde “a situação não vai ser fácil”.
“O ano já iniciado poderá ser de viragem económica, mas o crescimento de 7,5% previsto para 2021 e de 6% para 2022 ainda será insuficiente para anular a recessão de 14,8%, em 2020, provocada pela pandemia”. Isto, como argumenta Sanches, depois de as restrições da pandemia de covid-19 “terem provocado uma quebra de cerca de 70% na procura turística por Cabo Verde em 2020, sector que garante 25% do Produto Interno Bruto (PIB) e do emprego, levando a uma recessão histórica, nesse ano, equivalente a 14,8% do PIB”, as perspectivas de retoma do turismo, como analisa mostram-se “tímidas” e “bastante” condicionadas pela evolução da pandemia, que, agora com a nova vaga da Ómicron.
Ainda assim, esse especialista admite que “as altas taxas de vacinação já conseguidas mais de 65% da população totalmente vacinada têm sido apontadas como fundamentais para a procura turística prevista para o inverno europeu, época alta em Cabo Verde”, mas prevê que, em 2022, “a procura ainda não voltará aos níveis de 2019, então um recorde de 819 mil turistas no arquipélago”, pese embora os operadores do sector se mostrem “optimistas” quanto à retoma.
Medidas concretas para as empresas
Porém, mesmo face a esse prognóstico, Sanches lembra que “estamos num país de possibilidades económicas limitadas com um sector privado nacional bastante frágil, composto basicamente por micro e pequenas empresas, que representam quase 90% do tecido empresarial cabo-verdiano”, e que, como se sabe, foram “profundamente” afectadas pela pandemia.
Pelo que, como perspectiva, face ao quadro actual, a retoma económica em 2022 “dependerá da implementação de medidas concretas para as empresas, na continuidade de medidas de 2020 e 2021, para garantir a sobrevivência das empresas e os rendimentos das famílias”.
Este consultor económico lembra que, para garantir actividade das empresas e salvar postos de trabalho, está sobre a mesa a revisão do Código Laboral, para aumentar a produtividade do país, e, nesse sentido, “tem de haver medidas de apoios adicionais às empresas no quadro da retoma pós pandemia, tendo em conta os custos das moratórias ao crédito bancário e dos lay-off”.
Quanto às moratórias ao crédito bancário, com o fim previsto para 31 de Março próximo, Sanches alerta que existe um “problema real” que as empresas terão de enfrentar.
“É que no quadro das moratórias os juros são capitalizados, prevendo-se reestruturação das responsabilidades futuras de montantes maiores de capital. Creio ser nesse sentido que o Governo tivesse já anunciado o lançamento de linhas de crédito de mais de 80 milhões de euros de apoio à retoma económica, com propostas de reforço de medidas de apoio às empresas e ao investimento e de criação do fundo de impacto para micro, pequenas e médias empresas”.
Perante o cenário traçado ao longo desta reportagem, o nosso entrevistado acautela que devemos “reconhecer que o país já está a viver momentos difíceis, quanto ao emprego, rendimento e preços, e quanto às perspetivas de receitas e de mobilização de recursos necessários para dinamizar a economia, mesmo sendo dificuldades transitórias”.
Incertezas e desemprego
Perante isso, Sanches sublinha que a perspectiva de retoma continua “imbuída de incertezas, de fortes restrições nas finanças públicas, e que, apesar da previsão de crescimento de 7,5% em 2021, e 6% em 2022, o país estaria ainda num nível abaixo do necessário, para recuperar da recessão económica de quase 15% em 2020”.
Pois, alerta que a criação de emprego, em 2022, considerando a previsão para 2021, ainda não será suficiente para compensar a perda de, praticamente, 20 mil postos de trabalho em 2020, devido à covid-19.
“Para 2021, o Governo estimava a criação de 6.021 postos de trabalho líquidos, pelo que em dois anos serão criados, de acordo com as previsões, 15.770 empregos. O Governo estima chegar ao final de 2021 com uma taxa de desemprego idêntica, de 14,5%, que deverá baixar para 14,2% em 2022”, analisa, alertando que temos de reconhecer, em síntese, “que o nível de precariedade e pobreza continuam a ganhar dimensão em Cabo Verde”.
Posto isto, e “face às perspectivas inflacionistas e sem reajustes salariais”, este economista diz que a situação pode “piorar”.
Questionado se em 2022 continuaremos na máxima os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres, ou não, admite que sim. “Estamos perante uma situação de aumento de pobreza e isso leva ao aprofundamento das desigualdades sociais”, por isso, defende “políticas corretivas”.
Questionado também sobre o peso do OE 2022 para o endividamento do país e qual a sua real implicação na economia, Sanches é ponderado. “Há o crescimento esperado de 6 %, a criação de 7000 postos de trabalho e temos esperanças”. No entanto, não esconde que, “obviamente”, são os s cabover-dianos que vão sentir o peso do OE 2022.
Este consultor económico admite ainda que a Dívida Pública constitui uma “preocupação nacional” e que, agora, temos, não só de ter um “maior controlo” dela, “como encontrar soluções para o seu aliviamento”, particularmente, “para fazer diminuir o peso do serviço de dívida face à queda de receitas”, finaliza.
Medidas para alavancar economia
José Agnelo Sanches defende que tem de haver medidas de apoios adicionais às empresas, no quadro da retoma pós pandemia, tendo em conta os custos das moratórias ao crédito bancário e do lay-off.
“Considero oportunas as linhas de crédito anunciadas de apoio à retoma económica com propostas de reforço de medidas de apoio às empresas e ao investimento e de criação do fundo de impacto para micro, pequenas e médias empresas”, afirma, argumentando, contudo, que se deve apostar na diversificação da economia, “com novos e inovadores investimentos na pesca e agricultura e na atração de investimentos de não residentes, particularmente da diáspora”.
E para não se continuar a cair no erro de centrar a economia no Turismo, este economista defende que é preciso trabalhar “para ter um alargar e qualificar a participação dos setores primário e secundário no PIB, sendo razoável para tirarmos melhor proveito do nosso potencial turístico, ter uma participação do setor primário superior a 10% e a do setor secundário superior a 20%”.
Nesse contexto, acredita no potencial de investimento da “Economia Azul e na Economia Verde”, assim como na promoção da “indústria transformadora”. Neste caso, conclui, “numa perspectiva até de aproveitamento das vantagens para os setores da indústria e comércio das nossas integrações sub-regionais na CEDEAO e na CPLP, bem como as preferências comerciais que ainda temos nos principais mercados (UE e EUA)”.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 749, de 06 de Janeiro de 2022