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Proposta de OE 2022 – Aumento de IVA em 2%: Busca de receitas para a sustentabilidade económica e social

Por: Cesar Garcia*

Cabo Verde assume-se como “Estado Social”, baseando os seus valores na proteção social, alicerçados na correção das desigualdades sociais, estabelecendo assim uma relação solidaria entre todos os integrantes da comunidade, transformando a sociedade numa relação harmoniosa em que o Estado tem um papel insubstituível na regulação da economia.

“Estado Social” e “Estado Liberal”

Com isso o “Estado Social” se afasta totalmente do “Estado Liberal” ou do “Liberalismo Económico”, muito embora, na prática, é o que tem caraterizado o nosso Cabo Verde, quer pelos discursos, quer pelas ações políticas, assim como pelo o seguimento de um “sistema liberal” e de uma gestão “confusa” da coisa pública.

Aliás, e como afirma Jorge Miranda no seu texto “Os novos paradigmas do Estado Social”, no XXXVII Congresso Nacional de Procurados de Estado, em Belo Horizonte – Brasil, “…em quase todos os países asiáticos e africanos são ainda tímidas as realizações de Estado Social.”

Cabo Verde é um pequeno Estado insular com parco ou nenhum recurso natural que garanta a sua sustentabilidade, vivendo assim das “esmolas” dos Estados amigos.

Dos anos em que se assume como Estado Soberano os diversos governantes não conseguiram traçar uma política que garanta a sua sustentabilidade económica, não obstante os diversos investimentos já realizados em setores agrícolas, aéreas, marítimas, sociais, tecnológicas, continuando a economia do país a depender essencialmente do turismo “importado”.

Excessivo e gritante desperdícios de recursos públicos

A crise pandémica de Covid-19 veio demonstrar a total vulnerabilidade na política económica do país, e o seu impacto nas finanças públicas deveriam ensinar os gestores públicos em como se deve fazer a gestão fiscal, porém, o que se assiste é cada vez mais o excessivo e gritante desperdícios de recursos públicos em gabinetes, em bens e serviços supérfluos, enforcando o cofre público – e o desequilíbrio financeiro total.

Certo que a pandemia trouxe consigo um impacto altamente negativo nas finanças públicas, na medida da dependência da economia ao turismo, contribuindo assim para um elevado número de perda de emprego, com o agravamento da situação da pobreza e não só, e em consequência um elevado sacrifício a nível da economia social; certo também que o Estado, enquanto Governo do país, deve encontrar recursos necessários para fazer face às debilidades económicas e sociais, sendo que uma das principais fontes de receitas advém de impostos.

Num “Estado Social” o imposto é um importante instrumento não só para arrecadação de receitas necessárias ao gasto público, mas sobretudo, e mais importante, para combate às desigualdades sociais, a inclusão e proteção social e ambiental, base sustentável para a geração vindoura.

Qual a melhor opção para garantir o “Estado Social”? 

Como medida para combate à situação de perda de receitas e reposição da economia, provocadas pela pandemia, para o OE – Orçamento de Estado, para 2022, o Governo propõe aumentar o IVA em 2%.

Do ponto de vista financeiro, para o cofre público é uma excelente medida, por ser um imposto sobre consumo de bens e serviços pago imediatamente, além de sermos um país cujo consumo tem um peso extremamente importante na economia, permitindo assim uma rápida arrecadação de meios financeiros necessários as despesas públicas com menor custo possível na sua gestão, dada a privatização da gestão do IVA por conta das empresas; e sobretudo por ser um imposto “escondido” no preço dos bens e serviços, o que provoca nas pessoas um efeito de “anestesia” em que as pessoas o pagam sem sentir, encobrindo assim eventual contestação social.

Porém, essa medida de arrecadação de receitas por via de IVA para investimento em áreas sociais além da recuperação económica é uma medida que vai contra todos os princípios de “Estado Social”, no combate às desigualdades sociais e a proteção de vulnerabilidades.

Ou seja, o IVA é um imposto “cego” que não vê quem tributar, sendo imposto que recai sobre o consumo de bens e serviços tributa em maior escala as pessoas com menor rendimento sem capacidade de qualificar o modo de consumo, tendo um efeito perverso sobre a classe social vulnerável, com impacto no agravamento de desigualdades sociais.

O IVA é mais uma despesa para as pessoas vulneráveis, provocando assim um agravamento da sua condição de vulnerabilidade face ao consumo/rendimento, sobretudo para as pessoas com rendimento mínimo ou rendimento social solidário (pensão social).

Cabo Verde e outros “Estados Sociais”

Se compararmos Cabo Verde com outros “Estados Sociais”, tendo como imagem Portugal pela similitude política, verifica-se que o mecanismo mais utilizado por esta para a recuperação económica é a tributação do rendimento de pessoas singulares e coletivas, quer em sistemas de progressividade de impostos, quer quanto a sobretaxa de rendimentos superiores a certos limites, mas também pelo desagravamento ou devolução de gastos sociais (educação, saúde, transporte, eletricidade…).

E bem disse Jorge Miranda na Conferência citada: “Os que podem pagar, devem pagar. E é preferível que paguem em parte (até certo limite do custo real) o serviço ou o bem, diretamente, por meio de taxas, e não indiretamente, mediante impostos, por três motivos:

1) porque assim tomam consciência do seu significado económico e social e das consequências de aproveitarem ou não os benefícios ou alcançarem ou não os resultados advenientes;

2) porque, em muitos casos, podem escolher entre serviços ou bens em alternativa;

3) porque mais de perto podem controlar a utilização do seu dinheiro e evitar ou atenuar o peso do aparelho burocrático. Diversamente, os que não podem pagar, não devem pagar (ou devem receber prestações pecuniárias – bolsas, pensões, subsídio de desemprego – para poderem pagar).” E assim se cumpriria o desígnio da CRCV, no seu artigo 93.1 de “…garantir uma justa repartição de rendimentos e da riqueza”.

Poder-se-ia utilizar o IVA, diferentemente a uma taxa superior a 20%, para tributar os bens de luxo ou de consumo supérfluo, como forma de melhorar a qualidade de consumo; como também servir o IVA para tributar os bens e serviços nocivos à saúde e ao meio ambiente (ao par da taxa ambiental) agravando assim a taxa sobre esses produtos igual ou superior a 5%, o que permitiria uma excelente arrecadação de receitas; por outro, desagravamento ou isenção de bens e serviços de primeira necessidade, como sejam eletricidade, água, transportes públicos.

Rendimentos que escapam à tributação

Os sucessivos Governos vem tendo como lema o “combate à fraude e evasão fiscal”, visando sobretudo o setor privado, particularmente as Pequenas Empresas que ultrapassam 60% do tecido empresarial; a dita reforma de tributação de pessoas singulares introduzidas em 2015 agrava sobremaneira a tributação da classe de rendimentos de trabalho medio-baixo, retira o apoio tributário às famílias, como ditame Constitucional, em excelente benefício da classe salarial alta;

São vários os rendimentos auferidos por pessoas com altas responsabilidades no Estado, designadamente, Altos Cargos Políticos, Magistrados, diversos gestores Públicos, rendimentos esses traduzidos em subsídios (renda de casa, representação, comunicação, combustível, deslocações e estadas…) que escapam à tributação com impacto altamente negativo no cofre público; os Consultores Internacionais ou pagos no quadro do Financiamento Internacional continuam sem tributação; Sociedades enquadradas na Convenção de Estabelecimentos, e todos os seus satélites, sem tributação.

Por uma simples taxa liberatória de 10% sobre seus rendimentos, que em nada pesa no bolso desses beneficiários, seria suficiente para superar o agravamento da situação social que se pretende com o IVA, além de legalizar a igualdade de tributação prevista na lei. E de nada vale a arrecadação de receitas, por qualquer via, se não existe (1) política fiscal adequada, (2), gestão fiscal consentânea, (3) fiscalização e sancionamento de más práticas.

cesargarcia19@gmail.com

*Cabo-Verdiano, Consultor, residente nos Estados Unidos da América

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 741, de 10 de Novembro de 2021

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