Rui Semedo, candidato único nas directas para a eleição do novo líder do PAICV, admite que as presidenciais de 2011 fracturaram o partido em 2011, mas considera que o problema está resolvido, agora, com a eleição de José Maria Neves como Presidente da República. Garante que todas as sensibilidades no partido serão integra- das na sua liderança.
As directas para a eleição do líder do PAICV estão marcadas para Domingo. Quais são as suas expectativas em relação a esse pleito?
As nossas expectativas vão no sentido de mobilizar os militantes para esse acto importante, no sentido de se sentirem envolvidos neste processo de escolha da liderança do PAICV. É sempre bom que haja uma participação efectiva e ampla, em todas as regiões políticas para que todos possam dar um sinal de confiança no processo em curso, mas, também, em torno do candidato, que neste caso sou eu, para podermos, juntos, trabalhar e enfrentar os desafios que nos esperam.
Candidatura única
Mas uma candidatura única pode condicionar essa participação massiva que tanto almeja?
É sempre um risco. Tendencialmente as pessoas dizem que o facto de haver apenas um candidato o resultado já está definido. Mas tenho alertado para a necessidade de uma participação expressiva, para que os militantes se sintam devidamente tocados com o processo. É um processo sério, que exige a participação de todos.
Entretanto, há esse risco de ser menos mobilizador pelo facto de não ter havido mais do que uma candidatura. O facto de não ter havido mais do que uma candidatura não significa que não haverá possibilidade de surgir candidaturas dos militantes, de uma forma geral, que não haja vontade e disponibilidade para exercitar a democracia.
A democracia é dissenso, mas também é consenso, e, neste caso, tivemos um consenso em torno de um único projecto, e isso é bom para garantirmos, neste momento, uma ampla estabilidade do parti- do, no seu funcionamento, uma ampla convergência em torno das propostas de acção política neste contexto e o que pressupõe, futuramente, uma ampla participação dos militantes em todas as acções para as quais sejam solicitados.
“Há uma boa aceitação da minha candidatura”
Nesses dias de campanha para as eleições internas, como é que avalia adesão dos militantes do PAICV à sua candidatura?
Tenho feito contactos, presenciais e virtuais, e a percepção com que fico é que há, neste momento, uma boa aceitação da minha candidatura e as pessoas consideram que é natural haver, para já, uma candidatura única, mas congregadora.
As pessoas acreditam, igualmente, que poderemos ter a possibilidade de relançar as acções do partido, de revalorizar o partido enquanto instituição fundamental para a democracia cabo-verdiana, valorizando o passado do PAICV, preparando-o para o presente, mas sem perder de vista a ambição de mobilizar, de novo, os cabo-verdianos para os projetos futuros, para os embates eleitorais e para enfrentar os desafios fundamentais que o país tem para os próximos tempos.
Falou em congregar, mas, como se sabe, o PAICV atravessa uma crise desde 2011 com a eleições presidenciais, o que tem afectado o partido nas sucessivas eleições. Pretende trazer as vozes dissonantes para a cúpula do partido?
No partido todas as vozes são importantes. Aliás, temos trabalhado esta dimensão de que a diferença é um factor positivo na construção da vontade, no debate e na construção das questões fundamentais e na preparação de uma decisão mais adequada aos contextos, ao momento e aos desafios. A diferença não é, em si, um factor negativo, tudo depende do que for- mos capazes de fazer com as nossas diferenças. Do nosso ponto de vista, as diferenças são riquezas para qualquer organização, para nos ajudar na busca dos melhores caminhos para resolvermos os problemas do partido, mas também da sociedade.
E sobre a crise, em si?
É claro que tivemos desentendimentos, mas não sei se chegou a ser uma crise propriamente dita. Em 2011 tivemos dissintonias profundas e vamos ultrapassando isso. Repare que a dissintonia tinha sido principalmente em torno das eleições presidenciais e são as eleições presidências que, de novo, dão sinais positivos da possibilidade de se ultrapassar as divergências, as mágoas e os ressentimentos, para que possamos nos concentrar e nos focalizarmos no que é essencial para o partido e para o país.
Misto de continuidade e roptura
O facto de ter sido vice-presidente de Janira Hopffer Almada e de ter assumido a presidência interina do partido significa que teremos uma liderança de continuidade?
Nas organizações partidárias há sempre um misto de continuidade e de roptura. Não vamos mudar o partido, porquanto será sempre um PAICV que tem um entendimento amplo de todas as questões essenciais para a vida do país e que tem caminhos novos para descobrir, adequados aos novos tempos e aos novos desafios.
O partido é um misto de rotura e continuidade, de permanência e de mudanças. Acredito que há aspectos a serem continuados e há aspectos a serem mudados e isso faz parte da vida e da dinâmica política normal das organizações partidárias.
Disse que é uma figura de consenso e gostaríamos de saber como é que foi o processo em torno da sua candidatura?
Na política há duas questões fundamentais: o diálogo e a concertação. Tivemos um diálogo aberto e profundo com os militantes e com as personalidades do PAICV e os entendimentos surgiram com base nesses pressupostos de diálogo e negociação.
Fundamentalmente o diálogo, porquanto o partido constrói as suas soluções baseadas no diálogo entre camaradas e amigos, que são membros do partido, um diálogo entre as gerações, um diálogo entre as sensibilidades que se revelarem presentes, um diálogo em torno dos valores, dos ideais e dos princípios, e um diálogo em torno das propostas e das visões.
Conseguimos isso. E se estamos neste momento com um amplo consenso é porque esses instrumentos funcionaram e os resultados foram estes.
Impacto da vitória de JMN presidenciais
Os históricos do partido, nomeadamente, Pedro Pires e José Maria Neves tiveram um papel preponderante nesse consenso?
Não posso confirmar que tenham exercido um papel directa- mente, até porque José Maria Neves, que é Presidente da República, tem, neste momento, uma posição mais de reserva e de recato, mas acredito que os resultados em torno das presidenciais terão conduzido José Maria ao espaço de construção de consensos, mais pelo re- conhecimento que ele tem. Ele foi, claramente, um fator de união e isso continuará a ajudar a construção de entendimentos. Mas, direta- mente, ele não pode fazê-lo, tendo em conta o seu dever de algum re- cato e reserva.
“Pedro Pires é sempre uma reserva moral”
E em relação a Pedro Pires?
Pedro Pires é sempre uma reserva moral. Mesmo à distância, com a sua experiência, eventualmente, poderá ter dado os seus sinais, por quanto é uma pessoa muito preocupada com o futuro do país.
Mas ele está mais preocupado com as questões relacionadas com o país do que questões partidárias. De qualquer maneira, o PAICV é uma criação dele e, seguramente, que tem as suas preocupações e terá as suas contribuições a dar, também de forma reservada, uma vez que está retirado da vida política ativa.
O facto de haver uma candidatura única pode significar que haverá apenas uma moção estratégia no congresso. Todas as sensibilidades serão levadas em conta na composição dos órgãos do partido, será respeitado o princípio da pluralidade?
No partido, os órgãos são sempre plurais. Plurais na perspectiva da representação regional, plurais na perspectiva da representação do género, plurais na perspetiva da representação e de acolhimento das sensibilidades, plurais na perspetiva de representação dos diversos grupos etários e plurais no sentido da mobilização de competências e de capacidades para que a direção do partido possa ter as diversas valências que lhe permita agir e atuar com inteligência suficiente para analisar os factos, os fenómenos e encontrar as respostas mais adequadas para os momentos concretos.
Integração de antigos dirigentes
Pretende então resgatar os antigos dirigentes que agora são militantes de base?
Eu nunca falaria de resgate. Eu falaria apenas na perspectiva de integração das pessoas. Os órgãos em conta o que se passa no país. Temos a questão da estabilização sanitária como a consolidação dos ganhos no combate à covid-19, temos também a questão da crise em que vivemos, tanto do ponto de vista económico como social, temos a questão da retoma económica e das possibilidades de emprego e continuar a caminhada do desenvolvimento.
“Não vamos mudar o partido, porquanto será sempre um PAICV que tem um entendimento amplo de todas as questões essenciais para a vida do país…”
Vai manter os mesmos vice-presidentes que vêm do man- dato da anterior líder Janira Hopffer Almada ou pretende introduzir mexidas?
Para já, há um vice-presidente que não vai continuar, que sou eu. Em relação aos outros (João Baptista Pereira e Nuías Silva) eu vou ver. Está tudo em aberto, porquanto só depois das eleições trabalharei na constituição dos órgãos.
E em relação ao secretário geral do partido?
Também está em aberto e é uma situação a ser discutida.
Eleições autárquicas de 2024
A preparação para as eleições autárquicas de 2024 será uma das principais tarefas do seu mandato?
É uma das tarefas. Mas acho que temos desafios de enfrentar a situação do país e o PAICV terá, neste contexto de dificuldades, de levar
em conta o que se passa no país. Temos a questão da estabilização sanitária como a consolidação dos ganhos no combate à covid-19, temos também a questão da crise em que vivemos, tanto do ponto de vista económico como social, temos a questão da retoma económica e das possibilidades de em- prego e continuar a caminhada do desenvolvimento.
Mas os partidos vivem também de eleições?
As eleições autárquicas são importantes e acontecem daqui a três anos, sensivelmente, e o partido tem de se preparar para esses desafios. Mas, até chegarmos lá, o partido terá que ter uma acção política intensa que reflita os fenómenos políticos, sociais e económicos que vamos ter que enfrentar.
Vamos ter que ser uma oposição credível, confiável, uma oposição também que tenha propostas, uma oposição que fiscaliza e que controla, uma oposição que lute pelas causas essenciais tais como a transparência, a prestação de contas, a luta para enfrentar os fenómenos climáticos e encontrar respostas para a preservação do equilíbrio ambiental.
Vamos ter que lutar para reduzir as desigualdades, para uma justiça mais célere e acessível a todos.
Será um líder a prazo?
Em primeiro lugar o mandato é de três anos. Só serei um líder a prazo se achar que eu não irei terminar o meu mandato.
O mandato é de três anos e estou disponível para leva-lo até o fim. Em segundo lugar, depois do meu primeiro mandato teremos novas eleições em 2024. Nessas novas eleições haverá uma avaliação da sociedade, dos militantes e uma autoavaliação. Se, em 2024, fruto dessas avaliações eu considerar que deva continuar não haverá nada que me impeça, desde que haja um processo de relegitimização com os votos expressos dos militantes.
Neste caso poderemos ter Rui Semedo como candidato a primeiro-ministro nas eleições legislativas de 2026?
Isso eu não posso dizer. O que posso dizer é que vou trabalhar para termos um PAICV grande, um PAICV adaptado e ajustado ao contexto dos tempos, um PAICV preparado para vencer os novos desafios.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 746, de 16 de Dezembro de 2021