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Nobel da economia de 2021: Aumento do salário mínimo não reduz, necessariamente, níveis de criação de emprego

Por: João Serra*

Pela sua importância na economia, o salário mínimo foi, é e será, sempre, uma variável a ser considerada, tendo em conta os seus múltiplos efeitos potenciais sobre o mercado de trabalho e sobre a economia no seu todo. Pois, ele pode afetar várias outras variáveis económicas, nomeadamente: o custo da mão-de-obra, os lucros das empresas, a inflação e os níveis de emprego.

De uma forma geral, os economistas não se entendem sobre os efeitos na economia do salário mínimo. Com efeito, a polémica em torno dessa remuneração mínima é tão antiga quanto o próprio salário mínimo que, segundo investigadores, terá sido criado no final do século XIX, na Nova Zelândia.

Desde a sua criação à presente data, os argumentos praticamente não mudaram. De um lado, estão os que defendem que os salários devem depender exclusivamente da produtividade da economia. Nesta linha de pensamento, um aumento da remuneração mínima tenderá a destruir emprego, especialmente entre os menos qualificados, e prejudicará a economia e as empresas.

Do outro lado, estão os que entendem ser importante defender os trabalhadores do poder negocial excessivo dos empregadores. Caso contrário, por força desse poder, os empregadores estariam numa posição que lhes permite pagar salários inferiores ao que seria socialmente desejável e merecido. Acrescentam, ainda, que um aumento salarial aumentará o esforço dos trabalhadores (logo, a produtividade) e estimulará o consumo, o crescimento e, em decorrência, a criação de emprego.

Por seu turno, os diversos estudos realizados apontam tanto para um sentido como para o outro, fazendo com que a ambiguidade empírica tenha sido, como dizia alguém, “um excelente combustível para o debate teórico em torno do tema.”

É neste contexto de muita controvérsia, que o Nobel da Economia de 2021 premeia, entre outras investigações, uma investigação que mostra que o aumento do salário mínimo não reduz, necessariamente, os níveis de emprego.

O prémio foi atribuído, no dia 11 de outubro corrente, a três professores de Economia, que desenvolveram uma metodologia para analisar relações causais (de causas e efeitos) em experiências naturais. David Card, especialista em Economia do Trabalho, recebe metade do prémio, sendo que a outra metade é dividida entre Joshua D. Angrist e Guido W. Imbens. Todos os galardoados são conceituados professores de universidades norte-americanas.

Segundo o comunicado da Real Academia Sueca das Ciências (disponível no seu “website”), David Card (Universidade da Califórnia, Berkeley) foi premiado “pelas suas contribuições empíricas para a economia laboral” e a dupla Joshua Angrist (Instituto de Tecnologia de Massachusetts – MIT) e Guido W. Imbens (Universidade de Stanford) recebem o prémio “pelas suas contribuições metodológicas para a análise de relações causais”.

A Academia Sueca justificou a atribuição do Prémio em Ciências Económicas aos laureados com o facto de “nos darem novas perspetivas sobre o mercado laboral e de mostrarem que conclusões sobre relações causais podem ser retiradas de experiências naturais”, ou seja, de situações que surgem na vida real e que se assemelham a experiências aleatórias. E realça, aquando do anúncio dos vencedores, que “a sua abordagem se espalhou a outras áreas e revolucionou a investigação empírica”. 

No caso de David Card, a Academia Sueca destaca a sua análise relativamente aos efeitos, no mercado de trabalho, de salários mínimos, imigração e educação. Em particular, cita a investigação desse professor com Alan Krueger (já falecido), que usaram uma experiência natural para investigar como uma subida do salário mínimo afeta o emprego.

Quanto a Joshua Angrist e Guido Imbens “mostraram que conclusões sobre causas e efeitos podem ser tiradas de experiências naturais. A metodologia que desenvolveram tem sido largamente adotada pelos investigadores que trabalham com dados observados”, salienta.

E remata que o trabalho dos laureados de 2021 “revolucionou a investigação empírica nas ciências sociais e melhorou significativamente a capacidade da comunidade de investigação para responder a perguntas de grande importância para todos nós”.

Há muitas perguntas difíceis na área das ciências sociais, explica a Academia Sueca, questões que são “difíceis de responder, porque não temos nada para servir de termo de comparação. Por exemplo: como é que a imigração afeta os níveis salariais e de emprego de um país? e como é que uma formação mais longa afetará o rendimento, no futuro, de alguém? Na verdade, não sabemos o que teria acontecido se tivesse havido menos imigração ou se uma determinada pessoa não tivesse continuado a estudar”, esclarece. 

“Ora, o trabalho desenvolvido pelos galardoados permite responder a esta e a outras perguntas usando as ‘experiências naturais’. A chave da solução é usar as situações em que eventos fortuitos ou mudanças de políticas resultam em grupos de pessoas a serem tratadas de forma diferente, de uma maneira que se assemelha aos ensaios clínicos em medicina”, acrescenta.

Recorrendo a experiências naturais, David Card, o principal galardoado, analisou os efeitos do salário mínimo no mercado de trabalho, imigração e educação. O seu trabalho permitiu concluir, por exemplo, que o aumento do salário mínimo não conduz, necessariamente, a menos emprego e que o rendimento dos cidadãos de um determinado país pode beneficiar com a imigração. Os seus estudos começaram nos anos de 1990 e, diz a Academia Sueca, “desafiaram a sabedoria convencional, levando a novas análises.”

Os dados recolhidos das experiências naturais são difíceis de interpretar e é aqui que entram os outros dois premiados: Joshua D. Angrist e Guido W. Imbens. “Resolveram este problema metodológico, demonstrando como conclusões precisas de causa e efeito podem ser retiradas de experiências naturais”, esclarece.

“Sabemos, agora, que as pessoas que nasceram num país podem beneficiar de uma nova imigração, enquanto que as pessoas que imigraram numa altura anterior correm o risco de ser negativamente afetadas. Percebemos, também, que os investimentos nas escolas são muito mais importantes para o sucesso futuro dos estudantes, no mercado de trabalho, do que se pensava anteriormente”, remata o comunicado da Academia Sueca.

Muitos dos investigadores que se pronunciaram sobre o Nobel da Economia de 2021, apontam o alargamento da escolaridade obrigatória como um bom exemplo de uma experiência natural. Para eles, esta alteração de política pode permitir, havendo os dados necessários, estudar o impacto de mais anos na escola. A título de exemplo, indicam a análise do prolongamento da escolaridade obrigatória, em determinados países, que permitiu estabelecer o impacto positivo do investimento em educação nos rendimentos individuais e também na produtividade.

Usando o mesmo exemplo, dizem que uma “relação causal” é a conclusão de que mais educação leva a maior rendimento individual, além de efeitos positivos na sociedade. Assim sendo, tanto as sociedades mais ricas como as menos desenvolvidas devem investir mais em educação.

Segundo esses investigadores, a atribuição do Nobel da Economia aos laureados reflete, por um lado, a importância crescente do trabalho com dados. Por outro lado, reforça a importância da disponibilização transparente de bases de dados completas à sociedade, em geral, e aos investigadores, em particular, para que estes dados possam ser trabalhados de forma rigorosa e oferecer uma base sólida para a tomada de decisões de políticas públicas.

Termino este artigo citando o presidente do Comité do Prémio de Ciências Económicas, Peter Fredriksson, para quem “os estudos de Card sobre questões centrais para a sociedade e as contribuições metodológicas de Angrist e Imbens demonstraram que as experiências naturais são uma fonte rica de conhecimento e de grande benefício para uma sociedade”.

Praia, 18 de outubro de 2021

* Doutor em Economia

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 738, de 21 de Outubro de 2021

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