O cantor e produtor Azaiaz contesta Sos Mucci que, em entrevista recente ao A NAÇÃO, revelou ser o criador do “Afronaná”, mistura entre o Afrobeat e o Funaná. Azaiaz afirma que outros artistas já praticavam esse género antes do Sos Mucci. Este insiste, porém, que o “Afronaná” é sua criação, sim. Está instalada a polémica. Além disso, Azaiaz atesta contra outros artistas e o sistema musical cabo-verdiano.
O artista cabo-verdiano Azaiaz procurou o A NAÇÃO para expressar o seu desagrado pelo artigo “Sos Mucci, o homem do ‘afronaná’ e da ‘positividade’’’, publicado na edição nº 723, de 08 de Julho e no site no dia 13.
Azaiaz alega que Sos Mucci está longe de ser o criador do “Afronaná”, por não ser o primeiro a misturar o Afrobeat (Nigéria) e o Funaná (Cabo Verde) como disse na sua referida entrevista ao A NAÇÃO.
“Ele não pode ser o criador porque artistas com muito mais anos de carreira já tinham misturado estes dois géneros. Por exemplo, a música do Djodje ‘Um Segundo’, que conta com a participação dos Ferro e Gaita, é uma mistura do Afro e Funaná”, aponta Azaiaz como exemplo, realçando ainda que, para além deste caso concreto, “existem muitos outros Afronanás que nasceram antes do Sos Mucci”.
“Eu não conheço os trabalhos do ‘MC’ Mucci, apenas sei que ele é mais um que a mistura os dois géneros”, reafirma Azaiaz, para quem, quando muito, Mucci pode afirmar-se como criador do termo “Afronaná”.
Em defesa do irmão
Azaiaz, que vive em Portugal desde 2014, diz não ter nada contra Sos Mucci, pelo que as pessoas não podem interpretar esta sua “crítica positiva” de “inveja”, referindo-se que a sua entrada nesta polémica acontece em defesa do irmão, o primeiro a desagradar-se com a entrevista do Sos Mucci a este jornal.
“Logo que o meu irmão partilhou o artigo chamando de fraude as declarações do artista em causa, muitas pessoas comentaram negativamente dizendo-lhe que estava com inveja. Não fui por este lado, antes de me pôr a criticar fui fazer as minhas pesquisas porque não é de hoje que alguns artistas pegam coisas já feitas e se declaram como sendo os seus criadors.
Não conheço este artista e nem faço questão para não dizerem que tenho algo contra ele”, explicou, argumentando ainda que “hoje em dia, as pessoas estão tão inseguras de si que não sabem aceitar as críticas, pelo que tudo é intitulado como sendo inveja”.
Ajudar a esclarecer a situação
Azaiaz, que se assume actualmente mais como produtor de cinema e audiovisual do que cantor, justifica que procurou A NAÇÃO no sentido de ajudar a esclarecer a situação do que criticar já que o seu maior desejo é de ver os artistas cabo-verdianos “transcenderem-se”, cada vez mais, desde que com créditos próprios.
“A minha preocupação é mais no sentido de esclarecer as coisas para que a mentira não fique na capa da verdade. Isto porque, se hoje alguém diz uma coisa que não está correcta e ninguém contesta, esta inverdade fica exposta aos nossos descendentes que ficam sem saber a história verdadeira”, termina.
Sos Mucci insiste
Diante da polémica, A NAÇÃO voltou a procurar o visado, Sos Mucci, que reafirma ser, sim, o criador do “Afronaná”, defendendo que o seu conceito não se refere apenas à mistura do Afrobeat com o Funaná, mas também a outros elementos, assim como tinha referido na entrevista anterior.
“Nunca disse que fui o primeiro a misturar os dois géneros, o Afro e o Funaná. São as coisas que eu canto, o meu estilo, os beats, entre outras singularidades, que eu batizei de Afronaná, um termo que ainda não tinha sido utilizado por nenhum outro artista.
Procuro singularidade naquilo que faço para não ser só mais um artista e os meus trabalhos conseguem provar isso, sem ter que me explicar a ninguém, ainda por cima por alguém que só quer aparecer à minha custa”, justificou.
Aliás, em relação ao Azaiaz e às suas intervenções, Sos Mucci é categórico: “Eu não tenho nada a dizer porque não o conheço, razão pela qual ele não merece também a minha justificativa sobre o que for que seja. É o que tenho para dizer”.
Azaiaz critica outros artistas, produtores e sistema cultural
“Verdades que poucos têm a coragem de dizer”
Para além de contestar o título do “criador do Afronaná”, Azaiaz estende as suas críticas a vários outros artistas, produtores musicais e ao próprio sistema cultural implementado pelos sucessivos governos de Cabo Verde, concretamente, de José Maria Neves a Ulisses Correia e Silva. Azaiaz, que possui uma carreira de mais de 20 anos, diz que os músicos cabo-verdianos precisam “transcender-se mais”, principalmente, na hora de usar o termo “carreira internacional”.
“Artistas de hoje estão a contentar-se com muito pouco”
“Os artistas cabo-verdianos fazem sucesso em Cabo Verde. O sucesso não sai do país. Isso não pode ser considerado sucesso a nível internacional porque continuam a ser ouvidos pelos cabo-verdianos, só que no estrangeiro. Para ser carreira internacional eles precisam conquistar público fora da comunidade cabo-verdiana”, explicou o nosso entrevistado.
E aponta o caso de Cesária Évora, como exemplo de carreira internacional. “Cesária Évora não contava com uma plateia formada apenas por cabo-verdianos. Eu acho que os artistas de hoje em dia estão a contentar-se com muito pouco. Isto não os ajuda a crescer como deveriam”, sublinha.
Por outro lado, Azaiaz diz que Cabo Verde precisa valorizar os artistas e as suas artes, um trabalho que, a seu ver, deve começar dentro da própria classe.
“Monetariamente falando, em Cabo Verde, os nossos amigos não pagam pelos nossos trabalhos. Esquecem que os artistas também têm contas a pagar, famílias para cuidar, etc. Os próprios artistas é que precisam tomar a atitude de mudar isto e valorizar o seu trabalho”, diz.
Sempre cáustico, o nosso entrevistado diz que os DJs nacionais têm ganhado mais com a música do que os próprios artistas ou criadores. Algo que considera “inaceitável e injusto” para os músicos e compositores.
Agentes “pouco sérios”
Azaiaz critica também os agentes e promotores que apoda de “fraudulentos”. “Os agentes cabo-verdianos são todos ladrões, não há um que seja sério. É só reparar que as mulheres artistas cabo-verdianas, para alcançarem o sucesso, precisam estar ou namorar com os produtores”, disse, defendendo que “tudo está claro aos olhos de todos pelo que não vou revelar nomes para não criar conflitos directamente com ninguém”.
E continua: “Antigamente exportávamos músicas. Tanto é que existia um ditado que dizia que Cabo Verde é para cantar, Angola é para dançar, e Guiné é para bater palmas. Hoje em dia, tudo se inverteu.
Angola nos passou à frente na música e só nos resta lamentar e criticar, em vez de apoiar e promover quem trabalha”.
Azaiaz acredita que uma política cultural adequada por parte do Governo, poderia ajudar a resolver muitos dos problemas que, de uma certa forma, acabam por penalizar a cultura cabo-verdiana em si. “Como é que um artista nacional consegue fazer sucesso se as estações de rádios nacionais passam mais músicas internacionais do que nacionais?
Como é possível isso sabendo que para conseguir uma vaga os artistas nacionais precisam fazer muitos negócios de ‘corrupção’ com os Djs?”, questiona o nosso entrevistado, que diz falar por experiência própria. “Eu já fiz muitos negócios para promover os meus artistas, sei do que falo”, sublinha.
Nem Mário Lúcio nem Abraão Vicente
De entre outros desagrados, Azaiaz falou também da participação dos artistas nas campanhas eleitorais, afirmando que os políticos sabem da hora de tirar proveito dos artistas e que é por isso que não fazem nenhuma “política” que beneficie a classe.
“Eu já participei das campanhas eleitorais e sei as suas intenções. Nem o José Maria Neves nem o Ulisses Correia e Silva deram a mínima para o sector das artes com os seus ministros da cultura, Mário Lúcio e Abraão Vicente, respectivamente.
É só ver que as suas políticas não são inclusivas e muito menos imparciais.
Por exemplo, quando o Mário Lúcio era o ministro, sendo ele músico, os músicos foram os que mais se beneficiaram na altura, sobretudo o irmão Princezito. Agora, o Abraão Vicente, sendo ele um artista plástico, este é o sector que mais tem aparecido. É só ver como as ruas de Cabo Verde estão todas pintadas”, especificou.
Possíveis soluções aos olhos de Azaiaz
Questionado sobre as soluções dos problemas que levanta, Azaiaz diz que, de uma forma resumida, “o povo precisa fazer parte de tudo, assim como confia o seu voto nos governantes. Precisa saber quando estão a tomar qualquer decisão”.
Por outro lado, diz também que são necessárias leis que ajudem na promoção das artes e dos artistas, que ajudem também nos seus rendimentos, para começar.
“Leis que obriguem as rádios nacionais a passar 80 por cento de músicas cabo-verdianas, leis para que os artistas possam vender o seu trabalho como qualquer outro produto será um bom começo”, exemplifica.
Azaiaz e o seu sucesso de 2010: “Dodu na Bo”
Azaiaz diz que conta com mais de 20 anos de carreira tendo em conta que em 1995 já escrevia letras de música. O seu primeiro sucesso foi “Sai ku mi”, no grupo “Bairro Side”, de 2002, mas lançado em 2005, no Hip Hop Praia.
O artista revela ser o primeiro a utilizar o “auto-tune”, programa de alteração de vozes. Em 2010 lançou o seu primeiro CD – “100%” com o single “Dodu na Bo” que conquistou, na altura, as estações de rádios mais escutadas pelos jovens. Em 2013, voltou à carga com o seu segundo álbum, “Nha Vida”.
Acreditando ter alcançado o sucesso que pretendia na música, virou-se para o cinema, depois de em 2009 ter lançado o seu primeiro filme. Entre a vida de produtor, cantor e realizador, escolheu a última.
“Eu sempre estive entre o cinema e a música. No entanto, a partir de 2013 foquei mais no cinema porque já tinha realizado shows em vários lugares e já tinha alcançado o sucesso que pretendia”, explica.
Estreia do filme “A Verdade da Mentira”
Nesta nova onda, Azaiaz diz que ultimamente tem trabalhado com as comunidades portuguesa e brasileira na produção de um filme de ficção sobre a política, intitulado
“A Verdade da Mentira”. O filme deveria ser lançado em Outubro deste ano, mas, devido à pandemia, teve a agenda alterada, à espera de um melhor momento, já que a estreia terá de acontecer “com casa cheia”.
Como diz também, “A Verdade da Mentira” talvez chegue a Cabo Verde. “Se conseguir apoio do Ministério da
Cultura, terei todo o gosto para que isso aconteça”, adianta, realçando que “a Associação de Cinema e Audiovisual, que temos em Cabo Verde, não funciona pelo facto de não termos no país nenhum filme que justifique, os melhores realizadores saem todos do país para conseguirem alguma coisa no estrangeiro”.
Projecto de filme sobre Amílcar Cabral
Fora isso, Azaiais pensa produzir um outro filme, desta vez, sobre Amílcar Cabral com os dois lados da história, de Cabo Verde e da Guiné-Bissau.
“Este filme terá como propósito fazer os cabo-verdianos relembrarem o que o Cabral fez para estas ilhas, mas também trará outro lado da história contada na Guiné que, de certeza, tem uma abordagem diferente”, assegura.
Questionado sobre o seu regresso a Cabo Verde, Azaiaz diz que vontade de regressar não lhe falta, mas sabe que para isso terá de desistir da sua carreira artística e profissional.
“Eu desejo ver as coisas melhorarem para que eu possa voltar. Daí a razão deste ‘dedo na ferida’, para que todos tomem consciência de que precisamos fazer um novo caminho no sector da cultura e outros, em Cabo Verde”, termina.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 726, de 29 de Julho de 2021