Outrora considerado um dos melhores complexos desportivos de Cabo Verde, hoje, o polidesportivo de Nhagar, em Santa Catarina, encontra-se em decadência e é apontado pelos atletas como “espelho” do declínio do desporto nesse concelho de Santiago. A Câmara Municipal diz que procura financiamento de 30 mil contos para uma “intervenção de fundo” no equipamento, mas que isso não se tem revelado fácil.
O ano de 2010 caminhava a passos largos para o fim, quando no mês de Novembro o polidesportivo de Nhagar, na Assomada, no concelho de Santa Catarina de Santiago, foi inaugurado com muita pompa e circunstância.
Na época, o multiusos foi considerado uma das melhores infraestruturas desportivas de Cabo Verde, com condições para hospedar competições nacionais e internacionais de andebol, basquetebol, voleibol, futsal, entre outras modalidades.
Ocupando uma área de cerca de 2200 m², a obra foi também idealizada para albergar um restaurante, bar, salão “vip”, sala para caravanas desportivas, sala para árbitros, espaço de medicina desportiva, tribuna “vip”, área para comunicação social e parque de estacionamento.
Investimento de 233 mil contos Orçado inicialmente em cerca de 135 mil contos, as contas do polidesportivo de Nhagar evoluíram para 233 mil contos, representando 98 mil contos a mais, o que causou, na altura, forte polémica em torno da gestão da Câmara Municipal.
Ainda assim, na inauguração, o então edil Francisco Tavares afirmara que a obra fora projectada para dinamizar os desportos de salão, no interior da ilha de Santiago e que, portanto, a Câmara estava “feliz por concluir a maior obra municipal de todos os tempos” em Santa Catarina, “um dos melhores polidesportivos de Cabo Verde”.
Problemas na cobertura, no piso e nas casas de banho
Hoje, uma década depois da inauguração, aquela que outrora foi considerada uma espécie de “menina dos olhos” para os santacatarinenses, em geral, e dos desportistas, em particular, chama a atenção pelo estado de decadência e degradação em que se encontra.
Uma situação que, segundo os munícipes, foi agravada com o advento da pandemia de covid-19.
As principais reclamações prendem-se com o mau estado de conservação da cobertura do pavilhão, que apodreceu devido aos efeitos do clima, infiltrações devido à chuva, sendo de registar ainda a deterioração do piso (soalho de madeira) e problemas nas casas de
banho, entre outros aspectos.
Descuido das autoridades e falta de manutenção Djamila Alfama, ex-atleta e activista do Clube União Esperança da Assomada, em conversa com A NAÇÃO, mostra-se triste pela falta de manutenção e “descuido” das autoridades municipais. Além disso, alerta sobre as consequências da falta de um espaço para a prática desportiva em Santa Catarina.
“Tendo em conta o importante papel do desporto e dos clubes na formação, a falta de um espaço para a prática desportiva, pode ser bastante prejudicial para o desenvolvimento pessoal e social dos jovens”, destaca Djamila Alfama que chama a atenção pelo facto de o Nhagar ser um espaço desportivo que abarcava todas as modalidades desportivas de salão, situado num dos maiores municípios do país.
Apenas um polivalente em Assomada
Actualmente, Assomada dispõe apenas do polivalente Olívio Semedo (conhecido como Mariana), onde a demanda de aulas de educação física, durante o dia e de grupos diversos que solicitam à noite, tem retirado espaço às equipas de andebol, voleibol, futsal entre outras.
“Com o antigo presidente da Câmara [Beto Alves], as coisas eram melhores. Mesmo com condições precárias, ele conseguiu realizar um nacional de vólei. A Câmara sempre tentava fazer o que podia para ‘tchapar’ os buracos e, pelo menos, os clubes tinham um lugar adequado para treinar e competir”, desabafa Djamila Alfama.
Pavilhão largado à sua sorte há muito tempo
No que lhe concerne, o treinador da Escola Voleibol da Assomada (EVA), Dario Veiga, considera que há muito tempo que “o pavilhão está largado à sua sorte”, quer pela má gestão, quer pela má qualidade da obra que custou largos milhares de contos à autarquia.
“Sempre que uma tábua do piso se soltava, em vez de ser reparada, fazia-se uma espécie de
‘tchapada’. Além disso, há o problema da água da chuva que cai do tecto e faz infiltrações no piso de madeira, danificando o resto”, aponta o técnico.
Para complicar, ainda mais, a situação do complexo, o nosso entrevistado lembra que em 2020 o polidesportivo foi transformado num centro de internamento para pessoas infectadas pela covid-19, sendo que quando estas saíram o espaço estava “ainda mais degradado”.
“Com a pandemia, a situação piorou bastante e, neste momento, o local não apresenta as mínimas condições para a prática desportiva.
Mas esta é uma situação que já dura há, pelo menos, três anos”, referiu.
Para Veiga, o estado de degradação da infraestrutura pode ser considerado “um espelho do declínio do desporto” em Santa Catarina.
“No próprio pavilhão de Nhagar há um espaço anexo em terra batida onde treinávamos. Contudo, foi ocupado por uma empresa de caminhões que estaciona as suas viaturas no local.
Penso que as pessoas não estão preocupadas com o desporto em Santa Catarina”, desabafa Dario Veiga.
E as autoridades?
Segundo os nossos entrevistados, os clubes e as associações têm participado em várias reuniões para expor os seus problemas, e dizem que já fizeram reclamações junto das autoridades e a resposta é sempre a mesma, “vamos ver isso”, mas que estas nunca dão passo algum.
Após alguns feitos do desporto cabo-verdiano a nível internacional, como na natação ou no basquetebol, tanto Djamila Alfama como Dario Veiga entendem que o país se encontra num momento onde o desporto deve ser visto com outros olhos.
Por isso, apelam às autoridades competentes para levarem esse assunto com mais seriedade, além dos discursos de ocasião.
Durante os quase onze anos da sua inauguração, o polidesportivo de Nhagar já acolheu provas nacionais em diversas modalidades e escalões, treinos das selecções nacionais, bem como, vários eventos de cariz socioculturais.
A sua inoperacionalidade é por isso sentida e reclamada em Santa Catarina.
Câmara Municipal diz que precisa de 30 mil contos
Contactado, o vereador da Cultura, Juventude e Desporto da Câmara Municipal de Santa Catarina, Péricles Brito, no cargo desde Julho passado, diz ter conhecimento da degradação no polidesportivo de Nhagar.
Contudo, sustenta que o estrago se deu devido às fortes chuvas do ano passado e não por falta de manutenção.
Esse responsável pelo pelouro do desporto garante que a edilidade já fez o levantamento de todos os danos e chegou à conclusão que deverá fazer uma intervenção de fundo no edifício, que custará aos cofres municipais cerca de 30 mil contos.
Porém, o vereador lembra que só a Câmara não consegue financiar tal valor para remodelar todo o pavilhão e, neste sentido, assegura que se está à procura de financiamento junto dos seus parceiros, entre eles o Governo e a Cooperação Internacional Descentralizada, sendo que já se conseguiu “mobilizar” parte desse fundo.
Ainda assim, Brito não avança uma data para a reabertura do polidesportivo. A única garantia dada é que o projecto já está pronto e orçamentado para 2022.
“A nossa grande aposta para o ano de 2022, que já está no orçamento municipal, é a remodelação do polidesportivo de Nhagar”, admite.
Relativamente às críticas quanto à qualidade da obra herdada da gestão de Francisco Tavares, o vereador escusa-se de comentar, lembrando que assumiu a vereação do desporto recentemente, ainda assim, confirma a rápida degradação da cobertura do pavilhão.
“E agora não dá para repararmos só o piso, sem que o tecto também não o seja. Senão, daqui a seis ou oito meses teremos o mesmo problema. Teremos que fazer uma intervenção de fundo, começando pelo tecto e depois todos os outros reparos”, esclarece.
Alternativas
Para colmatar a lacuna deixada pelo polidesportivo de Nhagar, Péricles Brito admite que é preciso fazer uma melhor gestão do polivalente “Mariana”, o único disponível em Assomada, priorizando os clubes federados.
“A maioria dos clubes exige até três dias por semana para treinarem. Este é um cenário difícil, temos que fazer a gestão para que todos tenham acesso ao polivalente, pelo menos, duas vezes semanais, sendo que são equipas de várias modalidades e todos têm que treinar”, pondera.
Além disso, a edilidade garante que no espaço anexo ao pavilhão de Nhagar será construída outra placa desportiva e que, inclusive, o projecto já está pronto, aguardando apenas por financiamento
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 739, de 28 de Outubro de 2021
