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São Vicente

Jorge Brito, nascido a 4 de Julho: De activista político a doador de sangue

Jorge Brito, Combatente da Liberdade da Pátria, é um homem que tem parte importante da sua vida ligada à história da sua ilha natal, São Vicente, e de Cabo Verde. Ajudou a organizar a resistência na zona da Ribeira Bote contra a tropa portuguesa, em 1974 – facto que conferiu ao bairro o título de “Zona Libertada” – e foi o primeiro doador de sangue no país, além de co-fundador do Sport Club Ribeira Bote.

Jorge Alberto Brito, mais conhecido por Txicoli, completa 80 anos no próximo domingo, 4 de Julho. O facto desta data vir a ser a véspera da Independência de Cabo Verde, a 5 de Julho de 1975, constitui motivo de orgulho para Txicoli, ainda hoje, volvidos quase meio século em que estas ilhas se tornaram livres do colonialismo.

 Participação na luta pela independência

Tal como os outros “camaradas” desse tempo, da clandestinidade, este entrevistado do A NAÇÃO participou activamente na luta pela independência de Cabo Verde, cujo 46º aniversário é assinalado na próxima segunda-feira.

Uma efeméride que, para este cidadão, deve ser sempre condignamente assinalada, enquanto acontecimento único na história destas ilhas. “Tenho para mim que, depois de 46 anos, Cabo Verde poderia estar bem melhor, a todos os níveis.

Reconheço todo o trabalho que os partidos têm vindo a desenvolver, todo o esforço, mas é preciso melhorar.

São 46 anos e ainda temos casos de pobreza extrema no país. Este é um ponto que precisa de estudo para que sejam arranjadas soluções, o mais rápido possível”, afirma.

De todo o seu percurso de combatente nacionalista, Jorge Brito destaca a resistência que foi preciso organizar, já depois do 25 de Abril, contra a tropa portuguesa a 23 de Setembro de 1974, quando, no regresso a Portugal, depois de perderem a guerra na Guiné Bissau, em escala em São Vicente, soldados descontentes resolveram descarregar a raiva nos cabo-verdianos.

Depois de alguns incidentes, um grupo desses soldados decidiu que haveria de ir acertar as contas com a população na Ribeira Bote.

 Resistência ao ataque de tropas portuguesas a Ribeira Bote

“Tínhamos um elemento da Comissão de Estiva em São Vicente, o falecido Paraqueda, que ouviu dos portugueses a dizerem isso. O responsável político na zona, Toi de Suna, que estava de partida no dia 24 para a Praia, destacou o adjunto para coordenar as operações, no caso, eu”, recorda Brito.

Avisados, militantes e simpatizantes do PAIGC da zona foram alertados do ataque que acabou por ter lugar no dia 23 de Setembro, pelas 22h30.

Para o efeito, foram recolhidos blocos, pedras, no sentido de obstruir todas as vias de acesso à zona. “Todos ajudaram”, diz, “homens, mulheres e crianças”, e foi nessa altura que surgiram os primeiros “cocktails molotov”, garrafas pequenas, contendo ferro e combustível, e se atiradas a uma certa distância explodiam.

 Ribeira Bote, “primeira Zona Libertada de Cabo Verde”

“A tropa chegou, um camarada, o Tinaia, atirou o primeiro cocktail Molotov e, a partir daí, gerou-se uma enorme confusão no local. A sentina, no caminho para Cruz João Évora, ficou toda esburacada, mas os portugueses não conseguiram entrar na zona”, conta.

Após este episódio, “os marinheiros foram enviados a bordo, os militares para os quartéis e os policiais para a estação”.

A partir de 23 de Setembro de 1974, Ribeira Bote ganhou o título de ser a primeira “Zona Libertada” de Cabo Verde, em alusão às “zonas libertadas” pelo PAIGC na Guiné Bissau.

 Ribeira Bote: problemas sociais continuam até hoje

Ribeira Bote, considerado um dos bairros mais emblemáticos de São Vicente, tem sido berço dos grandes profissionais da arte, da música, do futebol, do ténis e, também, da emblemática e da famosa “Mandinga” que sai às ruas do Mindelo em todas as festas do Rei Momo.

Contudo, segundo Jorge Brito, os problemas sociais do bairro estendem-se até aos dias actuais, “apesar da sua população fantástica, de toda a sua história e contributos para a Nação Cabo-verdiana”. Além de um trabalho de fundo, a todos os níveis, este cidadão considera que a resolução dos problemas sociais passa pela requalificação da zona, uma ideia antiga, diga-se.

“Ribeira Bote tem problemas no seu desenvolvimento, principalmente na questão de habitação, pois as pessoas fizeram as suas casas sem quaisquer orientações urbanísticas. E se quisermos transformá-la num lugar planificado será necessário construir tudo de novo, de base”, finaliza.

Primeiro doador de sangue em Cabo Verde

Jorge Alberto Brito estudou até ao sexto ano de liceu, como se dizia antigamente e foi director geral da Agência Nacional de Viagens, presidente da Comissão de Gestão de Transportes Marítimos e Cônsul da Noruega durante 35 anos.

Cidadão consciente, além de activista político e social, e também desportista, Jorge Brito foi o doador de sangue número um no país. Tornou-se num doador voluntário a 5 de Abril de 1974, tendo feito até 19 de Junho de 1991, 18 doações.

“Recordo que numa das vezes, fiz uma transfusão directa a uma grávida que precisava de doação urgente. Nada foi tão gratificante, na altura, do que saber que naquele episódio, tanto a mãe como a criança se salvaram”, relembra orgulhoso.

Em reconhecimento dessa causa, Jorge Brito recebeu, a 07 de Maio de 1994, um diploma atribuído pela Cruz Vermelha de Cabo Verde e pelo Hospital Baptista de Sousa, por ser considerado um “Doador voluntário de sangue com distinção”.

Por tudo o que viveu, hoje, aos 80 anos, Jorge Brito transporta consigo a ideia de que todos os sacrifícios valeram a pena. O Cabo Verde de hoje pouco ou nada se compara com aquele que os cabo-verdianos herdaram do colonialismo a 5 de Julho de 1975.

“Em relação aos jovens, muitos têm a consciência daquilo que se fez, do significado e da importância da luta pela independência.

Mas, o certo é que nós não podemos exigir muito dos jovens, pois não temos documentos e testemunhos escritos para que eles possam conhecer a nossa história. E isto é um défice que temos de colmatar. Tudo precisa ser escrito para que a nossa história não se perca”, conclui.

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 722, de 01 de Julho de 2021

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