Darlene Barreto, filha de Orlando Pantera, tem em curso a criação de uma fundação com o nome desse músico, falecido há vinte anos, mas cujas composições perduram ainda hoje entre os cabo-verdianos. Para isto, espera contar com o apoio de todos que, de uma forma ou de outra, poderão contribuir para que o legado do autor de Lapidu na bô, Tunuca e várias outras criações musicais não morra.
Darlene Barreto, 26 anos, é filha única de Orlando Pantera. Ao fim de vinte anos da morte do pai, decidiu concretizar o sonho de uma entidade privada, de direito público, a Fundação Orlando Pantera. Com sede na cidade da Praia, a ideia, como contou ao A NAÇÃO, é cuidar do legado deixado por esse artista, falecido prematuramente em Março de 2001, aos 34 anos.
Esse legado está representado sobretudo nas composições que escreveu e algumas gravações que deixou, à espera ainda hoje de ganharem vida própria. Isto porque quando se preparava, precisamente, para entrar nos estúdios, Pantera morreu, causando grande consternação entre os amigos e admiradores.
“Quando o meu pai faleceu eu tinha seis anos, e tudo o que sei dele foi-me contado pela minha mãe e outros familiares mais próximos. Quando fui estudar em Portugal, deparei-me com pessoas e admiradores que conheceram e que conviveram com ele. Ouvi muitas histórias, de como ele era, como artista, como ser humano, além de outras boas lembranças que foram despertando em mim, cada vez mais, interesse em saber mais sobre quem foi Orlando Pantera”.
Consciente do valor do pai, e já formada em marketing digital, Darlene diz que acabou por encontrar a solução para as suas inquietações relativas ao que fazer ao legado do pai.
“Decidi que tinha que criar uma entidade, instituto, fundação ou algo parecido, para trabalhar na pesquisa e recolha de tudo o que o meu pai nos legou, dando também a oportunidade de outras pessoas e admiradores do Pantera lhe conhecerem melhor”, explica.
Entre as ideias em forja, diz a nossa entrevistada, consta o lançamento de um álbum de Pantera, ideia também antiga, além de um documentário que engloba tudo sobre a vida e a obra daquele que é tido como um dos músicos mais promissores da sua geração, a “Geração Pantera”.
“Temos também uma vertente muito importante que é abordar o trabalho social que o meu pai fazia, enquanto técnico do antigo Instituto Cabo-verdiano do Menor (ICM), hoje ICCA. Durante essa fase, ele ajudou muitas crianças e muitos adolescentes a encontrarem o seu caminho. Por exemplo, o falecido Vadú foi aluno do meu pai no Centro Juvenil dos Picos”.
É sabido que nas suas aulas, como técnico do ICM, Orlando Pantera usava a música para cativar a atenção e o entusiasmo dos seus alunos. Além da Vadú, um outro nome é o cantor e compositor Bob Mascarenhas, da Aldeia SOS da Assomada, Santa Catarina.
O Caminho
Darlene Barreto sabe que muitas das ideias que tem, a começar pela Fundação Orlando Pantera, não serão fáceis de concretizar, mas que, mesmo assim, se sente motivada a trilhar o caminho que tem pela frente.
Neste processo, de entre as primeiras iniciativas, consta o lançamento da marca “Orlando Pantera”, através do vestuário e objectos, uma forma de a fundação divulgar o nome do seu patrono, a partir das composições, criadas pelo artista plástico Helder Cardoso (ver caixa).
“Neste momento”, afirma Darlene, “fiscalmente existimos, incluindo o estatuto e a definição dos órgãos da Fundação, mas ainda não temos o valor de mil contos que é o exigido para termos uma conta bancária, como manda a lei, para organismos do tipo”.
Para resolver esta questão financeira, Darlene diz que ela e os seus colaboradores estão focados em projectos de angariação de fundos. Foi assim que, no passado sábado, 28 de Agosto, teve lugar um concerto beneficente no Auditório Nacional, na Praia, que, segundo a mesma, deu um grande contributo.
“Além dos bilhetes, conseguimos arrecadar 180 mil escudos no leilão das duas obras doadas por Helder Cardoso e Sydney Cerqueira, e estamos a fazer balanço, tendo em conta os bilhetes vendidos, as obras leiloadas, as doações feitas através da campanha de crowdfunding e as peças de merchandise que foram vendidas no hall de entrada do Auditório Nacional, para podermos saber qual o ponto de situação até agora”, explicou.
Lado humano
“O meu pai era uma pessoa bastante humilde, algo que acredito ter herdado dele. Fico feliz em saber que ele era mesmo o homem do povo, que não tinha maldade no coração. É assim que as pessoas lhe descrevem, de forma unânime. Acredito que não é só por eu ser filha dele que me falam dele nesses termos”.
Neste sentido, a Fundação deseja também trazer o “lado humano” de Orlando Pantera. A pensar nesse aspecto, a Fundação conta trabalhar a arte e a cultura principalmente para as crianças mais desfavorecidas.
“Queremos trabalhar com crianças que não têm possibilidade financeira de participar, por exemplo, de uma colónia de férias para aprender a arte, entre outras coisas. Também serão o nosso foco as crianças de rua na mesma perspectiva daquilo que o meu pai fazia, usar a arte como opção, para salvar os mais vulneráveis”, diz Darlene que, assim como Pantera, pretende dar às crianças, através da fundação, “a oportunidade de escolherem a arte como caminho”.
Sede na Achada São Filipe
Durante algum tempo, o espaço físico ou a sede administrativa da Fundação Orlando Pantera vai situar-se na Achada São Filipe, um imóvel da família, a precisar de obras e mobiliário para funcionar adequadamente.
Dentro da fundação, Darlene Barreto diz que tem vários projectos em preparação, um dos quais a criação do um Museu Orlando Pantera. “Isso vai nos exigir a recolha e o tratamento do acervo que ele deixou e muito mais. É um trabalho que temos a noção de que não será fácil, mas estamos abertos para receber apoios de todos”, diz.
Hélder Cardoso, criador da linha Pantera :“Abracei a causa por me identificar muito com o Pantera”
Além de criar a marca do Orlando Pantera, a partir do nome das suas composições, o artista plástico Hélder Cardoso abraçou a ideia de uma Fundação dedicada a essa figura da música cabo-verdiana.
Natural de Santa Cruz, para este artista plástico, por tudo que representa, Orlando Pantera é uma fonte inesgotável de inspiração. “Foi na pandemia que Darlene entrou em contacto comigo e me propôs este desafio que aceitei de bom grado; sempre gostei de enaltecer os artistas da nossa terra, além disso, sou admirador do Pantera. Neste processo todo passei a conhecer melhor o Orlando Pantera e com isso passei a admirá-lo mais ainda”, conclui.
Na companhia de Madonna
Questionada se não transporta consigo o DNA artístico de Orlando Pantera, a jovem Darlene Barreto revela que canta de vez em quando. Mas, por agora, está focada na missão de divulgar e enaltecer o trabalho desenvolvido pelo pai, muitos dos quais ficaram em aberto com a sua “partida” prematura era ela uma menina de seis anos.
Darlene integrou o grupo de batucadeiras que actuaram e gravaram com Madonna, inclusive era coordenadora do grupo, levando a vários lugares do mundo essa forma de expressão cultural de Cabo Verde ao lado da “estrela” norte-americana, digressão essa que teve que ser interrompida devido à covid-19.
“Essa é uma experiência que carrego com muito carinho, porque acredito que, de certa forma, está ligada ao trabalho de Orlando Pantera, porque o batuco é um dos géneros que ele mais trabalhou. Da minha parte, através de mim, era como se eu estivesse a levar o batuco pelo mundo, ainda por cima ao lado de uma estrela internacional da dimensão de Madonna”, termina.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 731, de 02 de Setembro de 2021