Nadine Gomes, filha de Tony Silva, antigo técnico de som da Rádio de Cabo Verde (RCV), falecido há dias, acusa a oncologista Hirondina Spencer, do Hospital Agostinho Neto (HAN), de “falta de humanidade, e de profissionalismo”, dada a forma “fria” como esta cuidou do pai, doente. A denunciante promete levar o caso ao tribunal.
Primogênita e filha única de Tony Silva, Nadine Gomes confiou ao A NAÇÃO que ao pai foi diagnosticado um câncer de cólon em 2017, operado na mesma altura. A cirurgia “correu bem” e o paciente seguiu as consultas de rotina e acompanhamento médico, estando aparentemente sem problemas de maior.
“Nisso foi acompanhado unicamente pela oncologista Hirondina Spencer, tomando remédios e, inclusive, fazendo quimioterapia para acabar com todas as possibilidades da doença”, explicou Nadine, asseverando que o pai “se recuperou bem, voltou ao trabalho e levava a vida normalmente”.
Exames tardios confirmam reincidência do câncer
Entretanto, acrescenta, ao fim de três anos, “foi necessário o meu pai ter apanhado covid-19, nos finais de 2020, para descobrir que afinal ainda tinha cancro. A médica pediu para fazer radiografia do tórax, desconfiando de que ele poderia ter ainda algumas células cancerígenas; infelizmente, os exames, que confirmaram metástases, foram tardios”.
Entretanto, mesmo recuperado da covid-19, Tony Silva sentia tosse e falta de ar.
“Ele continuou com os exames de rotina, foi-lhe visto o fígado, o pâncreas e os resultados não constavam nada. Contudo, pelos sintomas, foi-lhe passada uma radiografia do pulmão oito meses
depois…”
Nisso, numa das consultas, quando o pai ia realizar uma TAC, “uma assistente colocou-lhe reagente exageradamente na veia, causando-lhe complicações como inchaço no braço e dois dias de diarreia, que foi necessário mudar a radiologia para mais uma semana”. Na altura, avançou a nossa fonte, o pai relatou o sucedido à médica, mas esta respondeu- lhe que “que estas coisas acontecem”.
Nadine conta que, preocupada e querendo ajudar o pai, no início dessa nova complicação, procurou
Hirondina Spencer para saber “porquê’’ de só agora as suspeitas de reincidência já que o pai estava a ser acompanhado, e como não conseguia ter acesso à médica, resolveu procurar outras ajudas.
“Falei com o cirurgião que removeu o tumor anteriormente mostrando-lhe os exames, ele aconselhou-nos a fazer, rapidamente, uma colonoscopia para respostas mais claras”, explicou Nadine.
E, por tê-lo feito, “a médica chateou-se comigo e disse-me: ‘Este médico está em Portugal e eu não tenho que ouvir o que ele disse. Vamos esperar a TAC que passei’, para confirmar” mesmo sabendo que estávamos a perder tempo.
“Falta de profissionalismo”
Nadine Gomes considera a resposta de Hirondina Spencer “uma falta de profissionalismo’’ e justifica:
“A atitude dela demonstra que ela não ouve os outros colegas, nem leva em conta os familiares dos pacientes. Não ouviu o cirurgião e preferiu esperar uma TAC que demorou mais tempo, quando a situação do meu pai exigia alguma urgência”.
Este primeiro “desentendimento” piorou a relação, já por si tensa, entre Nadine e a médica, pois, como diz, “desde aquela altura a oncologista Hirondina Spencer passou a tratar-me mal e as informações sobre o caso do meu pai ficaram mais escassas ainda”.
Nadine Gomes disse que no meio dessa tensão não foi possível nenhuma reclamação junto do HAN, já que “esta médica trabalha praticamente pensando que o hospital é a sua casa, onde ninguém tem opinião, já que é ela, na prática, é quem dita as regras.
Sendo também do conselho da administração, o próprio HAN não lhe faz supervisão nenhuma”.
Outras acusações
E mais, Nadine Gomes assegura ainda que Hirondina Spencer “não mandava os relatórios ao Instituto Nacional de Previdência Social” e “não considerou a junta médica” para o pai, Tony Silva.
“Ela sabia que tinha que mandar ao INPS o relatório para a junta médica, para ver se o meu pai tinha que ir para reforma antecipada, evacuação, entre outras medidas, mas não fez nada disso. E, por este motivo, durante este tempo, o meu pai não recebeu do INPS.
Depois do alerta do INPS, enviei-lhe mensagens e ela acabou por me dizer para ir lá, ao hospital, buscar os relatórios e justificar as faltas de trabalho”. Isto, sublinha, “dias antes de o meu pai morrer”.
Relativamente à evacuação, a nossa entrevistada afirma que “quando falava sobre esta possibilidade, Hirondina Spencer, sozinha, sem mandar nada para junta médica, decidiu que ‘não’, justificando que o “protocolo com o tratamento que o HAN tem para casos como o do meu pai é igual em qualquer parte do mundo e que neste caso não se faz a evacuação”.
O sofrimento do pai
Independentemente do sucedido, Nadine Gomes entende que a falta de informações, ao longo dos anos, mais precisas sobre a doença do pai, deixou os familiares “um pouco relaxados, quando não deveríamos estar”, sendo certo que a situação clínica de Tony Silva, desde os finais de 2020, “só
piorou”.
“O meu pai nos últimos dias estava a sentir-se muito mal. Deitava e meia hora depois levantava-se novamente porque sentia falta de ar.
Passou um mês e tal sem dormir. Preocupada voltei a procurar Hirondina Spencer para alguma recomendação, a fim de minimizar o sofrimento dele…”
Mais uma vez, acrescenta, “fui surpreendida com a frieza e a desumanidade dessa médica ao responder-me: ‘Você não sabe qual o problema do seu pai? O oxigénio está bom. Ele está com medo e ansiedade’”.
E mais, “ela sabia do pouco tempo de vida que o meu pai tinha e, mesmo assim, não pediu acompanhamento psicológico, não requisitou nenhum médico para cuidados paliativos e veio a fazer isto apenas na véspera da sua morte”.
“Que a justiça seja feita”
Inconformada, Nadine Gomes tenciona “levar o caso ao tribunal para que a justiça seja feita”. Até porque, como afirma, as denúncias de “desumanidade” e “falta de profissional” contra a Hirondina Spencer são partilhadas por outros pacientes e familiares que dizem ter passado pela mesma situação.
Neste momento, a nossa entrevistada diz que está `a espera da resposta do hospital sobre a
denúncia que fez e do processo do pai, para dar entrada na justiça.
Para além de tudo, lamenta o facto de o HAN não ter um espaço próprio para os doentes oncológicos
que têm de ficar “num quarto qualquer, junto com outros doentes”. “É uma situação que precisa ser vista porque no meio de tudo o que o meu pai passou, vejo que as coisas poderiam ser diferentes”, apontou.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 742, de 18 de Novembro de 2021