Alexandre Neves, mais conhecido por Mestre ou Wide, encontra-se há 13 anos à frente da secção de arte do Espaço Jovem de Safende, na Praia. Com a experiência acumulada e porque ama ensinar, sonha abrir uma escola de reinserção através do artesanato. A ideia é apoiar os jovens problemáticos que tencionam mudar de vida.
Alexandre Neves lembra que, quando iniciou a sua colaboração no Espaço Aberto, “não estava para esta coisa de arte”, mas depois constatou que o local e os jovens que o frequentavam tinham necessidade de ter alguém com habilidades em arte.
“Como já tinha esta afinidade, voluntariei-me para dirigir e preparar algumas pessoas na área de artesanato, arte e cabedal e não só”, recorda ao A NAÇÃO.
Hoje, volvidos 13 anos, diz, com redobrado orgulho, que a sua proposta acabou por resultar, preparando os jovens para o trabalho da arte e do cabedal, pelo que se atreve a dizer que “o projecto foi um sucesso”.
Aprender na curiosidade
Mestre conta que sempre foi curioso e, quando menino, frequentava as oficinas do Platô, que eram consideradas “Casas de Arte”, onde as pessoas se reuniam e ele as observava.
“Sou de uma época em que havia poucos brinquedos, as crianças tinham de fabricar os seus próprios brinquedos de modo que sinto que a arte nasceu comigo”, relembra nostálgico.
Aos 13 anos Mestre passou a obter dividendos do artesanato, através da venda de produtos por ele confeccionados.
Além do trabalho no Espaço Aberto, é convidado por outras instituições para ministrar formações não só em arte e cabedal, mas também a fazer candeeiros, forrar bolsas e calçados, de modo que possui discípulos em todos os cantos da ilha de Santiago e quiçá em outras ilhas.
Papel da arte no combate à violência
Para o nosso entrevistado, é possível usar a arte para combater a violência, uma vez que esta pode ser uma “terapia”, ou então “uma forma de ocupar os tempos livres”, com vista à nossa auto-satisfação pessoal e emocional. Como hoje sabe, “a arte também é uma forma de combater a criminalidade de modo pedagógico”.
“Não se procura a arte apenas por ser uma fonte de rendimento, pelo contrário, quando se procura a arte por amor, as coisas tendem a resolver-se pela positiva”, sublinha.
Falta de apoios aos jovens ligados à arte
Apesar de já ter formado vários jovens, alguns dos quais já com espaço no mercado interno, Mestre reclama da falta de apoio e assistência neste sector, especialmente no que tange à criação de condições para que os formandos possam iniciar os próprios negócios.
Como salienta, hoje em dia, fala-se muito no auto-emprego e em empreendedorismo, mas defende que isso “é algo que não devia estar apenas no papel ou falar para ficar bonito, devem ser criadas condições para que de facto aconteçam na prática”.
Defende que uma forma de criar essas condições é munir os jovens formados com um kit, ou então “criar um mecanismo de financiamento voltado para esta área que inclua todos os custos da formação e kits para cada formado montar a sua própria oficina, uma vez que nem todos têm o poder de fazê-lo por meios próprios”.
Também critica o facto de, muitas vezes, o financiamento dos cursos não ser suficiente para completar a formação.
“O obstáculo é o próprio financiamento”, desabafa o artesão e formador, que diz preferir ensinar, partilhar o conhecimento ao invés de produzir, “isto porque o que se ensina se torna eterno”.
Aspectos marcantes
Ao fim de todos estes anos dedicados à arte e ao artesanato, Mestre considera marcante ver alguns dos seus formandos a completarem a universidade com a renda resultante da venda dos trabalhos que ele ensinou a fazer. Um outros aspecto marcante, acrescentou, é a participação desses formandos em feiras de artesanato.
“Presenciar estes acontecimentos enchem-me de alegria, é como plantar uma árvore e ver os seus frutos”, afirma.
Num sector dominado por homens, Mestre reivindica o facto de ser dos primeiros a chamar as mulheres para o artesanato.
“Muitos não acreditavam que fosse resultar, mas resultou- Há mulheres que trabalham tanto quanto homens na área de arte e cabedal”, diz orgulhoso.
Escola de reinserção: sonho à espera de realização
Hoje, Mestre confessa que o seu maior sonho é de ter uma escola de reinserção ligada ao artesanato destinada a jovens reincidentes em busca de mudança.
Esses jovens, conforme defendeu, teriam acompanhamento de psicólogos, pelo menos duas vezes por semana, e actividades desportivas como forma de dar aos jovens mais opções.
Contudo, Alexandre Neves sabe que a concretização de um tal sonho não é fácil.
“Seria necessário ter um financiamento de modo constante, porque não é algo para se dar algum dinheiro, funcionar para dias ou meses, depois fechar as portas. É preciso que funcione de modo constante”, conclui.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 724, de 15 de Junho de 2021