Um país que importa o grosso daquilo que consome, como Cabo Verde, dificilmente poderia es- capar à escalada do aumento de preços de alimentos, água, energia e combustível, como a que se verifica neste momento em quase todo os países.
No entender do economista e professor universitário António Baptista, as subidas e descidas dos preços das importações de Cabo Verde têm reflexos directos no mercado interno.
“Dependemos muito das importações e ficamos a mercê do que acontece lá fora”, aponta, ao que se somam as próprias dificuldades do país impostas, neste caso, pelo clima, mas também por políticas públicas não mais adequadas para a agricultura.
Impactos da pandemia
“A pandemia está na base deste surto do aumento de preços por que passamos neste momento. O mundo vive no meio de grandes incertezas, muitos trabalhadores rurais tiveram restrições que automaticamente afectaram a sua produção. Outros deixaram de importar para man- ter o seu estoque. Tudo isso fez com que o preço mundial dos produtos alimentares aumentasse, não é só Cabo Verde”, explicou ao A NAÇÃO.
Além disso, no caso caboverdiano, “os preços internos estão a aumentar por causa das próprias dificuldades do país, tendo em conta a seca, as questões da sazonalidade, pragas, custo de factores que tornaram mais caros, por exemplo, fertilizantes, entre outros factores”, razão pela qual o Governo deveria investir muito mais na agricultura.
Desinvestimento na agricultura
“Na verdade, o Governo tem estado a desinvestir na agricultura. Se verificarmos, o orçamento para a agricultura tem estado a diminuir nos últimos anos e os agricultores não têm tido apoios em termos de assistência técnica, subsídios, para além de outros instrumentos de política agrícola que são utiliza- dos lá fora e que nós não te- mos”, aponta.
Para António Batista, que é também director da AGRI- PRASE – Centro de Estudos de Preços Agrícolas e Dinâmica do Mercado, “estamos a registar, neste momento, um dos maiores aumentos no preço dos alimentos”, relacionando esta crise com o que aconteceu em 2008 e 2011.
“Produzimos menos do que consumimos e a nossa taxa de câmbio é fixa, o que implica que tudo o que acontecer lá fora acaba por reflectir em Cabo Verde. Só que no nosso caso, o aumento será maior porque é preciso levar em conta o preço dos transportes, o custo de armazena- mento, entre outros factores”.
Este economista alerta, entretanto, que a situação tende a piorar. “O Governo tem a pretensão de reajustar IVA no próximo ano e isto significa que o custo daquilo que importamos vai aumentar ainda mais. A situação vai piorar por causa da inflação”.
Isto porque, como trata também de realçar, “o preço dos alimentos é apenas um dos componentes de outros preços. Por exemplo, o aumento dos combustíveis re- fletiu na electricidade que vai reflectir na agricultura irrigada que depende da energia e assim por diante”.
Ou seja, na prática, “uma coisa acaba por levar à outra e o aumento de preço se dá em cadeia. Desde os combustíveis, passando pelos transportes, até chegar aos produtos que consumimos no nosso dia-a-dia”.
Felizmente, ressalva “os nossos produtos agrícolas, muitas vezes, não entram no circuito comercial formal para a cobrança de IVA. No entanto, grande parte das nossas importações terá o agravamento do IVA e isto vai aumentar o custo de vida das famílias, reduzindo o seu poder de compra, podemos até ter situações extremamente preocupantes, com reflexos na qualidade de vida das pessoas. Isso vai levar à insegurança alimentar, particularmente, junto das camadas mais pobres da população”.
Soluções
O nosso entrevistado acredita que a poupança pode ajudar a mitigar ou até driblar a situação.
“E poupança não é só dinheiro. Podemos reduzir o custo de família, poupando todas as coisas que consumi- mos, incluindo água, electricidade, evitando desperdícios dentro de casa, em todas as dimensões”, recomenda, acrescentando que as famílias podem, igualmente, aumentar os respectivos rendi- mentos aproveitando os “ta- lentos” dos seus membros para gerar receitas.
Ao Governo, António Batista recomenda a diminuição das perdas e mais investimentos no sector da agri- cultura e agroindústrias. Nomeadamente, “investir nas tecnologias que não dependam tanto do clima”, caso da produção em estufas e rega gota-a-gota, entre outras, mas também na mobilização de água com base nas energias renováveis, domínio este que, acredita, ter recebido ultimamente “um bom investimento do Estado”.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 739, de 28 de Outubro de 2021