Os 600 mil contos cabimentados no Orçamento Retificativo de 2020 para a compra de um avião para a Guarda Costeira deve ficar, por enquanto, apenas no papel. Em vez de compra, fala-se agora na aquisição de uma aeronave através do sistema de leasing. A Guarda Costeira também debate-se com problemas com os meios navais que, neste momento, estão inoperacionais.
A Guarda Costeira continua sem meios aéreos para as missões de patrulhamento, busca e salvamento e de evacuação de doentes.
Em Junho de 2020, com a aprovação do Orçamento Retificativo, foi contemplada uma verba de cerca de 600 mil contos para a compra de um avião, mas, até esta, não há qualquer sinal nesse sentido.
A NAÇÃO sabe, porém, que especialistas da Guarda Costeira estão a trabalhar num estudo para determinar que tipo de aeronave melhor se adapta às especificidades das missões exigidas.
O Chefe do Estado Maior das Forças Armadas (CEMFA), Anildo Morais, diz que desconhece os meandros do processo de compra de um novo avião para a Guarda Costeira, mas acredita que é para avançar.
“Estamos numa fase de estudos internos, em termos de identificação de um meio aéreo que sirva para as necessidades do país”, revela o major-general que, no entanto, mostra-se completamente contra a possibilidade de se recorrer ao leasing para dotar a Guarda Costeira de um avião multifuncional.
“A nossa tarefa é identificar o meio, assim como os custos de formação, manutenção e operacionalização. Depois disto, quem de direito decidirá que aparelho comprar, em função daquilo que o país poderá suportar”, ressalva.
Campanha eleitoral
Mas um oficial superior, que já desempenhou altas funções na Guarda Costeira, disse ao A NAÇÃO que o Governo fez “marcha-atrás” em relação ao compromisso assumido no Orçamento Retificativo 2020, quando contemplou 600 mil contos para a compra de um avião para situações de emergência.
“Esse montante pode até ter existido, mas foi até a campanha para as eleições legislativas. Depois disso nunca mais se falou dessa verba”, afirma o nosso interlocutor, sublinhando que depois das eleições os estudos continuaram a ser feitos, mas “nunca se decidiu nada”. Este oficial garante que, até hoje, não há qualquer movimentação no sentido de se adquirir um avião para a Guarda Costeira, ou seja, “o Governo não tinha nenhum trunfo na manga, era só conversa”.
A nossa fonte afirma ainda que de “tanto prometer, sem apresentar resultados”, em matéria de meios aéreos e navais para a Guarda Costeira, o Governo resolveu “inventar” e quer agora adquirir um avião através do sistema de leasing.
“Como é que se vai adquirir um avião para operações militares através de leasing?”, interroga o nosso interlocutor afirmando que o leasing é para aviões comerciais.
“Como é que as FA pagariam o leasing, sabendo que sempre se debateu com problemas financeiros para a manutenção e para pagar o seguro dos seus meios?”
Dornier a preço de “banana”
Em relação ao Dornier, que foi recentemente vendido a uma empresa das Maurícias, por cerca de 48 mil contos, a mesma fonte diz que foi um negócio ruinoso para o erário público. É que este avião que, a partir de 2016, foi abandonado no hangar do aeroporto da Praia, está a ser reparado com as peças que os compradores encontraram em Cabo Verde e que já tinham sido adquiridas antes do processo de alienação da referida aeronave.
Neste momento, uma equipa de técnicos da Etiópia está a reparar o avião que, “dentro de poucos dias sairá voando nos céus de Cabo Verde com destino ao país onde se encontram os novos donos desse aparelho”.
“Se tínhamos peças disponíveis, porque é que não se optou por reparar o Dornier e colocá-lo operacional pelo menos para missões de evacuação, tendo em conta que, com a saída de cena da Binter (TICV), Best Fly não consegue prestar esse serviço?”, questiona o interlocutor deste jornal.
Para esse oficial das FA, o Dornier, mesmo com a avaria, tinha um preço de mercado a rondar os 200 mil contos, mas “preferiram vendê-lo por cerca de 48 mil contos”.
Além das componentes dessa aeronave que já estavam no país, “com mais trinta mil contos o avião voava tranquilamente”. Contudo, o Governo entendeu, “de acordo com os estudos feitos por técnicos e especialistas”, que o custo da manutenção do Dornier “é muito mais elevado do que o montante que precisamos para adquirir um avião mais novo e em condições. E mais adaptado para fazer evacuações e patrulhamento”, disse o vice-primeiro-ministro, Olavo Correia, no Parlamento.
O Ministério das Finanças vendeu o Dornier da Guarda Costeira a uma empresa das Maurícias, a única concorrente à terceira tentativa de venda, por cerca de 48 mil contos.
A Blue Wave Aviation, com sede nas Maurícias, foi a única a apresentar proposta na hasta pública realizada em Março último na sede do Ministério das Finanças, na cidade da Praia, propondo pagar 48.100.000 escudos pela aeronave.
Sem meios aéreos e navais
A Guarda Costeira está, neste momento, sem meios aéreos e navais. O Guardião, que é a embarcação de maior porte da esquadrilha naval, está na doca e os outros navios de menor porte também contam com problemas de manutenção.
“Se acontecer uma situação de emergência, neste momento, o país não terá como responder”, alerta a nossa fonte, lembrando que a Best Fly “nem consegue fazer uma evacuação médica, quanto mais apoiar as autoridades da proteção civil numa situação de emergência”.
Contudo, se a Guarda Costeira tivesse um novo avião ou se optasse pela manutenção do Dornier, “seria possível fazer operações mais delicadas com a evacuação de doentes, transporte de vacinas, transporte de valores, de entre outras missões”.
O CEMFA diz, no entanto, que a situação por que passa, neste momento, a Guarda Costeira, em termos de meios navais, “é conjuntural”.
Anildo Morais garante que o navio Guardião já está na doca e que as FA têm recursos suficientes para garantir a sua reparação.
Já em relação ao navio Espadarte que encalhou, em Maio último, na Baía das Gatas, numa missão de evacuação de um doente, o major-general diz que estão a mobilizar recursos para a sua reparação.
600 mil contos para novo avião ainda por aparecer
O Orçamento Retificativo para 2020, aprovado em Julho desse mesmo ano devido à crise provocada pela pandemia da covid-19, contou com uma dotação específica de 600 milhões de escudos paraa aquisição de um “avião para emergências” para garantir, nomeadamente, as evacuações médicas entre as ilhas, que eram feitas por voos comerciais.
Esse financiamento para a aquisição de um avião para emergências pela Guarda Costeira seria garantido pelo Fundo Soberano de Emergência (FSE), criado com um capital inicial de 10 milhões de euros.
A aquisição da aeronave visava “dar resposta à situação de emergência para além do patrulhamento aéreo, com recurso ao Fundo Soberano de Emergência”, sendo o investimento “alocado às Forças Armadas para efeito de gestão, mediante uma renda anual de aproximadamente 60 a 70 milhões de escudos”.
Na proposta de alteração à lei que criou o FSE, o Governo recordou a “inexistência de meios aéreos no país para garantir a execução de importantes funções como as operações da Proteção Civil, a fiscalização económica e policial das águas territoriais e ainda as evacuações médicas domésticas